A agricultura em Angola cresceu 5,6% no ano agrícola 2021/2022, anunciou hoje o ministro da Agricultura e Florestas, António de Assis, considerando que o resultado reflecte níveis de crescimento da produção satisfatórios, “embora tímidos”. Será que no Bailundo, por exemplo, as enxadas já não estão a ser alugadas à hora? Será que as couves já estão a ser plantadas com a raiz para… baixo?
António de Assis referiu que no ano agrícola 2021/2022 o sector registou um crescimento da produção de 5,6%, comparativamente ao ano anterior, como demonstram as “plataformas comerciais nos principais mercados do país e nas vias à berma das estradas nacionais”.
“Para que este crescimento seja sustentável e se reflicta na melhoria da condição de vida da população, torna-se necessário alargar os níveis de intervenção, tanto a nível das famílias camponesas, que representam 90% da área agrícola trabalhada e 86% da produção agrícola, assim como na criação de políticas de suporte e incentivo para promover o investimento em grande escala”, realçou o ministro.
António de Assis participou hoje na abertura da V conferência promovida pela revista Economia & Mercado, que abordou o tema “Agro-indústria, a Reserva Nacional Estratégica e as Razões por que Continuamos a Depender de Importações”.
Segundo o governante, no ano agrícola 2022/2023, de um total de 1,7 milhões de famílias camponesas diagnosticadas, 1,2 milhões foram assistidas, representando 70,2% das famílias rurais agrícolas.
O ministro salientou que “a produção nacional ainda enfrenta o grande desafio do acesso aos insumos, que por imperativo das circunstâncias, são na sua maioria importados”. Traduzamos: “imperativo das circunstância” quer dizer, apenas e só, incompetência de quem governa o país há 47 anos.
Embora já existam em Angola iniciativas privadas como a produção de tubos e motocultivadoras, ‘blenders’ e fertilizantes, António de Assis admitiu que há “muito trabalho pela frente para resolver essa questão”, que se apresenta como uma oportunidade de negócio.
“Gostaríamos também de aqui destacar os incentivos do Governo em vigor, tais como a emissão da declaração de exclusividade, que isenta o pagamento de direitos aduaneiros para importação de máquinas, equipamentos e insumos agrícolas e a redução do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) para 5%”, frisou.
Relativamente ao fomento da produção pecuária, o ministro disse que foram distribuídos, no âmbito do programa de fomento da avicultura familiar, com arranque em 2019, aproximadamente 500 mil pintos e prestada assistência técnica a mais de 15.800 famílias em 16 das 18 províncias, sendo a maior beneficiária a Huíla.
Por outro lado, o presidente da Associação Agro-pecuária de Angola (AAPA), Wanderley Ribeiro, considerou que o sector da agricultura enfrenta ainda vários desafios desde a produção, logística e comercialização.
Em declarações à imprensa, Wanderley Ribeiro realçou o paradoxo existente entre a vontade de aumento da produção nacional e as importações.
“As importações não têm tido em consideração aquilo que é a produção nacional. Por exemplo, neste momento, existem várias fazendas que estão no processo de colheita do milho, se esta informação daquilo que é a previsão de colheita nos próximos dois meses não estiver no plano de intervenção da reserva e até do próprio processo de licenciamento do Ministério do Comércio, vamos ter uma situação de conflito, em que estes produtos podem entrar, o milho, a soja, o trigo, numa altura em que há alguma disponibilidade de produto”, disse.
Wanderley Ribeiro sublinhou que a produção nacional tem um custo mais elevado, porque a maioria dos insumos utilizados, “até mesmo o próprio capital humano”, é importado.
Para o presidente da AAPA, é preciso abordar-se com alguma abertura sobre os instrumentos que vão ajudar o sector empresarial a baixar a estrutura de custos, que considerou bastante pesada.
“O sector empresarial paga impostos, vive uma série de desafios, mas por vezes nós notamos que o que sobressai é a agricultura familiar. Temos um respeito muito grande pela agricultura familiar e não há uma competição, há uma complementaridade”, disse.
PALMEIRAS NUNCA DARÃO BANANAS
Angola explora apenas 331.285 quilómetros (10,37 %) dos 3.194.395 quilómetros de área cultivável, indica o relatório final do Recenseamento Agro-pecuário e Pescas (RAPP). No dia 18 de Março de 2022, o ministro António de Assis afirmou que agricultores do interior do país disputavam enxadas e catanas, por falta de produção local, considerando que este é um dos factores que limitava o desenvolvimento do sector. “No Bailundo as enxadas estão a ser alugadas à hora…”, disse.
O relatório, o primeiro pós-independência, apresentado em Luanda pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), identifica a existência de mais de três milhões de camponeses em todo país e as províncias do Uíge e Zaire com os solos mais ricos.
O mesmo foi apresentado em três módulos, nomeadamente, as “explorações agro-pecuárias e piscatórias familiares”, a “exploração comunitária” e a “explorações agro-pecuárias, piscatórias e aquícolas empresariais”.
Neste módulo, os dados foram recolhidos entre 2019 e 2020, e inquiriu-se 2.364.880 cidadãos, tendo-se destacado as famílias de Malanje, Cabinda, Bié, Huambo na exploração agro-pecuária. No Cuando Cubango é que menos famílias cultivam.
No processo de recolha de dados, as famílias que praticam actividades agrícolas, pecuárias e piscatórias nas 23.651 aldeias apuradas, destaca-se o cultivo do milho, seguido da mandioca, batata-doce e feijão.
No campo da exploração pecuária, em 20 mil aldeias estudadas, foi apurado 1.430.606 criadores, com a produção de galinhas a encabeçar o sector pecuário, seguido dos caprinos, suínos, bovinos e ovinos.
Já na actividade aquícola, foram apurados 8.263 exploradores que produzem maioritariamente em tanques escavados (91%) e lagoas, com predominância na produção da tilápia nativa e do peixe bagre.
Em relação às explorações agro-pecuárias, piscatórias e aquícolas empresariais, o relatório do RAPP identifica 5.887 empresários baseados, na sua maioria, em Benguela e Huambo, mas a província do Cuanza Sul se apresenta com a maior média por hectare, 540 hectares de exploração.
Aqui, os dados indicam que o género masculino domina com as idades compreendidas entre os 54 a 64 anos de idade, em que os nacionais são detentores de 98% das empresas agro-pecuárias do país.
No que diz respeito ao acesso ao crédito, o RAPP apurou, em 2021, que 3,6% dos empresários tiveram acesso ao crédito e cerca de 37% obtiveram assistência técnica.
No evento, o secretário de Estado para a Economia, Ivan dos Santos, considerou o RAPP como um instrumento fundamental de apoio à diversificação da economia nacional.
O recenseamento Agro-pecuário e Pescas, designado por RAPP 2019-2022, foi o primeiro a ser realizado em Angola depois da independência, com o objectivo de actualizar o sistema de informação estatística agro-pecuária e pescas, para apoiar as políticas, planos e programas em desenvolvimento no país.
Co-organizado pelos ministérios da Economia e Planeamento e da Agricultura e Florestas, o recenseamento contou com a parceria do Banco Mundial (BM) na assistência técnica, avaliada em 60 mil dólares, bem como da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO).
NEM ENXADAS, NEM CATANAS
O ministro da Agricultura e Pescas angolano, António de Assis, afirmou no dia 18 de Março de 2022 que agricultores do interior do país disputavam enxadas e catanas, por falta de produção local, considerando que este é um dos factores que limita o desenvolvimento do sector.
Para António de Assis, a falta de fabrico interno de meios de produção agrícola, nomeadamente catanas, enxadas, carros de mão, agulhas e de fertilizantes e pesticidas condiciona o fomento da produção agrícola, levando os agricultores a disputarem estes meios. No entanto, não faltam viagens aos Emirados Árabes Unidos…
Segundo o governante, a falta de conhecimento e de mercado constam também entre os factores que inviabilizam o crescimento da agricultura em Angola, defendendo que as acções das autoridades deviam convergir com o sector que dirige.
“A nível de Catabola [província do Bié] encontrar sementes e pesticidas é difícil, nas principais regiões onde se produz não há enxadas e no Bailundo [província do Huambo] as enxadas estão a ser alugadas à hora para se poder cultivar”, contou António de Assis.
O país “não produz enxadas, precisamos fazer diplomacia económica para atrair investimentos e produzir localmente enxadas, catanas, carros de mão, machados, regadores, facas, agulhas para coser os sacos e outros meios de produção”, frisou.
“Há alguns passos positivos nesse sentido, mas ainda insuficientes para as necessidades do país”, salientou.
O ministro falava durante a segunda edição do Café CIPRA (Centro de Imprensa da Presidência da República de Angola), que abordou o “Fomento da Produção Nacional e a Sustentabilidade da Reserva Estratégica Alimentar (REA)”.
A ausência de um “mercado sólido, que é todo o conjunto que congrega leis, normas, procedimentos, centrais logísticas, estradas e o ambiente em si onde a produção é levada” também emperram o desenvolvimento da agricultura, segundo o ministro. “Há esforços nesse sentido, hoje é possível verificar acções nesse domínio, mas precisamos de mais”, realçou.
Em relação ao que considerou de “défice acentuado de conhecimento” para a agricultura, António de Assis apontou que, no interior de Angola, a sementeira do milho e da mandioca “não obedece às normas técnico-científicas” do sector.
Com uma “sementeira correcta do milho”, exemplificou, a produção cresce a 100%: “A plantação da mandioca nos campos agrícolas é incorrecta, digo isso do ponto de vista técnico-científico e o mesmo se aplica à plantação da banana”.
“Angola tem de ser um país virado para a agricultura e todo o momento precisamos de analisar o sector para definir parâmetros de actuação conjunta, todos os sectores ministeriais devem estar ligados à agricultura por ser um sector transversal”, disse.
Apesar dos actuais constrangimentos”, observou António de Assis, “nos últimos anos foram dados passos significativos no domínio da agricultura e pescas e mesmo durante a pandemia o país não teve falta de alimentos”. Nada foi dito sobre se os agricultores, contrariando as ordens superiores do MPLA, já plantam as couves com a raiz para… baixo.
“E pelo país há bastante produção local, há produtos agrícolas com alguma frequência e qualidade a nível do país. No país, há um despertar pela necessidade de se produzir, sobretudo devido às dificuldades do passado e a consciência de se consumir produtos locais”, apontou.
Folha 8 com Lusa