QUANDO DESPEDIR SE CHAMA REFORMAR

O ministro dos Transportes angolano, Ricardo Abreu, negou hoje, em Luanda, a existência de despedimentos na companhia aérea de bandeira, TAAG, afirmando que estão em curso processos de reforma.

“Nesta altura, não existem despedimentos em curso na TAAG. O que a TAAG e a sua gestão estão a fazer é regularizar os processos de reforma e aposentação dos quadros que atingiram essa idade legal. Este não é um processo de despedimento, e sim uma simples regularização do estatuto profissional de algumas pessoas que estão em idade de reforma”, salientou o responsável, estimando que 100 dos 2.500 funcionários da transportadora angolana estarão nesta situação.

Na semana passada, foi noticiado um alegado plano da TAAG, actualmente gerida pelo espanhol Eduardo Soria, para despedir duas centenas de trabalhadores no âmbito do plano de reestruturação da empresa, cuja privatização parcial está também prevista.

“Estaríamos muito mal se estivéssemos dependentes destas pessoas para que uma companhia aérea do tamanho da TAAG pudesse sofrer ou ter prejuízos incalculáveis, pensamos que este é um processo natural que tem de acontecer”, continuou Ricardo Abreu que falava à imprensa à margem da apresentação do projecto para a modernização do sistema de navegação aérea.

O governante assinalou ainda que tem de se garantir o surgimento de uma “nova geração de profissionais” para fazer “o que é normal: saem uns, entram outros”.

Questionado sobre a aproximação da TAAG à congénere cabo-verdiana TACV, afirmou que não está em causa o controlo de uma companhia por outra, mas antes uma “parceria estratégica”, a nível dos dois países.

“É uma parceria bilateral e obviamente as companhias aéreas também conseguem observar as oportunidades de promoção de negócios. Nesta altura, está a TACV a solicitar o apoio da TAAG e, por essa razão, foi celebrado um contrato de ‘leasing’ de uma aeronave que vai ser operada pela TACV para os destinos que achar comercialmente viáveis e com isso iremos estreitando as relações e promover mais tráfego para Cabo Verde e para Angola”, sublinhou.

Ricardo Abreu adiantou ainda que a TAAG não tem actualmente qualquer restrição para voar para países da Europa e está “a criar as condições para que o sistema de aviação civil nacional seja certificado para poder operar para os Estados Unidos”.

A TAAG, continuou, iniciou também a reestruturação do seu transporte de carga e “está a cruzar o Atlântico e o Índico, de São Paulo para Hong Kong”.

A privatização da companhia aérea TAAG não deverá acontecer antes de 2023 ou 2024, face aos efeitos da pandemia de Covid-19 sobre a economia mundial e a aviação, admitiu no passado dia 7 de Fevereiro (antes dos efeitos da invasão da Ucrânia pela Rússia) o presidente executivo da transportadora angolana.

“Lamentavelmente continuamos em pandemia o que afectou muitos países, sobretudo na Europa e América do Sul, e não sabemos quando vai acabar”, afirmou Eduardo Farien Soria em Luanda, numa conferência de imprensa, durante a qual o novo Conselho de Administração fez um balanço dos seus primeiros 100 dias à frente da TAAG, que têm tido como foco a contenção de custos, liquidez e antecipação da procura.

“Estamos num cenário muito instável e uma privatização neste cenário não parece a melhor decisão”, continuou, dizendo que a empresa está a aproveitar para “ir crescendo e fazer poupanças”, pelo que só em finais de 2023 ou 2024 deverá estar em condições para ser vendida ou encontrar novos parceiros.

“As empresas valem o que estamos dispostos a pagar por elas. O valor da TAAG é claramente superior ao valor que tinha quando chegámos, mas ainda estamos longe de entrar num processo de privatização ou parceria”, considerou.

O objectivo da equipa de gestão é “vestir muito bem a noiva” e deixar a companhia preparada para quando chegar o momento de fazer avaliações.

“Agora não é um bom momento para encontrar um investidor porque muitas companhias aéreas estão com muitos problemas, possivelmente em 24 meses teremos um cenário global, e não só em Angola, algo diferente. Agora é um exercício de pura sobrevivência a nível global”, complementou Eduardo Soria.

O presidente executivo da TAAG abordou também o tema da renegociação das dívidas e dos contratos, afirmando que se pode conseguir poupanças significativas, se for feito com tempo e transparência.

A empresa tem conseguido poupar cerca de 20% tanto nos novos contratos como na renegociação de dívidas anteriores, gerando “poupanças significativas”, o que permitirá “criar uma base de custo da operação que permita competir com outras companhias, umas que estão aqui [Angola] a operar e outras que vão vir por que a TAAG tem de competir no mercado internacional”, comentou.

A presidente do conselho de administração da empresa, Ana Francisco Major, salientou no balanço dos 100 dias que a actual equipa recebeu a TAAG “com uma fragilidade agravada pela pandemia”, tendo posto em prática várias mudanças operacionais para assegurar a sobrevivência da companhia, e destacando alguns resultados alcançados, nomeadamente a nível de tesouraria que passou de 6 para 180 dias de caixa.

Também no campo das melhorias apontou o facto de se ter passado a concentrar numa só área as compras que antes estavam deslocalizadas, prosseguindo-se o diagnóstico da empresa para travar o sangramento de recursos financeiros, já que a equipa continua a encontrar todos os dias “algumas surpresas”.

Dentro do processo de restruturação de que a TAAG está a ser alvo, cabem também as relações de trabalho e a busca de recursos próprios para que a transportadora não dependa apenas do suporte do Estado, acrescentou.

Questionado sobre o valor da dívida, o antigo presidente executivo e agora administrador não executivo Rui Carreira adiantou que esta se situava em 1,2 mil milhões de dólares (1,05 mil milhões de euros) e que foi possível ressarcir parte da dívida com fornecedores ligados ao Estado graças ao reforço de 700 milhões de dólares (612 milhões de euros) injectado pelo Estado angolano, que permitiu também à TAAG ficar com capitais próprios positivos.

Quanto à dívida com fornecedores estrangeiros, rondava os 250 milhões de dólares (218 milhões de euros), mantendo-se ainda próxima deste valor.

Recorde-se que o Presidente João Lourenço exonerou, em 20 de Outubro de 2011 o Conselho de Administração da TAAG, fundamentando a decisão com a necessidade de concretizar o plano de restruturação da empresa e os seus objectivos estratégicos.

Segundo uma nota da Casa Civil do Presidente da Republica, cessaram funções o Presidente do Conselho de Administração, Hélder Preza, o presidente da Comissão Executiva, Rui Carreira, cinco administradores executivos e os não executivos.

A nota remete os fundamentos da decisão para o Decreto Presidencial nº 186/20, de 17 de Julho, que adequou o valor nominal do capital social da TAAG e redefiniu a estrutura accionista da empresa, deixando de ser detida totalmente pelo Estado, “havendo necessidade de se concretizar o Plano de Reestruturação” e “incentivar a política empresarial com o propósito de se efectivar os seus objectivos estratégicos”.

A TAAG foi, como todas as suas congéneres, fortemente atingida pelos efeitos da Covid-19 na circulação de pessoas, tendo registado uma quebra de 75% no número de passageiros transportados, e acumulou prejuízos na ordem dos 372 milhões de dólares em 2020 (320 milhões de euros).

O Estado, os trabalhadores e as contas

João Lourenço alertou no dia 21 de Junho de 2018 para o sobredimensionamento da mão-de-obra ao serviço da TAAG, pedindo ao novo ministro dos Transportes uma “solução de equilíbrio” entre os interesses do Estado e dos trabalhadores”.

João Lourenço discursava no Palácio Presidencial, em Luanda, após dar posse a Ricardo Viegas de Abreu como ministro dos Transportes, que sucedeu a Augusto Tomás, entretanto exonerado.

“Sabemos que a empresa está sobredimensionada em termos de mão-de-obra. Procure encontrar uma solução de equilíbrio que defenda os interesses do Estado, mas que defenda também os interesses dos trabalhadores, porque afinal são chefes de família”, exortou o chefe de Estado, admitindo que a situação da companhia “preocupa”.

“Agradeço que preste muita atenção às grandes empresas públicas do sector, à forma como são geridas e à qualidade dos serviços que prestam à população, com destaque para a companhia de bandeira, a TAAG”, disse ainda.

O presidente do Conselho de Administração da TAAG, José Kuvingua, anunciara meses antes, em Janeiro, que a sua direcção iria “ajustar o excessivo número de trabalhadores” com as “reais necessidades”, para garantir o funcionamento da operadora estatal.

“A primeira coisa será o reenquadramento do pessoal de acordo com as reais necessidades, portanto poderá correr transferências internas e também o cancelamento dos enquadramentos ou recrutamentos sem propósitos justificados”, disse José Kuvingua.

Recorde-se que, segundo José Kuvíngua, a TAAG necessitava de uma capitalização estatal de 952 milhões de dólares (805 milhões de euros) para fazer face às perdas acumuladas nos últimos anos. A informação foi prestada na apresentação do plano estratégico da companhia de bandeira para o período 2018/2022 durante um seminário promovido pelo Ministério dos Transportes.

A preocupação da administração da TAAG agravou-se com a necessidade de pagamento de empréstimos contraídos para a aquisição, desde 2015, de três novas aeronaves, bem como revisões planeadas de motores e de manutenção.

Por esse motivo, José Kuvíngua sublinhou a importância da recepção atempada do subsídio de combustível atribuída pelo Estado, bem como uma nova injecção de capital, de pelo menos 150 milhões de dólares (127 milhões de euros) no imediato, para eliminar ou reduzir o défice oriundo de perdas anteriores.

Só no primeiro semestre de 2017, a TAAG tinha registado um prejuízo líquido de 12 milhões de dólares (10,1 milhões de euros), mais do dobro do saldo negativo de todo o ano de 2016, mas devido a dívidas de 2010.

A companhia estatal referira anteriormente que os resultados financeiros não auditados dos primeiros seis meses de 2017 registaram, ainda assim, “algumas melhorias”, apesar do prejuízo do semestre comparar com os cinco milhões de dólares (4,2 milhões de euros) de todo o ano anterior.

“Este nível de desempenho é muito melhor se tivermos que comparar com prejuízos históricos superiores a 150 milhões de dólares [126,6 milhões de euros] em alguns anos”, referia a companhia, que até 10 de Julho de 2017 foi gerida (desde finais de 2015, por contrato de concessão), pelos árabes da Emirates, tendo o britânico Peter Hill como Presidente do Conselho de Administração.

A companhia explicou o agravamento nas contas com a realização de uma provisão total de 21 milhões de euros nos primeiros seis meses, relativa a “passivos fiscais não pagos em escalas, no exterior, referente ao ano de 2010”.

“Se não fosse a redução no subsídio de combustível e a provisão para o passivo fiscal, a companhia teria sido lucrativa. O prejuízo é ainda agravado pelo facto de a TAAG ter de abastecer as suas aeronaves com o máximo combustível permitido em Luanda, onde ele é mais caro, na impossibilidade de o poder fazer nas escalas do exterior, onde o combustível é mais barato, devido à escassez de divisas”, reconheceu a companhia.

Folha 8 com Lusa

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