PIORAR (AINDA) MAIS O QUE (JÁ) ESTAVA MAL

O engenheiro agrónomo Fernando Pacheco, membro do Conselho da República de Angola, considerou hoje que as greves que se registam no país resultam “de deficientes políticas de governação” e da “decadência do diálogo” entre governantes e a população. Quem diria? Mas será que o MPLA faz o mesmo diagnóstico? Não. Desde logo porque para o partido de João Lourenço diálogo significa… monólogo de que manda.

“Penso que esta onda de greves deve ser vista na sequência de outras, que se foram desenhando em anos anteriores, claro que a aproximação das eleições amplia a onda e torna as reivindicações mais incisivas”, afirmou Fernando Pacheco.

Para o conhecido engenheiro agrónomo angolano, o actual clima social do país, marcado por reivindicações de trabalhadores, resulta de deficientes políticas de governação, quer no que respeita à solução dos problemas que afectam os trabalhadores, quer em relação às dificuldades do país em geral, como a inflação e o custo de vida.

“É nesta perspectiva que nós podemos ver esta onda de greves”, frisou.

Os médicos angolanos iniciaram na segunda-feira a segunda fase de uma greve, que esteve suspensa três meses, devido ao “incumprimento de acordos por parte do patronato” (o MPLA), no mesmo dia em que os técnicos judiciais do Tribunal Supremo angolano e os procuradores (cujo patrão é o MPLA) iniciaram também a paralisação dos seus serviços.

Docentes universitários do ensino público (do MPLA) estão em greve há quase três meses e os do ensino geral ameaçam igualmente paralisar, enquanto funcionários da empresa pública de produção (MPLA) de electricidade também admitem parar no fim deste mês.

Segundo Fernando Pacheco, as dificuldades que as instituições angolanas têm “não são só as ligadas directamente ao poder executivo, mas também ao poder legislativo e judicial”, envolvem os cidadãos nos processos de decisão e concorrem também para as actuais reivindicações.

“Depois de alguns anos em que o nível de participação tinha melhorado consideravelmente – estou a referir-me aos dois primeiros anos da governação do Presidente João Lourenço – depois esse nível de participação decaiu bastante”, observou.

No entender do conselheiro do Presidente angolano, os órgãos de comunicação social públicos (ou seja, do MPLA/Estado) “demitiram-se do seu papel de educar e informar” e tal postura traduz-se também num “‘cocktail’ perfeito para esta agitação social” materializada nas greves.

“Devemos dizer que não são só as greves que estão a agitar o clima social, o aumento da vandalização é outro aspecto que nós devemos ter em conta para tentarmos perceber o que se passa neste momento na sociedade angolana”, observou.

Questionado sobre as queixas de incumprimentos dos acordos firmados com os patronatos, segundo os grevistas, Fernando Pacheco disse que a postura reflecte a “falta de diálogo que, simultaneamente, mina a confiança”.

“Mas isto é, como dizia, o resultado da tal falta de diálogo, quando não há diálogo, há acordos que não se cumprem, isto tudo mina a confiança e a palavra-chave que hoje podemos encontrar para possivelmente explicar ou solucionar o problema é confiança”, realçou.

Por um lado, “os trabalhadores perdem confiança nas instituições e as instituições não procuram granjear essa mesma confiança por parte dos trabalhadores, (ou seja) por um lado procura-se ganhar confiança e, por outro lado, não se transmite a confiança”.

“É muito difícil pensar que os problemas podem ser resolvidos através de decisões que não tenham a ver com o envolvimento dos trabalhadores”, assinalou o engenheiro.

Fernando Pacheco admitiu ainda que a tensão social pode conhecer um “percurso ascendente” até às eleições gerais, previstas para Agosto próximo, porque o “actual jogo político-partidário neste momento não é positivo”.

E, “mais uma vez, (se coloca) o problema da confiança, os tribunais, concretamente o Tribunal Constitucional (TC) não está a passar confiança aos cidadãos relativamente ao problema da anotação dos congressos dos partidos”.

“Isso é muito mau, isso só é mais gasolina atirada para a fogueira da agitação social”, rematou o membro do Conselho da República de Angola.

Em causa estão decisões sobre a validação do congresso da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), principal partido da oposição que o MPLA ainda permite, pendente no TC.

O tribunal também não se pronunciou ainda sobre os congressos da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), alvo de disputa interna, e do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), partido do poder.

Com os peritos do MPLA até o milho foge

No dia 27 de Novembro de 2019, Fernando Pacheco disse que, em termos nominais, o sector agrícola do país registou uma recessão de 2%, em 2018, “apesar do relativo aumento” da produção de alguns produtos.

“Temos que concluir que, acompanhando a recessão económica do país, a agricultura também teve em termos nominais uma recessão de 2%, ou seja, a agricultura nesse período não cresceu, diminuiu, embora do ponto de vista físico se olharmos para os produtos há realmente aumento da produção física”, afirmou Fernando Pacheco, em Luanda.

Segundo o investigador e colaborador do Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica de Angola (UCAN), onde nesse dia foi apresentado o Relatório Económico de Angola 2018, o país regista dois milhões de pequenas explorações agrícolas familiares que estão “menosprezadas”.

O conselheiro do Presidente João Lourenço disse, na sua intervenção, que a estrutura da produção agrária do país, teoricamente, é baseada na existência destas explorações agrícolas familiares que representam um recurso interno que tem sido “sistematicamente menosprezado”.

“Porque se considera erradamente que essas explorações são meramente de subsistência, o que não é verdade”, afirmou, enquanto resumia um capítulo do estudo, com cerca de 400 páginas, dedicado ao sector agrícola angolano.

Baseando-se nas estatísticas do ministério da Agricultura, o agrónomo realçou que as explorações agrícolas familiares ou a agricultura familiar “são responsáveis por grande parte da alimentação no nosso país”.

Para Fernando Pacheco, a agricultura familiar tem, ou tinha, de ser encarada na perspectiva da sua “maior valorização”, de modo a que as famílias “possam ter confiança” e decidam aumentar a produção dirigida ao mercado.

“E porque teimamos em não ver essa realidade, vamos verificar que apenas 12% dessas explorações agrícolas familiares são assistidas pelas estruturas do Governo. Se queremos combater a pobreza e melhorar a situação económica através do crescimento está aqui um caminho que é necessário explorar”, observou.

Lamentou ainda que “infelizmente” subsista no país um “preconceito” de que esta agricultura não tem futuro.

“Continuamos a pensar que apenas as chamadas explorações agrícolas empresariais têm lugar no nosso país”, destacou. De acordo com o investigador, Angola contava apenas com 8 mil explorações agrícolas empresariais.

O Executivo (como acontece há 46 anos) está a trabalhar – seja lá o que isso for – com o sector privado para aumentar a produção para o país ter uma reserva estratégica constituída maioritariamente com produtos nacionais, garantiu em Setembro de 2018, no Cuanza Sul, o secretário de Estado do Comércio, Amadeu Nunes.

Falando aos jornalistas no final de um encontro com os empresários do sector agrícola da província, em função de uma visita que o secretário do Presidente da República para o Sector Produtivo, Isaac dos Anjos, efectuava ao Cuanza Sul, disse ser necessário continuar a trabalhar com a produção nacional.

Amadeu Nunes afirmou que na altura ainda não há uma reserva estratégica alimentar para o país: “Estamos a trabalhar nisso, penso que até ao final do ano o processo da reserva estará pronto e assegurada também a quadra festiva”.

“Não queremos fazer a reserva com importação, é fundamental que haja capacidade nacional para termos uma reserva nacional com produtos nacionais”, sublinhou.

Por outro lado, o secretário de Estado entendia que o subida e descida dos preços dos produtos nos mercados prende-se com a oferta e a procura (o que é, reconheça-se, uma descoberta original, eventualmente patenteada pelo MPLA), sendo necessário aumentar a capacidade nacional de produção para baixar os preços, porque o país não pode continuar a importar para baixar os preços.

“O estado não pode continuar a gastar tantas divisas com a importação, mas também temos que receber divisas com as exportações, até porque Angola já foi um país exportador e temos essa capacidade”, assegurou.

Importar só o que dá jeito ao… MPLA

O Governo pretendia (tanto quanto disse) cortar para metade, até 2022, os recursos cambiais utilizados na importação de produtos da cesta básica, redução que deverá ser coberta pelo aumento, também face aos indicadores de 2017 e na mesma proporção, da produção nacional.

O objectivo constava do Programa de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição das Importações (PRODESI), aprovado e publicado em Julho de 2018 pelo Governo, que pretendia melhorar o funcionamento dos serviços de apoio ao exportador, a competitividade do país e promover a substituição de importações por produção nacional na agricultura, pecuária, pescas, indústria, saúde, formação e educação.

Desde logo, segundo o documento, estavam previstos incentivos fiscais e cambiais à diversificação das exportações e apoios ao fomento das indústrias consideradas prioritárias.

“A implementação do programa tem como prioridade a execução de iniciativas que permitam a obtenção de resultados imediatos. Paralelamente, serão criadas condições de fundo para que os impactos gerados perdurem no tempo de forma sustentada”, lê-se no documento.

Muto mais recentemente, no passado dia 18, o ministro da Agricultura e Pescas angolano, António de Assis, afirmou que agricultores do interior do país disputam enxadas e catanas, por falta de produção local, considerando que este é um dos factores que limita o desenvolvimento do sector. Nem enxadas nem catanas. Coisas da crise…

Para António de Assis, a falta de fabrico interno de meios de produção agrícola, nomeadamente catanas, enxadas, cangulos, agulhas e de fertilizantes e pesticidas condiciona o fomento da produção agrícola, levando os agricultores a disputarem estes meios.

Segundo o governante, a falta de conhecimento e de mercado constam também entre os factores que inviabilizam o crescimento da agricultura em Angola, defendendo que as acções das autoridades devem convergir com o sector que dirige.

“A nível de Catabola [província do Bié] encontrar sementes e pesticidas é difícil, nas principais regiões onde se produz não há enxadas e no Bailundo [província do Huambo] as enxadas estão a ser alugadas à hora para se poder cultivar”, contou António de Assis.

O país “não produz enxadas, precisamos fazer diplomacia económica para atrair investimentos e produzir localmente enxadas, catanas, cangulos, machados, regadores, facas, agulhas para coser os sacos e outros meios de produção”, frisou.

“Há alguns passos positivos nesse sentido, mas ainda insuficientes para as necessidades do país”, salientou.

A ausência de um “mercado sólido, que é todo o conjunto que congrega leis, normas, procedimentos, centrais logísticas, estradas e o ambiente em si onde a produção é levada” também emperram o desenvolvimento da agricultura, segundo o ministro angolano. “Há esforços nesse sentido, hoje é possível verificar acções nesse domínio, mas precisamos de mais”, realçou.

Em relação ao que considerou de “défice acentuado de conhecimento” para a agricultura, António de Assis apontou que, no interior de Angola, a sementeira do milho e da mandioca “não obedece às normas técnico-científicas” do sector.

Com uma “sementeira correcta do milho”, exemplificou, a produção cresce a 100%: “A plantação da mandioca nos campos agrícolas é incorrecta, digo isso do ponto de vista técnico-científico e o mesmo se aplica à plantação da banana”.

“Angola tem de ser um país virado para a agricultura e todo o momento precisamos de analisar o sector para definir parâmetros de actuação conjunta, todos os sectores ministeriais devem estar ligados à agricultura por ser um sector transversal”, disse.

Apesar dos actuais constrangimentos”, observou António de Assis, “nos últimos dois anos foram dados passos significativos no domínio da agricultura e pescas e mesmo durante a pandemia o país não teve falta de alimentos”.

Nada foi dito sobre se os agricultores, contrariando as ordens superiores do MPLA, já plantam as couves com a raiz para… baixo.

Folha 8 com Lusa

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