O Governo de Angola, recorde-se que há 45 anos é do MPLA, vai dispersar em bolsa uma parte das empresas petrolífera e diamantífera Sonangol e Endiama em 2021 ou no início de 2022, disse hoje a ministra das Finanças, Vera Daves de Sousa.
“E stamos a apontar para o final de 2021 ou início de 2022 para iniciar o processo de privatização das grandes empresas como a Sonangol ou a Endiama”, disse a governante durante a conferência da Bloomberg Investir em África, que decorre hoje em formato virtual.
A venda faz parte da intenção do partido que governa o segundo maior produtor de petróleo na África subsaariana para angariar verbas para pagar o fiado e, supostamente, reiniciar o diversas vezes reiniciado desde 1975 processo de diversificação económica.
Até agora, Angola vendeu 30 empresas através de um programa de privatizações que vai até 2022, cujo total aponta para 195 activos que estão destinados a ser vendidos, inserindo-se na velha estratégia d venda em venda até à venda… final.
O prazo, no entanto, “depende da rapidez com que será possível organizar estas empresas e da garantia de cumprimento da ‘due dilligence’ [cumprimento das regras processuais internacionais] para capturar o interesse de investidores de qualidade”, acrescentou Vera Daves.
Na intervenção que fez na conferência organizada pela Bloomberg, a ministra das Finanças disse que espera que 2021 seja um “ponto de inflexão” na recessão económica que o país atravessa desde 2016, e perspectiva uma estagnação para esse ano.
O crescimento, disse, será sustentado no sector não petrolífero, incluindo agricultura e minas, a que se juntam os resultados das reformas lançadas pelo executivo nos últimos três anos.
Relativamente à dívida pública, que a ministra elege como a principal prioridade, a par da saúde, Vera Daves disse que não tenciona emitir nova dívida até que as principais praças financeiras internacionais “recuperem a confiança” e assumiu que o Governo está ciente das dificuldades.
“Estamos complemente cientes de que este não é um momento fácil”, disse a governante, pedindo paciência aos jovens que nas últimas semanas têm feito várias manifestações em Angola a pedir melhores condições de vida.
Em 2017, a propósito da sua exoneração da Sonangol, Isabel dos Santos foi assertiva: “O Governo pretende privatizar a Sonangol, nós não fomos um ‘board’, um conselho de administração, que foi colocado para fazer a privatização, nós fomos colocados para a reestruturação. Efectivamente, hoje entendo que o projecto era privatizar a Sonangol e nós também não teríamos sido, eu pessoalmente não teria sido, o ‘board’ certo para esse trabalho”.
Neste contexto, o governo de João Lourenço – na impossibilidade de vender o país como um todo – aposta forte em vendê-lo às parcelas, às fatias, através de um programa de privatizações de tudo o que dê dinheiro, pouco importando que no fim da linha os angolanos passem a viver, miseravelmente, num território comprado por estrangeiros. Ou seja, vamos ser estrangeiros no nosso próprio país, enquanto os responsáveis por esse colapso serão estrangeiros milionários em Espanha, Portugal ou EUA.
Vera Daves, obedecendo a ordens de João Lourenço (que por sua vez obedece a ordens do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e da China, entre outros) quer o maior envolvimento dos governos provinciais (todos do MPLA) nos processos de privatização, admitindo que venham a ser incluídos no programa mais empresas e activos locais.
Não seria mais lucrativo vender (o país) por atacado?
A informação foi veiculada pelo Ministério das Finanças (Minfin) numa nota, após uma reunião de Vera Daves com os 18 governadores provinciais, por videoconferência, em que foram abordados o Programa de Privatizações (Propriv), o Plano Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM) e a preparação do Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2021.
Segundo o Minfin, “foram identificados mecanismos que permitirão um maior envolvimento dos governos provinciais nos processos de privatização, de acordo com a localização dos activos”, prevendo-se que sejam indicados representantes para as comissões de negociação e a realização de “encontros periódicos de alinhamento”.
No encontro foi também acordado que “o grupo técnico permanente do Programa de Privatizações implementará iniciativas para a participação dos investidores locais no Propriv, bem como a indicação de um conjunto de empresas e activos locais que serão alvo de análise para possível inclusão no programa”.
Lançado em 2019, o Propriv prevê a alienação de 195 activos detidos ou participados pelo Estado, em sectores como as telecomunicações, indústria, banca, petróleo, recursos minerais, aviação, seguros, entre outros. A fase de privatizar os escravos será, talvez, a última.
Em 22 de Setembro, o Governo anunciou um encaixe de 87 milhões de euros até ao momento, com a privatização de 23 activos.
Na reunião, a secretária de Estado para o Orçamento e Investimento Público, Aia-Eza da Silva, abordou as reclamações dos governadores quanto à implementação dos projectos de âmbito central garantindo que “têm tido acolhimento do ministro de Estado para a Coordenação Económica e coordenador da comissão interministerial do PIIM, Manuel Nunes Júnior”.
Num encontro recente com o ministro da Administração do Território, Marcy Cláudio Lopes, o governador de Benguela, Rui Falcão, questionou a falta de dinheiro para o saneamento básico… ainda fora das privatizações.
“Não é possível que cidades como Benguela e Lobito fiquem meses sem dinheiro para recolher os resíduos sólidos”, disse o governador, salientando que “é preciso mais sensibilidade de quem toma decisões em Luanda” e que sem “esses quadros para vivenciarem a realidade as decisões são sempre erradas”.
Da reunião com a ministra saíram recomendações no sentido de “um maior alinhamento das equipas técnicas dos governos provinciais, dirigidas pelos vice-governadores, e dos departamentos ministeriais que empreendem projectos de âmbito central nestas localidades, bem como uma análise cuidada dos contratos passíveis de reequilíbrio financeiro”, indicou o comunicado do Minfin.
“Foi feita uma apresentação do quadro macroeconómico de referência que continua a ser marcado por restrições de tesouraria e o nível de ‘stock’ da dívida, o que exige, em termos de política, alguma prudência no aumento da despesa pública sob pena de provocarmos um agravamento do défice fiscal”, acrescentou a nota, quanto à preparação do OGE.
MPLA põe Angola à venda
Em Junho de 2019, o Governo anunciou que mais de 190 empresas públicas, 32 delas de referência nacional, serão privatizadas via Bolsa de Valores para aumentar os níveis de eficiência. Essa dos níveis de eficiência tem piada. Lá vão os mesmos de sempre (do regime do MPLA) e o capital estrangeiro – mesmo que abutre (“vulture”, “秃ul”, نسر) – abocanhar a carne e deixar-nos os ossos… se não servirem para fazer farinha.
Em Maio de 2018, o Governo previa privatizar 74 empresas públicas a médio prazo, sobretudo do sector industrial. A informação constava do prospecto da emissão de ‘eurobonds’ de 3.000 milhões de dólares (2.500 milhões de euros), a 10 e 30 anos e com juros acima dos 8,2% ao ano. Mudam-se (aumentam) as dívidas, muda-se o número de empresas. É o MPLA ao seu melhor estilo.
Em Outubro de 2018, a Economist Intelligence Unit (EIU) defendia que o processo de privatizações em Angola teria de ser bem gerido e alertou para a “crescente preocupação” sobre as ligações entre os destinatários das vendas das empresas e o Presidente da República… (João Lourenço).
Segundo o coordenador adjunto da comissão técnica de privatizações do Ministério das Finanças, Patrício Vilares, o processo de privatizações das empresas públicas já estava em curso e obedecia a normas e critérios com base na lei.
De acordo com Patrício Vilares, que falava à margem da 6ª reunião Ordinária da Comissão Económica do Conselho de Ministros, o programa de privatizações visa a “melhoria do tecido produtivo”, envolvendo as empresas com maior impacto na economia para lhes dar “condições de maior competitividade e dinamização para o sector público”. Serão privatizadas empresas dos sectores da agricultura, indústria, turismo, transportes, telecomunicações, finanças e mineiro.
A Comissão Económica do Governo aprovou o programa de privatizações, documento que identifica as empresas públicas ou de domínio público a serem privatizadas no âmbito da redução da intervenção do Estado na economia como produtor directo de bens e serviços, e da promoção de condições favoráveis à iniciativa privada, ao investimento estrangeiro e à aquisição de know-how em competências específicas.
Como estaria Angola a reagir à crise económica e financeira se a Sonangol já tivesse sido privatizada e, por isso, deixasse de estar sob a alçada (mesmo que incorrecta) do Estado? Seria possível, se esta empresa estratégica fosse de estrangeiros (mesmo que tendo sipaios do regime como adminustradores), amortecer o impacto da crise, garantindo algum poder negocial, nomeadamente a nível de empréstimos?
Privatizar uma empresa estratégica como a Sonangol seria (será, é) como privatizar as Forças Armadas, perdendo um dos principais factores da nossa independência económica e financeira, no caso.
Só por ingenuidade, sejamos optimistas, se poderá pensar que os nossos principais responsáveis políticos, a começar pelo Presidente da República, não alinharão nesta estratégia ultraliberal e, por isso, suicida. Privatizar a Sonangol é passar o nosso centro de decisão económico para estranhos e, inclusive, para fora do próprio país.
No caso de uma empresa, da empresa das empresas (a verdadeira galinha dos ovos de ouro, segundo João Lourenço), é seguir a estratégia dos que, do ponto de vista estritamente da rentabilidade comercial, e por isso apátrida, preparam as empresas com a única finalidade de as alienar, criando mais-valias, nada preocupados com quem é o comprador, para onde vai o centro de decisão, que consequências tratará para a economia nacional, para o seu tecido social, para a independência do próprio país.
A crise económica e financeira que Angola atravessa há alguns anos, não só exige como justifica que o Estado mantenha em seu poder empresas e entidades que são estratégicas e que deveriam ser inalienáveis. Estão a funcionar mal? Ponham-se a funcionar bem. Têm altos custos? Têm. Mas são custos que não podem implicar a venda da nossa identidade. E essa identidade só se mantém se, por exemplo, a Sonangol continuar a ser do Estado, continuar (ou voltar) a ser uma empresa âncora.
Angola (mesmo com bélica oposição do MPLA) precisa de travar esta intenção antes que seja demasiado tarde. Não se trata de uma empresa como muitas outras que o Estado quer, e bem, privatizar. A Sonangol é… Angola. E Angola não está à venda (embora às vezes pareça) nem em fase de privatização. Ou será que está?
Numa longa análise ao processo de privatizações em curso em Angola, a unidade de análise económica da revista britânica ‘The Economist’ alertou para a necessidade de o processo ser bem gerido, sob pena de afastar os potenciais interessados.
“É importante que quaisquer vendas sejam bem geridas, entregando o melhor valor, e que as transferências sejam transparentes para evitar enriquecimentos ilícitos de uma elite bem relacionada politicamente”, avisaram os analistas sobre as privatizações esperadas, totais ou parciais, de empresas como a petrolífera Sonangol, a transportadora aérea TAAG ou a Angola Telecom.
“Vender empresas ou activos nacionais vai ajudar a obter o tão necessário financiamento para o Governo cortar os custos dos salários e reduzir as vulnerabilidades”, e deve também “ajudar o mercado, aumentando a concorrência e melhorando os padrões dos serviços, mas coloca um risco de aumento da instabilidade laboral se as reestruturações afectaram empregos e benefícios”, alertava-se na análise ao programa de privatizações angolano.
Angola introduziu em 1994 a nova legislação sobre privatizações, para aumentar a eficiência, produtividade e competitividade da indústria do país, nacionalizada a custo zero pelo MPLA após a independência de Portugal, proclamada a 11 de Novembro de 1975.
Entre 2001 e 2005, o Governo chegou a identificar 102 empresas para privatização total ou parcial, processo que não chegou a ser concluído.
Folha 8 com Lusa