“Quanto a mim, sei que a prisão será dura como nunca o foi para ninguém, cheia de ameaças, de uma ruim e covarde crueldade, mas não a temo, como não temo a fúria do miserável tirano que tirou a vida a 70 dos meus irmãos. Condena-me, não me importo. A história me absolverá”, palavras de Fidel de Castro, ex-presidente de Cuba, declaradas no tribunal poucas horas antes de ouvir a sua sentença de condenação no dia 16 de Outubro de 1953.
Por Sedrick de Carvalho
O ditador na altura era Fulgêncio Batista, e o julgamento era na sequência da tentativa de derrube da ditadura, num processo conhecido como “Assalto ao Quartel Moncada”. Em tribunal, Fidel Castro fez a sua própria defesa e foi nesta qualidade que proclamou o célebre discurso cujo extracto acima transcrevemos. Passado algum tempo, ele mesmo transformou-se em ditador.
Os rumores de que o ditador José Eduardo dos Santos estava morto, alimentado por mais uma longa ausência sem justificação, mereceram da nossa parte um distanciamento propositado, pois o sujeito em causa é useiro e vezeiro no que concerne, também, ao abandono do posto de trabalho sem qualquer informação ao patrão – o Povo -, uma prática que constitui infracção laboral e falta de respeito ao empregador.
Mas se os rumores não mereceram a nossa atenção, a impunidade merece, e o presidente da República passeia-se pelo mundo impune e inclusive tem a insolência de punir todos os que contestam a sua longevidade e calamitosa governação.
Diferentemente de Fidel Castro, o ditador angolano certamente não terá argumentos a apresentar em sua defesa caso seja submetido a julgamento – e continuará a ter direito a se defender. E se a história não o absolverá, como se percebe, com certeza nem a morte o vai absolver. E percebemos isto exactamente quando surgem rumores de que morreu ou de que o seu estado de saúde é extremamente grave.
Dificilmente se vêem manifestações de solidariedade ao dado morto, exceptuando as manobras de ressuscitação levadas a cabo pela geringonça do costume e até por uma criança de três anos de idade que supostamente viu o avô a assistir à televisão em Barcelona.
O ódio desenvolvido por muita gente contra José Eduardo dos Santos é tanto que quando surgem especulações de que tenha morrido logo se começa a fazer fé que o rumor seja verdadeiro. Se nem todos têm o privilégio de saber como serão recordados quando morrerem, JES tem mais esse benefício, e pode usufruir dele como exclusivamente usufrui das riquezas que pertencem a todos os angolanos.
Os comentários publicados por inúmeros angolanos nas redes sociais serve para demonstrar que, mesmo que morra, José Eduardo dos Santos continuará a ser encarado como é: um ditador sanguinário que ao longo do seu reinado apenas tem delapidado o erário e relegado milhões de angolanos à miséria.
Se o presidente-ditador imaginar-se como um defunto e se se prezasse, então faria logo alterações profundas na sua governação, mesmo sendo tardia. Por exemplo, podia libertar a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) do seu domínio e criar um concurso público para se eleger um presidente idóneo para a comissão. Também exonerava os dois ministros-candidatos à presidência – João Lourenço e Bornito de Sousa -, e ainda Isabel e Filomeno dos Santos dos cargos que ocupam – PCA da SONANGOL e Fundo Soberano, respectivamente -, bem como desmantelar a subordinação da imprensa estatal ao seu GRECIMA.
A possibilidade de existir realmente uma transição estaria mais próxima ao se eliminar esses vícios – manipulação da CNE e imprensa estatal -, e o futuro ex-presidente talvez pudesse ser absolvido pela morte. Mas até ao momento não há indicadores de que o ditador pense na absolvição pós-morte, e talvez seja por não acreditar sequer na absolvição tumular. E, na ausência destes indicadores, estamos perante vários indicadores da continuidade da ditadura por meio dum sucessor que fraudulentamente chegará à presidência.
Fidel Castro, depois de ter derrubado a ditadura de Fulgêncio Batista, governou Cuba de 1959 até 2008. Exactamente 49 anos no poder. O discurso proferido em 1953 não se adapta aos seus anos de governação. Por problemas de saúde, Fidel foi forçado a abandonar o poder. A mesma oportunidade que José Eduardo dos Santos tem agora, Fidel teve precisamente em 2008. Tal como o ditador angolano, o homólogo cubano preferiu não ser absolvido pela morte, e assim não democratizou o país, mantendo o status quo ao colocar o irmão como seu sucessor.
Efusivamente elogiado, isto pelo seu forte envolvimento na luta contra a ditadura de Batista, com Che Guevara sempre ao seu lado, as críticas ao ex-presidente cubano incidiram sobretudo ao facto de não abrir o país às eleições presidenciais democráticas.
José Eduardo dos Santos vai concluir o mandato numa imensidão de atrocidades e com poucos, ou nenhum, pontos positivos. E se é com a morte do devedor que se perdoam as suas dívidas, parece que nem a morte vai absolver o ditador angolano.
Esta matéria leva-me a recordar os momentos que eu e os amigos frequentávamos os clubes de vídeos; nos cartazes colocavam o filme do comando, posto dentro do clube encontrávamos outro filme e a malta ficava chateada…