Mais de 40 milhões de pessoas precisam actualmente de assistência humanitária na África Austral devido à seca e a situação pode agravar-se já em Julho, quando for concluída uma nova avaliação no terreno, alertam agências internacionais.
“Os números são altos, são reais e poderão ser mais altos quando terminarmos a avaliação no final de Julho”, diz o representante do Programa Alimentar Mundial (PAM) em Moçambique, Abdoulaye Balde.
Segundo as últimas estimativas da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), reveladas a 15 de Junho, 41,4 milhões de pessoas, ou seja 23% dos 181 milhões de habitantes das zonas rurais da região, estão em situação de insegurança alimentar e, destes, mais de 21 milhões precisam de assistência humanitária urgente.
O mesmo documento revela que quase 2,7 milhões de crianças sofrem já de malnutrição severa aguda, número que se prevê que aumente significativamente se não for prestado apoio imediato às populações mais vulneráveis.
“A situação é severa, particularmente em países como o Zimbabué, Malawi ou Moçambique, onde vemos grandes aumentos do número de pessoas em insegurança alimentar”, disse Johnathan Pound, da Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
A situação não deverá melhorar antes das colheitas da próxima campanha, em Abril de 2017.
A SADC, os países afectados e agências das Nações Unidas como a FAO, o PAM e a Unicef criaram uma equipa de resposta a esta crise alimentar. O problema, reconhecem responsáveis destas agências,, é a falta de financiamento.
A directora da SADC para a Alimentação, Agricultura e Recursos Naturais, Margaret Nyirenda, apelou este mês aos parceiros e doadores para que atuem rapidamente para evitar um agravamento da situação.
“As pessoas continuam a perder os seus meios de subsistência e podemos perder vidas se não agirmos agora”, disse a responsável.
A situação actual deve-se ao facto de o fenómeno El Niño, que este ano trouxe seca à região, se seguir a um ano que já tinha sido de seca. Um segundo ano consecutivo de seca deixou a região com um défice de 9,6 milhões de toneladas na produção de cereais. Apenas 72% das necessidades de cereais da África austral estão disponíveis, segundo a SADC.
Mesmo a África do Sul, habitualmente grande produtora e fornecedora para os restantes países da sub-região, já anunciou que precisa de importar quatro a cinco milhões de toneladas de cereais para alimentar a sua população.
“Não é uma fome sazonal, é toda uma região que não tem qualquer zona com excedente”, disse Balde.
Segundo o representante da FAO em Lisboa, Hélder Muteia, 84% do impacto do El Niño ocorre no sector agrícola, quer seja na produção agrícola, quer seja na pecuária.
Os números da SADC apontam para a morte de meio milhão de cabeças de gado apenas no Botsuana, Suazilândia, África do Sul e Zimbabué.
Por outro lado, as fontes de água e aquíferos estão esgotadas, obrigando as pessoas a recorrer a água sem condições.
Tudo isto motiva o apelo que as organizações internacionais lançam à comunidade internacional e aos doadores.
Só a FAO precisa de 232 milhões de dólares para fazer face às necessidades mais urgentes nos países mais vulneráveis e ainda não conseguiu reunir esses recursos, exemplificou Hélder Muteia.
“Precisamos da compreensão dos doadores para que que comecem a colocar dinheiro e a apoiar a região”, disse por seu lado Abdoulaye Balde.
As organizações internacionais estão “num dilema”, acrescentou a mesma fonte, explicando que ainda não foi possível reunir todos os fundos necessários para as pessoas já identificadas como precisando de ajuda alimentar.
“Sabemos com certeza que quando reavaliarmos a situação em Julho a maioria dos números vai aumentar. Mas se não tivermos conseguido reunido meios para cobrir as pessoas que já identificámos, o que vai acontecer quando identificarmos mais pessoas?”.
Em Angola o drama (também) existe
Cerca de 1,25 milhões de pessoas enfrentam actualmente o risco de insegurança alimentar em Angola, um aumento de 65,8% face ao ano passado, e deverão continuar a aumentar, revelam estimativas regionais.
O documento sobre a seca induzida pelo fenómeno El Niño, que já deixou mais de 40 milhões de pessoas a precisar de ajuda alimentar na região, a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) escreve que 11 dos seus 15 Estados-membros foram severamente afectados e traça o panorama em cada um deles.
No capítulo dedicado a Angola, os autores escrevem que as perdas nas colheitas deverão atingir os 75% em partes do sul do país.
O número de pessoas em risco de insegurança alimentar aumentou para 1,25 milhões durante a campanha agrícola 2015/16 e as províncias mais afectadas são o Cunene, a Huila, Benguela, o Kwanza Sul, o Namibe e o Cuando Cubango.
“Estima-se que os números continuem a aumentar à medida que avançamos em 2016”, pode ler-se no documento, datado de Maio. O texto refere ainda os efeitos de um surto de febre aftosa, que estará a provocar mais mortes entre o gado.
Para responder à crise, o Governo criou uma Comissão Interministerial de Emergência para a Seca, liderada pelo Ministério do Planeamento, e as Nações Unidas estabeleceram uma Equipa de Emergência para coordenar a ajuda humanitária e complementar os esforços do executivo.
Apesar dos números da SADC, fontes das agências das Nações Unidas envolvidas na resposta à seca na África Austral disseram que Angola não está entre os países mais afectados.
“Sim, há seca em Angola, mas quando listamos os países mais afectados, Angola não aparece no topo”, disse o representante do Programa Alimentar Mundial (PAM) em Moçambique, Abdoulaye Balde.
O responsável admitiu que “talvez Angola seja mais rica do que muitos países e tenha capacidade de enfrentar” o problema ou que “talvez estejam mais dependentes das exportações de petróleo do que da agricultura”.
O representante da Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO) em Lisboa, Hélder Muteia, disse, por seu lado, que Angola está a responder à crise alimentar: “Angola não está entre os países mais críticos. Mostrou capacidade de resposta, está a trabalhar com as populações, com os organismos internacionais”.
Acrescentou que em Angola as chuvas chegaram mais cedo, o que aumentou a capacidade de resposta.
Segundo a SADC, a campanha agrícola de Outubro a Dezembro de 2015 foi a mais seca dos últimos 35 anos, o que deixou a comunidade numa situação “devastadora (…) que está a afectar negativamente os meios de subsistência e a qualidade de vida na região.
Quatro países – Lesoto, Malawi, Suazilândia e Zimbabué – já declararam emergências nacionais devido à seca, a África do Sul declarou emergência em sete das suas nove províncias e Moçambique declarou um alerta vermelho de 90 dias em algumas zonas do sul e centro do país.
Folha 8 com Lusa