BRASILEIROS SÃO OS IMIGRANTES FAVORITOS DOS PORTUGUESES

É recorrente ouvir dizer que Angola e Portugal são países irmãos mas os angolanos em Portugal não são tratados como irmãos. Não existe irmandade ou igualdade de oportunidades nas relações sociais, políticas e económicos entre angolanos e portugueses.

Por Malundo Kudiqueba Paca

A ideia de que Angola e Portugal são países “irmãos” é uma narrativa que se repete frequentemente, baseada em laços históricos, culturais e linguísticos profundos. No entanto, essa noção de irmandade não reflecte a realidade vivida por muitos angolanos em Portugal, que frequentemente se deparam com um ambiente de exclusão e preconceito.

Mesmo com toda a conversa sobre países “irmãos”, parece que os portugueses têm uma relação mais complicada com os seus “manos” africanos. Talvez seja porque os angolanos não chegam com aquele pacote completo de samba, caipirinha e telenovela. E, claro, porque a cor da pele e a história colonial ainda pesam mais do que deveriam em pleno século XXI.

É uma pena, porque os angolanos têm uma cultura riquíssima, cheia de música, dança e uma história de resistência que deveria ser motivo de admiração. Mas, na prática, acabam por ficar em segundo plano, preteridos em favor dos brasileiros, que chegam já prontos para conquistar o seu espaço. No fundo, é como se os brasileiros fossem aquele primo distante que aparece só nas festas, enquanto os angolanos são o irmão que mora contigo, mas que você às vezes esquece que está ali.

Mas não se enganem: essa preferência pelos brasileiros não significa que os portugueses são perfeitos anfitriões. Eles adoram um sotaque brasileiro – desde que ele não venha com pedidos por direitos iguais ou críticas ao “status quo”. Para os brasileiros, a porta está sempre aberta… até o momento em que começam a falar sério sobre o que significa viver e trabalhar em Portugal. Aí, a simpatia começa a desaparecer, e o tratamento caloroso vai esfriando aos poucos.

Então, sim, os brasileiros são os queridinhos, os imigrantes “VIP” de Portugal. Mas que fique claro: essa preferência diz muito mais sobre os preconceitos e as complexidades da sociedade portuguesa do que sobre as qualidades dos brasileiros ou dos angolanos. E quem sabe, um dia, os angolanos também possam entrar para essa lista de favoritos, sem precisarem mudar quem são ou sacrificar a sua identidade. Até lá, fica a torcida para que essa “irmandade” entre Portugal e Angola saia das palavras e entre na prática.

A relação entre Angola e Portugal é complexa e carregada de um passado colonial que deixou marcas profundas em ambas as sociedades. Embora compartilhem a língua portuguesa e certas tradições culturais, a experiência colonial foi marcada por exploração e desigualdade, gerando feridas que ainda não foram completamente curadas. Essa história comum deveria, em teoria, criar um sentimento de proximidade e solidariedade. No entanto, na prática, muitos angolanos em Portugal sentem que a “irmandade” proclamada entre os dois países é mais uma retórica do que uma realidade vivida.

Os angolanos que migram para Portugal frequentemente se deparam com discriminação e racismo, tanto nas relações sociais quanto nas oportunidades económicas. A cor da pele, o sotaque e as diferenças culturais muitas vezes colocam os angolanos em desvantagem, criando barreiras invisíveis que dificultam a sua integração e acesso a direitos básicos. A realidade diária para muitos angolanos em Portugal está longe de reflectir a narrativa de países “irmãos”; ao contrário, é marcada por exclusão e desafios constantes.

Essa desconexão entre a ideia de irmandade e a realidade vivida pode ser explicada pelo facto de que, para muitos portugueses, a “irmandade” com Angola é vista através de uma lente eurocêntrica, onde Portugal é frequentemente posicionado como o “irmão mais velho” ou como um país que “civilizou” Angola. Essa perspectiva é problemática porque ignora as contribuições culturais e históricas dos angolanos e perpetua uma relação desigual de poder.

Para que a irmandade entre Angola e Portugal seja mais do que uma ideia vazia, é necessário um esforço genuíno para enfrentar o racismo e o preconceito enraizados na sociedade portuguesa. Isso só será possível quando os políticos portugueses implementarem políticas públicas que garantam igualdade de oportunidades e tratamento. Os angolanos merecem o mesmo respeito reservado aos brasileiros. Outro elemento a ser considerado é educar os portugueses sobre a história compartilhada dos nossos povos e as contribuições dos angolanos para a cultura portuguesa.

Os brasileiros em Portugal, por exemplo, são frequentemente vistos como “primos” culturais. A língua comum, o impacto da cultura brasileira na mídia portuguesa e o facto de muitos brasileiros serem brancos ou mestiços contribuem para uma recepção mais positiva. Além disso, muitos brasileiros que chegam a Portugal são profissionais qualificados, o que pode influenciar na maneira como são percebidos pela sociedade local. Esse perfil facilita e promove uma imagem mais favorável, o que se traduz em maior respeito e aceitação.

Por outro lado, os angolanos, em grande parte descendentes de africanos, enfrentam desafios mais difíceis. Embora partilhem a língua portuguesa, o legado do colonialismo e a questão racial ainda pesam muito nas relações entre portugueses e angolanos. O racismo, muitas vezes velado, é um factor que complica a vida dos imigrantes angolanos em Portugal. Eles são frequentemente alvo de estereótipos negativos, associados a criminalidade e pobreza, o que gera preconceito e discriminação no acesso a oportunidades de trabalho, habitação e até mesmo no convívio social.

Além disso, as diferenças económicas entre os dois grupos também influenciam a forma como são tratados. É crucial reconhecer que essa disparidade de tratamento é reflexo de uma sociedade que ainda precisa de enfrentar e superar os seus preconceitos. O respeito e a dignidade devem ser universais, independentemente da origem ou cor da pele. Portugal, como nação com uma longa história de imigração e diáspora, tem a responsabilidade de garantir que todos os imigrantes sejam tratados com equidade.

Portanto, embora seja verdade que os imigrantes brasileiros muitas vezes desfrutem de um tratamento mais respeitoso em Portugal do que os angolanos, é imperativo que se continue a lutar contra as desigualdades e o racismo, promovendo uma sociedade mais justa e inclusiva para todos. As políticas públicas devem ser orientadas não apenas para a integração, mas também para a educação da população portuguesa, a fim de combater preconceitos e garantir que todos os imigrantes, independentemente de sua origem, recebam o respeito e a dignidade que merecem.

Foto (arquivo): Filas junto às instalações da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), em Lisboa.

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