PARABÉNS JOÃO LOURENÇO, PARABÉNS SÍLVIA LUTUCUTA

Sem dinheiro para pagar hotéis ou transportes, dezenas de pessoas (seres menores, escravos, segundo o governo do MPLA que está no Poder há 48 anos) optam por pernoitar em improvisadas “camas” de cartão junto dos hospitais de Luanda, para estarem próximas dos seus familiares e prestar assistência, enquanto aguardam pela hora da visita.

Pelas 06:00 da manhã, na maternidade Lucrécia Paim, a maior de Luanda, a fila das visitas vai engrossando, enquanto nas ruas adjacentes, mães, avós e tias esperam por notícias de grávidas e parturientes.

Como Luzia Manuel, que está acompanhada de mais duas familiares e aguarda que a filha tenha alta para conhecer também a sua nova neta.

“Viemos ontem e já fomos atendidos graças a Deus, a menina já teve (bebé), corre tudo na graça do Senhor”, disse à Lusa.

Moradora em Catete, a cerca de uma hora e meia de distância, assume que as dificuldades financeiras não lhe deixam outra alternativa que não a de improvisar um sítio para dormir em frente à maternidade enquanto espera a filha e a neta, para minimizar o custo dos transportes.

“Dormimos nas lonas [cartões]”, disse, adiantando que cada um custou 250 kwanzas (cerca de 30 cêntimos). Consigo trouxe apenas uma mochila com alguma roupa e água, lamentando não ter “valores” para comprar alimentos.

“Não temos o que comer, não temos nada, até o bebé não tem roupa para vestir porque não contávamos que ela ia ter bebé porque eram só sete meses”, contou à Lusa, explicando que a filha teve de ser transferida de ambulância a partir de um outro hospital e espera que a restante família a venha apoiar.

Paula Evaristo encontra-se naquele local desde segunda-feira, vinda do “30”, bairro a uma hora de distância de Luanda, esperando pela filha que está internada depois de um parto de gémeos que sofreu complicações.

“Estamos aqui mesmo na rua a dormir, não sabemos em que dia vai sair”, afirmou, queixando-se que foi “enxotada” da porta do hospital pela polícia e acabou por pagar 200 kwanzas ao dono de um quintal para ali poder estender o seu cartão e passar a noite.

Paula queixa-se do frio de quem dorme ao relento e da falta de dinheiro para comprar comida, dizendo que só lhe resta “mesmo é amarrar o pano na barriga”.

A espera das famílias gera também oportunidades de negócio. Há quem cobre por disponibilizar o seu quintal e quem aproveite para vender sandes, bolachas, águas, fraldas e toalhitas para os bebés, tendo clientela quase garantida.

É o caso de Lídia Chova, que só lamenta não ter mais clientes, por que a polícia “lhes dá corrida”.

“Por exemplo, ontem à noite não consegui fazer nada, só fizemos 1500 (kwanzas, ou seja, 1,7 euros). Como vou pagar a renda e a escola das crianças?”, desabafa.

O cenário é semelhante nas proximidades do Hospital Américo Boavida (HAB), onde esta semana um jovem de 25 anos, que se encontrava na parte exterior, morreu após lhe ter sido alegadamente negada assistência pela equipa médica de serviço.

Também ali há cartões ou “luandos” (esteiras) estendidos para a pernoita, vendedores ambulantes e familiares que circulam enquanto aguardam informações sobre pacientes.

José Armando veio acompanhar o sobrinho de 12 anos, que sofreu um acidente há dois dias, quando brincava junto a um muro, e sublinhou que este “foi bem atendido”.

“Subiu no bloco (operatório) e já tivemos a informação que foi operado”, destacou, dizendo que ficou por ali para acompanhar a família e estar junto ao doente “porque pode acontecer alguma coisa de noite”.

Diz que é a segunda vez que um parente seu é assistido no HAB, e que gostou do atendimento, “apesar de ter havido alguma morosidade”.

Já “Avô” André Mavinge, que tem uma sobrinha internada há um mês e meio, mostra-se descontente com a demora no tratamento e queixa-se que “para tratar o paciente é preciso encher a mão” (dar dinheiro).

Aponta também as limitações impostas às visitas e adiantou que para ver a sobrinha fora do horário estipulado (das 15:00 às 16:00) tem de dar 100 kwanzas (11 cêntimos) para entrar.

“Se não paga 100 kwanzas não vai entrar”, critica, elogiando, no entanto, o trabalho dos médicos “que estão a atender bem”, apesar de não terem mãos a medir.

“Nós também estamos doentes, nós, que viemos tomar conta da paciente. Há frio em cima de nós, há sol em cima de nós, não temos direito a entrar onde há sombra. Nós todos temos doenças, Angola não tem pessoas que estão boas”, afirma.

A direcção do HAB anunciou a suspensão da equipa médica, na sequência da morte do jovem esta semana, e participou a ocorrência, por suposta negligência da equipa médica em serviço, junto do Serviço de Investigação Criminal.

Imagens que circulam nas redes sociais mostram o cadáver de um jovem no chão na parte exterior do HAB, localizado no Distrito Urbano do Rangel.

Entretanto, a família do jovem exige uma indemnização para os órfãos e viúva, responsabilizando a instituição por “negligência” e as autoridades angolanas pela alegada agressão que o terá vitimado.

João Fernando Soma, 25 anos, morreu na terça-feira, à porta do HAB, onde lhe foi alegadamente negada assistência médica, e foi hoje sepultado no Cemitério do 14, perante a comoção da família, que pede justiça e lamenta a forma como foram “expulsos” da unidade hospitalar.

“Paizinho”, como também era conhecido no bairro da Boavista, Distrito Urbano do Sambizanga, em Luanda, deixou dois órfãos e viúva grávida, levando os familiares a pedir uma indemnização, uma residência, emprego e assistência para as crianças.

Na casa precária onde se realizou velório, localizada num bairro construído nas conhecidas “barrocas da Boavista”, Madalena Domingas, mãe da vítima, lamentou o infortúnio do filho, atribuindo a morte às agressões de que terá sido alvo por parte de um agente do Serviço de Investigação Criminal (SIC) e à postura do médico que lhe terá negado assistência do HAB.

Madalena Domingas, 55 anos, debilitada e com voz dolente, afirmou que o filho terá sido agredido por um agente do SIC e por elementos da “Turma do Apito” (uma milícia privada de jovens afecta ao MPLA e que faz ronda naquele bairro), no Mercado de Paulo, onde fazia biscates transportando cargas num carrinho de mão.

João Fernando Soma terá embatido numa viatura, na passada semana, enquanto transportava mercadorias, facto que gerou um desentendimento com o motorista, que lhe exigia o pagamento de 3.000 kwanzas (três euros) para o arranjo, que o jovem não possuía.

Segundo Madalena Domingos, a falta de dinheiro do filho constituiu razão para que este fosse agredido, inicialmente pelo agente do SIC, que trabalha no Mercado de São Paulo, e depois por elementos da “Turma do Apito”.

As agressões de que foi alvo agravaram o seu estado de saúde à medida que os dias foram passado, o que levou a mãe a carregar o filho às costas até ao HAB, no Distrito Urbano do Rangel, em busca de assistência.

Madalena contou que, chegados ao banco de urgência da unidade hospitalar, o médico de serviço informou que não estavam a receber feridos e que deveriam dirigir-se ao Hospital Josina Machel.

“Eu disse que pelo menos fizesse os primeiros socorros e depois efectuasse a transferência, mas o senhor me deu as costas e entrou na sala”, lamentou Madalena, acrescentando que saiu do banco de urgência até ao portão com auxílio de um maqueiro.

“Mas na paragem (zona adjacente ao HAB) ele foi posto ao chão e (foi) aí onde, naquela demora toda de procurar táxi, o miúdo acabou por morrer no passeio”, explicou.

Após a morte do filho, revelou, uma equipa médica do HAB acorreu até ao local, mas ela impediu nessa altura qualquer aproximação à vítima: “Disse para não mexerem no meu filho”.

Com seis meses de gestação e mais dois filhos a cargo, a viúva Linda Mateus, 21 anos, está desempregada e pede ajuda para sustentar os filhos, exigindo que os responsáveis pela morte do marido sejam levados à justiça.

Indemnização à família, com registo aos órfãos, uma residência e emprego para a viúva, foram também solicitados pelo tio da vítima, Domingos Castro, que lamentou o “mau atendimento nos hospitais públicos”.

Vários sectores políticos e da sociedade civil angolana repudiaram o alegado caso de “negligência médica”, a que se juntam outros relatados por utentes de hospitais públicos, pedindo responsabilização aos culpados.

Folha 8 com Lusa

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