Os bispos católicos angolanos escusaram-se a pronunciar-se sobre a proposta de destituição do Presidente João Lourenço, iniciativa da UNITA, considerando que “não visam o alcance do poder político” e que a questão é da “inteira responsabilidade” dos partidos políticos. Ou seja, pelo sim e pelo não, o melhor é (tentar) agradar a gregos e troianos.
De acordo com o porta-voz da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), Belmiro Chissengueti, durante os trabalhos da II Assembleia Plenária dos bispos, que terminou hoje, a temática a destituição do Presidente angolano não foi abordada… nem sequer em confissão.
“A CEAST não se pronunciou sobre esta questão, não visamos o alcance do poder político, portanto esta é uma questão da inteira responsabilidade dos partidos políticos na sua disputa natural que devem realizar dentro do cenário em que estão envolvidos, portanto não é parte integrante da nossa preocupação”, respondeu.
Falando em conferência de imprensa de balanço da plenária, o bispo Belmiro Chissengueti observou, no entanto, que “independentemente” de quem esteja a governar o país, os cidadãos “devem respeito ao Presidente da República, mas também estão no direito de fazer observações”.
“Independentemente de quem esteja a governar o país, e no caso presente é o Presidente João Lourenço, nós como cidadãos devemos-lhe respeito enquanto alta entidade do Estado, mas também tem as nossas observações”, disse.
Belmiro Chissengueti defendeu igualmente que, enquanto cidadãos, uma vez que o Presidente da República “preside aquilo que é de todos”, portanto, realçou: o chefe de Estado “é Presidente e não proprietário, os proprietários somos nós”.
“E temos direito à cidadania que permite que façamos observações para a melhor gestão daquilo que é de todos nós. E, portanto, as questões lá de política directa não dizem respeito ao nosso funcionamento nem às nossas tarefas”, rematou o também bispo de Cabinda.
Pelo menos 86 dos 90 deputados da UNITA (maior partido da oposição que o MPLA ainda permite) subscreveram, em 16 de Agosto, durante cerimónia pública, a iniciativa de destituição do Presidente angolano e para a direcção deste partido “estão reunidas as condições legais” para o início do processo de destituição.
A UNITA alega (entre outras questões) que o Presidente angolano “subverteu o processo democrático no país e consolidou um regime autoritário que atenta contra a paz” e por isso deve ser destituído.
Fundamentos doutrinários, político-constitucionais e políticos de desempenho constituem os eixos da iniciativa da UNITA, tornada pública em Julho passado, referindo que a governação de João Lourenço “é contra a democracia, contra a paz social e contra a independência nacional”.
O grupo parlamentar do MPLA (no poder dinástico há 48 anos) reafirmou, na primeira quinzena de Agosto, “o seu incondicional apoio” ao seu líder, garantindo “alto e em bom som” que não haverá destituição do Presidente da República, João Lourenço.
A posição foi expressa no parlamento pelo líder do grupo parlamentar do MPLA, Virgílio de Fontes Pereira: “O grupo parlamentar do MPLA reafirma, aqui e agora, o seu incondicional apoio ao Presidente João Lourenço, e declara alto e em bom som, não haverá destituição do Presidente da República João Manuel Gonçalves Lourenço, eleito democraticamente pela maioria dos angolanos, ponto”, referiu Fontes Pereira.
Recorde-se que o Presidente João Lourenço não foi “eleito democraticamente pela maioria dos angolanos” porque – desde logo – não existem eleições presidenciais em Angola. O general João Lourenço foi eleito, isso sim, como o primeiro deputado do MPLA, na sua qualidade de cabeça-de-lista do partido vencedor.
Belmiro Chissengueti – Maio de 2022
Em Maio de 2022, o bispo de Cabinda, Belmiro Chissengueti, criticou o silêncio “cobarde” de quem se cala perante situações sociais degradantes e rejeitou a existência de reacções negativas por parte de membros do executivo às suas mensagens, frisando que os bispos defendem a pátria. Pátria que, segundo o regime, é sinónimo de MPLA.
“Esse dito ambiente de crispação entre a Igreja e o Estado (angolano) nós não o sentimos, esse é um ambiente criado na mente de internautas, de pessoas que julgam que criticar determinada posição do Governo é estar contra o Governo”, sublinhou, fazendo a distinção entre o mundo das redes sociais, onde há um extremar de posições, e o que se passa na realidade.
“Nós (os bispos católicos), queremos o maior bem da Pátria, o maior bem do país. Não queremos ser aqueles que cobardemente fazem silêncio diante de uma situação social galopantemente decadente”, afirmou o eclesiástico, acrescentando que é missão da Igreja chamar a atenção para aquilo que deve ser feito e prevenir males que podem ser erradicados.
“Nunca houve nenhuma crispação, nunca me foi negado um encontro com o governador, antes pelo contrário. Temos um diálogo permanente, a nível central também”, garantiu Belmiro Chissengueti.
No entanto, “o facto de não haver crispação, não quer dizer que concordemos com tudo o que é feito, chamamos a atenção daquilo que não está bem”, notou o bispo, aludindo também ao lema da presente governação, que é corrigir o que está mal e melhorar o que está bem.
Entre as correcções a fazer, apontou exemplos como a corrupção, a sobrefacturação, as obras mal feitas, os baixos salários. E, já agora, os 20 milhões de pobres, os milhões de crianças fora do sistema de ensino etc. etc..
Questionado sobre se já foi pressionado ou alvo de críticas respondeu, entre risos, que deve ser “o mais criticado”.
“Isso não me aquece nem me arrefece, estou habituado a viver neste ambiente de polémicas. O certo é que digo o que penso, não sou nenhum bajulador que vive no mundo da imaginação, eu vivo do realismo”, vincou.
Sobre se em Angola ainda é dominante o culto do chefe, o bispo de Cabinda admitiu que a existência de bajuladores não é benéfica para o desenvolvimento do país.
“Há bajuladores, temos até alguns com título académico superior ao phD (doutorados) que, na ânsia de conseguirem cargos políticos, benefícios económicos e vantagens ainda usam as pessoas a ponto de não terem capacidade ou coragem de reconhecerem as suas falhas e ajudarem a melhorar”, destacou.
“Estes bajuladores que fazem o culto do chefe têm uma capacidade de transumância incrível. Há pouco tempo eram por José Eduardo dos Santos, agora por João Lourenço e não lhes custa nada mudar para um outro. É importante que quem dirige não se deixe levar pelo culto de personalidade, saiba sobretudo ouvir aquele que pensam diferente e que muitas vezes trazem muito mais verdade do que os bajuladores”, aconselhou.
Realçou ainda que enquanto o bajulador “só está à procura de uma oportunidade para a sua vida”, os bispos querem “oportunidades para todos”.
Por isso, considerou que o Presidente angolano “faz bem em encontrar-se com figuras dissonantes”, mais habilitadas para transmitir a realidade do país.
Apelou, por outro lado, à valorização da mão-de-obra, independentemente da sua origem, da sua cor ou condição social “porque é esta diversidade que produz riqueza”.
Para Belmiro Chissengueti, regionalismo, nepotismo, tribalismo, “são doenças que não permitem o desenvolvimento. É preciso lucidez para não sermos a causa da nossa própria desgraça. O grande mal é vivermos por cima de jóias e passar fome”.
Belmiro Chissengueti tornou-se conhecido por partilhar sem rodeios as suas opiniões nas redes sociais, mas também pelas homilias consagradas aos temas sociais.
Por uma questão de memória e respeito pelos angolanos, recorde-se que o Presidente João Lourenço pediu desculpas em nome do Estado pelas execuções sumárias (massacres) levadas a cabo após o alegado golpe de 27 de Maio de 1977, salientando que se tratava de “um sincero arrependimento”. Tão sincero que o mentor dos massacres, Agostinho Neto, continua a ser – segundo o MPLA – o único herói nacional.
Sobre o assunto, Belmiro Chissengueti reiterou em devido tempo que a iniciativa do chefe de Estado “é um passo inicial de reconciliação com a história, com o passado”, mas, assinalou, “é fundamental que no presente se faça todo o esforço para que a barbárie de 77 e de outros conflitos não se voltem a repetir”.
“Se fazemos e temos coragem de nos reconciliarmos com os mortos, por maioria de razão, temos também de fazê-lo com os vivos, ou seja, fazer com que no concerto político ordinário se busque a salvaguarda do bem comum, se promovam os valores da caridade, da solidariedade, da partilha, do amor e da concórdia”, defendeu.
O bispo diocesano de Cabinda, considerou também ser necessário que se “evitem actualmente situações de intolerância política, de humilhação de adversários políticos e todas aquelas situações passíveis de provocarem novos conflitos”. “Pois é com os vivos que temos de fazer o frente-a-frente para a reconciliação”, afirmou Belmiro Chissengueti.
Folha 8 com Lusa
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