ONU DESMASCARA O MPLA

Três relatores das Nações Unidas em Genebra, na Suíça, escreveram ao general João Lourenço, Presidente angolano, igualmente Presidente do MPLA (partido no Poder há 48 anos), Titular do Poder Executivo e Comandante-em-Chefe das Forças Armadas, a alertar para “violações de direitos humanos” no projecto-lei das ONG – Organizações Não-Governamentais.

Numa carta assinada pelos três relatores, datada de 29 de Agosto, e dirigida ao general João Lourenço estes defendem que “muitas disposições na lei [das ONG) proposta seriam contrárias aos direitos humanos e obrigações internacionais de Angola, incluindo o direito à liberdade de associação, o direito à liberdade de opinião e expressão, e o direito à não discriminação”.

E, que se o projecto de lei for aprovado na forma actual, “impõe regulamentação excessivamente rígida e concede controle governamental injustificado sobre operações das organizações não-governamentais (ONG)”.

O que a acontecer “limitaria significativamente a independência e autonomia das organizações da sociedade civil em Angola, contrariamente ao direito das associações de funcionarem livremente e sem interferência governamental indevida, acrescentam”.

“Notamos também que parece ter havido uma falta de consulta genuína às ONG na elaboração das disposições do projecto de lei”, referem ainda.

O documento, de 13 páginas, foi assinado por Clement Nyaletsossi Voule, relator sobre os direitos à liberdade de reunião pacífica e de associação, Mary Lawlor, relatora sobre a situação dos defensores dos direitos humanos, e Fionnuala Ní Aoláin, relatora sobre a promoção e protecção dos direitos humanos e liberdades fundamentais no combate ao terrorismo.

A carta foi divulgada pelo Portal Vozes, que trata de notícias de interesse para a comunidade de língua portuguesa.

Os relatores da ONU apelam a João Lourenço para que não aprove o diploma e desenvolva uma nova lei, consultando “amplamente todos sectores da sociedade civil” nesse sentido.

Segundo os relatores, a nova lei deve garantir “um ambiente propício para a sociedade civil e que esteja em conformidade com os requisitos e obrigações de Angola e com as melhores práticas internacionais em matéria de direitos humanos”.

Consideram ainda que “possibilitar e proteger o direito à liberdade de associação é fundamental para dar uma resposta eficaz aos múltiplos desafios que Angola enfrenta”.

Além disso, “a garantia deste direito é fundamental para a sociedade civil contribuir para a prossecução dos ODS [Objectivos de Desenvolvimento Sustentável] e é uma componente essencial das sociedades em democracia, permitindo-lhes responder às necessidades, queixas, direitos e desejos das suas populações”.

Os signatários da carta lembram ainda ao Governo do MPLA que “os Estados têm a responsabilidade e o dever primário de proteger, promover e concretizar todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, tomando as medidas necessárias para criar as condições sociais, económicas, políticas e outras”.

Os relatores encorajam ainda o Parlamento (dominado pelo MPLA e integrado por uma vasta maioria de autómatos) “a iniciar processos amplos e inclusivos de diálogo e consulta significativa com a sociedade civil angolana e outras partes interessadas, para melhor compreender o papel da ONG, a natureza do seu trabalho, a diversidade do sector e as suas necessidades e preocupações”.

Porque isto “permitirá a elaboração de novas medidas menos restritivas, mais inclusivas e legislação que promova o trabalho crítico das ONG e garanta que os cidadãos e os direitos dos beneficiários são protegidos, de acordo com os princípios constitucionais e obrigações do direito internacional em matéria de direitos humanos”.

A Assembleia Nacional angolana aprovou na generalidade, em 25 de Maio, a proposta de lei do Estatuto das Organizações Não-Governamentais. Como que a provar a vitalidade da democracia made in MPLA, a proposta de lei foi aprovada com 105 votos a favor, do MPLA, 69 votos contra da UNITA e duas abstenções da coligação Partido de Renovação Social (PRS) e da Frente Nacional para a Libertação de Angola (FNLA).

Em 30 de Maio, as organizações reagiram em conferência de imprensa e chamaram a atenção da comunidade nacional e internacional “para a manobra do poder executivo em fazer aprovar uma lei que traz ou mantém alguma semelhança com o decreto presidencial n.º 74/15, de 24 de Março, Regulamento das ONG, que foi considerado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional”.

Em 5 de Julho passado, pelo menos 100 organizações da sociedade civil espalhadas pelo mundo assinaram uma declaração contra a proposta de lei por considerar que as ONG angolanas vão deixar de “operar livremente”.

PLACEBO EUROPEU NOS DIREITOS HUMANOS

Recorde-se que a delegação da União Europeia (UE) em Angola assinou no passado dia 16 de Janeiro contratos de financiamento de quatro projectos na área dos direitos humanos, no valor total de 850 mil euros. Pois é.

Os quatro projectos, com duração de dois a três anos foram seleccionados na sequência de um convite à apresentação de propostas com vista a reforçar a protecção e respeito pelos direitos humanos, pela democracia e pelas liberdades fundamentais em Angola, nas áreas de maior risco. Saberá a União Europeia que não é possível defender o que não existe?

Em concreto, a UE pretende apoiar projectos que contribuam para a promoção dos direitos sexuais e reprodutivos, combate à violência baseada no género e fortalecer o direito à informação e da liberdade de expressão.

Foram seleccionados os projectos “Pelas Meninas e Mulheres de Cabinda” das organizações World Vision e Salesianos Dom Bosco de Angola, que pretende fortalecer organizações da sociedade civil e criar uma rede de activistas pela eliminação da violência de género, e “Ampliando direitos, construindo o futuro” da ADRA – Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente, visando o respeito pelos direitos sexuais e reprodutivos de adolescentes e jovens, e a redução da vulnerabilidade nas zonas rurais das províncias do Huambo e de Malanje.

Os projectos “Mudança”, da Liga de Apoio à Integração dos Deficientes (Lardef), direccionado à inclusão social e económica das pessoas com deficiência em Angola, e “A Voz do Jornalista — Fase II”, implementado pela Radio Ecclesia e o Sindicato de Jornalistas Angolanos, para reforçar o papel dos jornalistas em termos de garantia dos direitos humanos e à liberdade de imprensa e informação também foram escolhidos.

Em declarações no final da cerimónia, a então embaixadora da UE, Jeannette Seppen, afirmou que a União Europeia mantém um diálogo com o Governo angolano sobre estes temas. Na Europa talvez o diálogo ajude a dar de comer a quem tem fome. Em Angola não. Talvez o diálogo funcione nos países que são aquilo que Angola não é – uma democracia e um Estado de Direito.

Na altura, questionada sobre o relatório da organização Human Rights Watch, que apontou ameaças à liberdade de expressão e de imprensa e violência policial como principais preocupações, a diplomata afirmou que ainda não fora abordado com as autoridades angolanas. Não foi nem será. Jeannette Seppen sabia que, desde 1975, o MPLA é Angola e que Angola é do MPLA.

“Tomámos muito boa nota desse relatório, vamos tratando (desses temas) no nosso diálogo, mas também nas nossas acções concretas, já que os projectos que financiamos e vamos continuar a financiar também tratam destas temáticas”, referiu Jeannette Seppen. Direitos humanos não são “temáticas”. Só o poderiam ser se existissem.

A diplomata sublinhou que Angola e a União Europeia mantêm “uma relação de parceria” em que são falados “muitos assuntos”, entre os quais os direitos humanos, “uma temática extremamente importante” na política europeia. Embora não seja matumba, talvez Jeannette Seppen não se importe de o parecer. Não pode, contudo, é querer que os angolanos que estão a aprender a viver sem comer acreditem que os nossos rios são habitados por jacarés vegetarianos.

“Vamos continuar a trabalhar com o Governo de Angola, a favor de todos os angolanos e angolanas para que os desafios que temos nos direitos humanos tenham um seguimento positivo”, complementou Jeannette Seppen.

Por sua vez, a secretária de Estado da Justiça para os Direitos Humanos e Cidadania, Ana Celeste Januário, salientou que, neste diálogo bilateral, as questões são colocadas em cima da mesa e discutidas pelas duas partes. É claro que sim. O MPLA escuta a União Europeia, faz contas aos seus contributos financeiros, concorda com tudo, diz que sim, e depois continua a nada fazer pelos nossos 20 milhões de pobres, por exemplo. Simples.

“Não é uma avaliação de Angola ou da UE, cada uma das partes apresenta a sua visão e diz como é que tem estado a trabalhar, há pontos mais críticos para nós e outros que são mais críticos para a UE, é um diálogo de troca de informação e de experiências e é nessa base que trabalhamos”, afirmou Celeste Januário. E afirmou bem. Todos podem opinar, mas quem decide é sempre o mesmo, o MPLA.

Folha 8 com Lusa

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