KWANZA EM BAIXA, DÍVIDA EM ALTA

A desvalorização do kwanza fez o rácio da dívida pública sobre o Produto Interno Bruto (PIB) subir, desde o início do ano, 30 pontos, para mais de 90%, segundo o gabinete de estudos económicos do Banco de Fomento Angola (BFA). É uma, mais uma, prova do eruditismo económico e financeiro dos peritos do MPLA.

Na análise semanal à economia angolana, o BFA refere que “a dívida pública de Angola terá subido para perto de 91,8% do PIB, um aumento de 30 pontos percentuais que se deveu exclusivamente ao efeito da perda de valor do Kwanza”.

Os dados do BFA mostram que a dívida externa fixou-se perto dos 50,3 mil milhões de dólares (46,9 mil milhões de euros) no segundo trimestre do ano, menos 1,5 mil milhões de dólares (1,4 mil milhões de euros) face aos doze meses anteriores, estando no valor mais baixo desde o segundo trimestre de 2020, acrescentam os analistas do BFA.

Ainda assim, acrescentam, “olhando para a dívida como um todo, a estimativa aponta para um valor a rondar os 65,5 mil milhões de dólares (60 mil milhões de euros), uma quebra significativa no valor em dólares, decorrente da descida da dívida externa em montante, e devido ao efeito da depreciação no valor da dívida interna quando medida em dólares”.

A desvalorização do kwanza desde o princípio do ano, mas com particular incidência a partir do segundo trimestre, quando o Governo implementou a retirada parcial dos subsídios aos combustíveis, motivou esta subida da dívida externa, já que uma moeda nacional mais barata equivale a pagamento da dívida mais elevados.

Relativamente à decomposição da dívida externa de Angola, o BFA salienta que “a dívida a entidades chinesas representa 38% de toda a dívida pública ao exterior, um peso muito relevante, mas que tem estado em quebra, estando agora em mínimos desde o primeiro trimestre de 2016”.

Pelo contrário, acrescentam, “a dívida às entidades multilaterais representa agora 17,5% de toda a dívida ao exterior, um máximo histórico desde o início da série estatística, em 2013”, o que mostra os esforços do Governo para fomentar a diversificação das fontes de financiamento.

A análise do BFA surge poucos dias depois da primeira avaliação do Conselho Executivo do Fundo Monetário Internacional (FMI) após o programa de assistência financeira, na qual reviu em baixa a previsão de crescimento da economia de Angola, de 3,5% para 0,9% este ano.

Para esta revisão em baixa contribui o decréscimo do sector petrolífero, principal sustentáculo da economia angolana, com um recuo de 6,1% (esperava-se um crescimento de 2% nas previsões de Fevereiro), que o crescimento do sector não petrolífero para 3,4% (era de 4,3% em Fevereiro) não consegue compensar.

O Conselho Executivo do FMI destaca que as reformas, bem sucedidas, associadas aos preços do petróleo suportaram a recuperação económica de Angola entre 2021-22, mas o declínio da produção petrolífera (de 1,205 milhões de barris por dia previstos em Fevereiro, para 1,026 milhões de barris por dia) traz “desafios significativos”.

O FMI prevê também que o rácio da dívida pública sobre o PIB, que é um dos cinco principais indicadores para avaliar a sustentabilidade da dívida de um país, suba de 65,2% em 2022 para 83,2% este ano, para depois abrandar para 75,6% em 2024, ainda assim acima da média dos países da África subsaariana, à volta dos 60% do PIB.

A dívida pública mede o endividamento das administrações públicas de um país. Nos Estados de Direito, caso de Portugal, por exemplo, as administrações públicas compreendem:

– A administração central – serviços administrativos do Estado e outros organismos centrais cuja competência respeita à totalidade do território económico;
– A administração regional – órgãos de governos regionais e serviços e fundos autónomos das regiões autónomas;
– A administração local, incluindo os órgãos de administração local ao nível de distritos, municípios e freguesias;
– Os Fundos da Segurança Social.

As administrações públicas não incluem empresas que operam em condições de mercado, quer sejam financeiras (exemplo: Caixa Geral de Depósitos, S.A.) ou não financeiras (exemplo: EPAL-Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A.).

Existem várias formas de medir a dívida pública. Em Portugal, e nos outros países da União Europeia, utiliza-se uma definição harmonizada que é, muitas vezes, designada por “dívida de Maastricht”.

De acordo com esta definição, a dívida pública corresponde ao montante contratualmente acordado pelo qual as administrações públicas terão de reembolsar os credores na data de vencimento.

Engloba as responsabilidades em depósitos e equiparados constituídos junto das administrações públicas (como são os certificados de aforro ou do Tesouro), os títulos de dívida emitidos (destacando-se, entre outros, as obrigações e os bilhetes do Tesouro) e os empréstimos obtidos por estas entidades.

Segundo a definição harmonizada, a dívida pública não engloba alguns instrumentos financeiros, nomeadamente os derivados financeiros e os outros débitos (nos quais se incluem as dívidas comerciais).

A dívida pública é compilada de forma consolidada, pelo que não inclui as dívidas de entidades das administrações públicas que sejam detidas por outras entidades das administrações públicas.

Segundo Carlos Rosado de Carvalho , “um dos problemas que temos é que estamos a recomeçar a pagar agora o serviço da dívida pública, que tinha sido suspenso”. O pagamento da dívida pública “não é nenhuma novidade, porque já sabíamos quando é que íamos retomar o pagamento da dívida, e o que o Governo fez foi gastar tudo ao invés de se preparar para a retoma do pagamento da dívida”.

Em África, a dívida pública e a inflação situam-se em níveis que não se verificavam há décadas, com uma inflação de dois dígitos em metade dos países – o que reduz o poder de compra das famílias e prejudica fortemente os mais vulneráveis.

É, por isso, importante consolidar as finanças públicas e reforçar a gestão das finanças públicas num contexto de condições de financiamento difíceis. Para tal, as autoridades deveriam continuar a mobilizar as receitas públicas, melhorar a gestão dos riscos orçamentais e gerir a dívida de forma mais proactiva. Para os países que necessitam de reformular ou reestruturar a dívida, é imperativo que elaborem um quadro de resolução da dívida eficaz para criar espaço orçamental.

Folha 8 com Lusa

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