A UNITA anunciou hoje que vai entregar uma reclamação com efeitos suspensivos dos resultados das eleições anunciados pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE, sucursal do MPLA), que proclamaram a vitória do MPLA, e afirmou não ter sido notificada da decisão. Recorde-se que Jonas Savimbi, que conhecia como ninguém o ADN do MPLA, sempre disse: “Vocês estão a dormir e o MPLA está a enganar-vos”.
Num comunicado do Secretariado Executivo do Comité Permanente da Comissão Política, a UNITA afirma ter tomado conhecimento dos resultados anunciados nervosamente na segunda-feira pelo presidente da CNE, Manuel Pereira da Silva “Manico”, por intermédio dos órgãos de comunicação social públicos.
Reiterando que não reconhece os resultados da CNE, enquanto não forem decididas as reclamações já em sua posse, o partido referiu ainda que não foi notificado da decisão do plenário que caucionou os referidos resultados e não recebeu cópia da ata do apuramento dos resultados definitivos das eleições gerais de 24 de Agosto, como estipula a lei.
“Neste contexto aproveita informar a opinião nacional e internacional que dentro dos prazos legais fará entrada de uma reclamação que terá os efeitos suspensivos da declaração dos resultados definitivos apresentado pela CNE”, adianta-se no comunicado.
A UNITA sublinhou, por último, que “é do interesse de todos os angolanos que a CNE não se furte a comparação das atas síntese em posse dos partidos políticos, resultantes da vontade popular, expressa nas urnas, que representa a verdade eleitoral”. Não diz, contudo, que os interesses “de todos os angolanos” não constituem preocupação do MPLA/Estado/CNE.
A Comissão Nacional Eleitoral (CNE/MPLA) anunciou na segunda-feira que o MPLA venceu as eleições em Angola com 51% dos votos contra 44% da UNITA. Segundo a sucursal do MPLA, o MPLA arrecadou 3.209.429 de votos, ou seja 51,17%, elegendo 124 deputados, e a UNITA conquistou 2.756.786 votos, garantindo 90 deputados, com 43,95% do total.
Assim, o plenário do MPLA (via CNE) proclamou Presidente da República de Angola, João Lourenço, cabeça-de-lista do MPLA, o partido (supostamente) mais votado, e vice-Presidente, Esperança da Costa, segunda da lista do MPLA.
No discurso de vitória, João Lourenço congratulou-se com vitória, a quinta, apesar do partido ter perdido um milhão de votos, no pior resultado de sempre.
Vocês estão a dormir e o MPLA está a enganar-vos
No dia 15 de Janeiro de 2021, Adalberto da Costa Júnior disse que a corrupção em Angola “tem sede e alicerces sólidos no MPLA”, partido no poder há 47 anos. A repetição desta verdade (e nunca é demais repetir verdades) foi feita na abertura do ano político, consagrado à “mobilização dos patriotas para a alternância do poder”.
O político sublinhou que o país tem uma Lei da Alta Autoridade Contra Corrupção, aprovada em 1996, e há 24 anos que este diploma legislativo não era posto em prática. Tudo porque se fosse posto em prática o MPLA acabaria. É por isso que o partido que, desde 1975, teve três presidentes (Agostinho Neto, José Eduardo dos Santos e João Lourenço) assina convenções, acordos, protocolos etc. sem qualquer contestação. Como nada é para cumprir…
Adalberto da Costa Júnior acusou os dirigentes do MPLA de impedirem “a implementação de tão importante instrumento legal de combate à corrupção” porque “atenta e ameaça os interesses de quem governa e os do seu partido, que é o promotor da corrupção” no país. Reconheça-se que não é fácil liderar o ranking dos partidos com mais corruptos por metro quadrado.
O dirigente máximo da UNITA criticou o “abuso da contratação pública por ajustes directos e simplificados” que vão ocorrendo nos últimos tempos, apelando ao Presidente da República (não nominalmente eleito) para acabar com este “vício, que tantos danos e prejuízos acarreta ao país”.
Segundo Adalberto da Costa Júnior, só em Dezembro de 2019 foram anunciados mais contratos por ajuste directo do que o valor total da assistência do Fundo Monetário Internacional (FMI) a Angola. Mas onde é que está o mal? Se, como todos sabem, o MPLA é Angola e Angola é (d)o MPLA, não há necessidade de transparência. Aliás, quanto mais opaco for o regime mais fácil é negociar com os organismos internacionais, seja o FMI ou o Banco Mundial.
“É só somar o valor atribuído à Omatapalo e à Griner para a conclusão da barragem de Caculo Cabaça, no valor de 4,5 mil milhões de dólares [3,7 mil milhões de euros], o valor do Terminal Oceânico da Barra do Dande, de 700 milhões de dólares [576 milhões de euros], entre outros”, indicou o líder da UNITA.
Embora se enalteça a coragem de Adalberto da Costa Júnior (entre outros), importa dizer que é por estas e outras verdades que um dia destes o MPLA vai fazer com que a UNITA deixe de ser o maior partido da oposição. E, na circunstância, não será preciso fazer com que os dirigentes do Galo Negro choquem com uma bala. Basta pô-los (por confisco das suas fontes de rendimento) a pão e água, a mandioca ou a farelo.
Adalberto da Costa Júnior considerou tais contratos “um enorme escândalo que a Procuradoria-Geral da República assiste e consente”. Se as ordens superiores são para assistir e consentir, se a PGR é uma sucursal do MPLA, que mais poderá fazer?
“Não é possível pretender credibilidade continuando a evitar concursos públicos transparentes e insistir nestes métodos absolutamente não transparentes”, frisou o líder da UNITA, admitindo-se que o Presidente do MPLA se farta de rir com estas investidas da UNITA.
Ainda sobre a corrupção, Adalberto da Costa Júnior disse que o projecto de lei sobre o Regime Extraordinário de Repatriamento Patrimonial que a UNITA submeteu ao Parlamento (do MPLA), e contra o qual votou a maioria parlamentar do MPLA ainda é actual e continua a ser necessário ao país, “pois o que existe hoje não está a trazer resultados concretos a Angola”. Não está a ter resultados concretos para o país, mas esse não é o objectivo. O objectivo é ter resultados concretos para o MPLA. E esses não falham.
De acordo com o líder da UNITA, todos os anúncios de recuperação feitos pelo Governo angolano até agora são “propaganda institucional”.
“A PGR que tenha coragem de publicar os valores de repatriamento em espécie, portanto, em dinheiro resultante dos seus actos à sombra da lei do Repatriamento Coercivo. E desde já chamo a atenção para não nos pretender enganar com os dinheiros do Fundo Soberano, que têm sido erradamente apresentados como recuperação de capitais e, na verdade, não o são. Também é do interesse público a avaliação real do património recuperado internamente”, disse Adalberto da Costa Júnior.
O líder da UNITA garantiu que o projecto legislativo rejeitado permitia ao Estado receber uma percentagem, enquanto o autor do desvio, ao trazer os fundos, ficaria com outra percentagem e estaria obrigado a realizar investimento interno, proporcionando emprego e potenciando a dinâmica económica.
“Com o espírito de perseguição de uns e de protecção aos amigos, Angola arrisca a perder por completo a recuperação efectiva de fundos milionários de que tanto carece e isto por responsabilidade total de quem governa”, realçou.
Sobre as eleições autárquicas, que estiveram previstas para anos diferentes, sendo o último em 2020, mas foram e são adiadas até que o MPLA tenha a certeza de que vai arrasar a oposição, Adalberto da Costa Júnior disse que a sua institucionalização constitui uma imposição constitucional e o contrário é “uma violação da Constituição por omissão”.
Adalberto da Costa Júnior frisou que, em 2002, já era prevista a realização de eleições locais, mas o MPLA “negou esse direito aos angolanos”, mesmo oito anos passados da aprovação da Constituição de 2010. Mas desde quando é que os angolanos têm direitos?
“Cada ano sem a realização das autarquias, está-se a violar a Constituição. E quem deve ser o maior guardião da Constituição? O Presidente da República. Mesmo o gradualismo que a Constituição de 2010 prevê já teve tempo de se concretizar”, comentou o líder da UNITA, realçando que a continuada violação desse direito são “os interesses do MPLA, contra os interesses de Angola e dos angolanos”. Não. Nada disso. Angola e angolanos são apenas e só o que o MPLA quiser.
No seu discurso, caracterizado por um retrato das áreas sociais e económicas do país, Adalberto da Costa Júnior falou da necessidade de reforma da administração eleitoral, apelando a uma paridade de representação dos partidos políticos na Comissão Nacional Eleitoral (CNE).
Para o líder da UNITA, cada partido deverá ter apenas um representante, trazendo assim a transparência “a um processo tão delicado”. Novamente transparência? Isse começa a ser abuso. O máximo que o MPLA aceita é trocar a sua gestão opaca por uma gestão baseada na… opacidade.
“Nós temos uma Comissão Nacional Eleitoral, um comité de especialidade do partido de regime, com uma maioria absoluta de membros a auto decidir sobre eleições e a barafustar sobre o acesso à partilha das centenas de milhões de dólares do orçamento das eleições”, referiu.
“Nunca deveria ser permitido que os membros do Governo, juízes, os membros da CNE negociassem em matéria em que têm competências para decidir. As leis angolanas não permitem, mas é isto que tem acontecido e minado a transparência dos processos eleitorais”, acrescentou Adalberto da Costa Júnior.
Na verdade, há muito que Jonas Savimbi avisava: “Vocês estão a dormir e o MPLA está a enganar-vos”. Hoje, a UNITA continua a dormir. Ao que parece, continua a estar solidária com quem come mandioca desde que isso não implique deixar de comer lagosta.
Folha 8 com Lusa