Depois de ter cuspido no prato em que se alimentou à grande e à francesa durante décadas, João Lourenço descobriu a “pedra filosofal” ao ordenar a substituição dos pratos de latão por louça de porcelana da mais alta qualidade. Tal como fazem nos países da Europa, nos EUA, ou das Arábias.
O Povo, inicialmente, gostou da ideia. Vinte milhões de pobres aplaudiram. Hoje, contudo, constatam que o prato – embora de porcelana – está sempre vazio. Acrescentam ainda que preferiam os pratos antigos, de latão, de lata ou de plástico desde que tivessem um pouco de fuba e algum peixe, mesmo que podre…
João Lourenço, com assinalável êxito mediático, mas efémero, transformou o seu patrono, José Eduardo dos Santos, no principal responsável pela crise. Para estripar o problema tratou de exonerar, poucos meses depois de lhe ser outorgada a licença de proprietário do país, os filhos do ex-presidente e confiscar-lhe bens.
A 4 de Setembro de 2018, em conferência de imprensa, a UNITA questionou para onde ia o excedente do petróleo em Angola, cujos números apontavam para uma acumulação de muitos milhões de dólares.
Na ocasião, o líder do grupo parlamentar da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, referiu que o preço médio do barril de petróleo no mercado internacional, segundo dados da OPEP, cifrou-se em 67 dólares (58 euros) enquanto o preço de referência no Orçamento Geral do Estado (OGE) angolano era de 50 dólares (43 euros), o que dava um diferencial positivo de 17 dólares (14 euros) por barril.
“Os angolanos precisam de saber, pois este valor deveria ir para a reserva estratégica do Estado”, exortou Adalberto da Costa Júnior, denunciando que a suposta “falta de transparência” é a causa do desaparecimento de mais de 600 mil milhões de dólares (520 mil milhões de euros) das “múltiplas reservas estratégicas e que os angolanos ficam sem saber o destino”.
Quando entendia, e entendia quase sempre com raro e afinado sentido de oportunidade, Isabel dos Santos utilizou as redes sociais para pôr os nervos de João Lourenço à flor da pele e demonstrar que, afinal, o Presidente não é um Estadista mas tão só um político mediano, vulgar. Foi isso que fez quando criticou (e bem) a falta de atractividade externa de Angola, pela dificuldade em repatriar dividendos. Na altura João Lourenço estava na Europa a tentar captar investidores estrangeiros, prometendo que, se necessário, até poria o rio Kwanza a nascer na… foz.
Isabel dos Santos, exonerada da Sonangol (sem razões técnicas objectivas) por João Lourenço, questionava e continua a questionar a atractividade do país, do ponto de vista dos investidores estrangeiros.
Desde que foi exonerada da Sonangol, por – repita-se – decisão mais política do que técnica, mais pessoal do que colectiva, mais por interesses pessoais do que empresariais, Isabel dos Santos foi visada regularmente por várias notícias sobre alegadas irregularidades nos 17 meses de administração na petrolífera.
No entanto, Isabel dos Santos não levou desaforo para casa e, por exemplo, referiu-se à situação na Sonangol, acusando na altura a administração liderada por Carlos Saturnino, de “despedimentos em massa”, nomeadamente de colaboradores que lhe eram próximos.
Numa publicação com o título “Carta Aberta”, que colocou nas redes sociais, Isabel dos Santos assumiu estar a partilhar “uma situação preocupante que tem ocorrido nos últimos dias” na petrolífera.
“Estão a ocorrer despedimentos em massa! Os assessores, os directores, e todos colaboradores que foram promovidos ou que entraram para a Sonangol durante a vigência do último conselho de administração estão a ser todos despedidos, ou enviados para casa”, afirmou a empresária.
Isabel denunciou mesmo que estavam a ser “conduzidos interrogatórios à porta fechada, com gravadores em cima da mesa, alegando um falso inquérito do Estado e um falso inquérito do Ministério do Interior, intimidando as pessoas para coercivamente responderem às questões”.
“Este procedimento é ilegal. Só as autoridades judiciais ou policiais podem fazer interrogatórios. É preciso respeitar o direito dos trabalhadores”, escreveu Isabel dos Santos, acrescentando, sobre os colaboradores que estavam a ser despedidos, que muitos “recentemente largaram outros empregos para integrarem a Sonangol, porque acreditaram no país e queriam ajudar Angola a crescer”.
Porque é que Carlos Saturnino diabolizou Isabel dos Santos, dizendo o que João Lourenço lhe mandou dizer? A ex-PCA da Sonangol disse na altura que as afirmações do seu sucessor foram “nada mais que um circo, uma encenação!”. E explicou que “procurar buscar um bode expiatório, para esconder o passado negro da Sonangol, e escolher fazer acusações ao anterior Conselho de Administração” não passava de “uma manobra de diversão, para enganar o povo sobre quem realmente afundou a Sonangol”, lembrando: “E seguramente não foi este Conselho de Administração a que presidi, e que durou 18 meses, que levou a Sonangol à falência!”
Recorde-se que, em 2015, após a apresentação por Francisco Lemos, então PCA da Sonangol, do “Relatório Resgate da Eficiência Empresarial”, o Executivo angolano tomou conhecimento da gravidade do problema da Sonangol.
“A Sonangol, que supostamente deveria ser a segunda maior empresa de Africa, soube-se de repente que estava falida, e incapaz de pagar a sua dívida bancária”, disse Isabel dos Santos, explicando que, “em consequência deste facto, o Executivo angolano tomou a decisão de criar a Comissão de Reestruturação do Sector dos Petróleos, e de contratar um grupo de consultores externos”.
“A Comissão de Reestruturação do Sector dos Petróleos criada por Decreto Presidencial 86/15 Data 26.10.2015, foi composta por: Ministro dos Petróleos, Ministro das Finanças, Governador do BNA, PCA da Sonangol, Ministro da Casa Civil da Presidência da República”, recorda Isabel dos Santos.
A arrogância pessoal de Carlos Saturnino, que mais pareceu um (mais um) acerto pessoal de contas, pôs em causa as decisões tomadas pelo governo angolano em 2015 e 2016, pôs em causa a presença de consultores, pôs suspeitas sobre o trabalho realizado e pagamentos feitos, negando – ou branqueando – o facto de que a Sonangol estava falida.
“Pôr em causa a decisão do Governo angolano em querer reestruturar a Sonangol, e tentar manipular a opinião pública, para que se pense que a Administração anterior trouxe os consultores por falta de competência ou por interesses privados, significa querer reescrever a história, e atribuir a outros as responsabilidades da falência da Sonangol”, afirmou Isabel dos Santos.
E acrescentou: “Esta manipulação dos factos assemelha-se a um autêntico revisionismo, e só pode ter como objectivo, o regresso em força do que convém chamar como “a antiga escola” da Sonangol”.
Indesmentível parece ser que o resultado da gestão de Isabel dos Santos até 15 de Novembro de 2017, resultou num aumentou de lucros da Sonangol em 177% e que a divida foi reduzida em 50%.
Convicta do seu trabalho, Isabel dos Santos disse que “as tentativas de Carlos Saturnino de reescrever a história são consequência, no meu entender, de um retorno em força da cultura de irresponsabilidade e desonestidade que afundaram a Sonangol em primeiro lugar”.
Goste-se ou não de Isabel dos Santos, a verdade é que – como ela própria afirmou – “o grau de agressividade e as campanhas difamatórias reproduzidas, e em perfeita coordenação com os órgãos de imprensa da oposição, e com as oficinas de manipulação das redes socias, demostram que há um verdadeiro nervosismo em alguns meios com interesses financeiros, que durante anos aproveitaram e construíram fortunas ilegítimas à custa da Sonangol, e agora tudo fazem para que o escândalo da minha acusação difamatória, distraia a opinião pública de ver os verdadeiros responsáveis”.
Importa ainda realçar, não esquecer, que – segundo Isabel dos Santos – “a campanha generalizada e politizada contra mim, faz-me acreditar que estão de retorno os interesses das pessoas que enriqueceram bilhões à custa da Sonangol. São estes, que hoje fomentam e agitam a opinião pública de forma a poder retomar os seus velhos hábitos”.
Por fim, disse que “o problema da Sonangol não é, e nunca foi, Isabel dos Santos, mas sim a irresponsabilidade da gestão, e das entidades que beneficiarão de contratos leoninos e ganharam milhões, e hoje esperam poder continuar a gozar e viver desta prevaricação.”
Recorde-se que no dia 9 de Maio de 2019, o Presidente da República, João Lourenço, exonerou Carlos Saturnino do cargo de presidente do Conselho de Administração da Sonangol, nomeando para as mesmas funções Sebastião Pai Querido Gaspar Martins, na altura administrador da petrolífera estatal.
Segundo um comunicado da Casa Civil do Presidente da República, o chefe de Estado exonerou, por decreto, “todas as entidades” que integram o Conselho de Administração da Sonangol, alegando “conveniência de serviço público” e “apoiado na Lei de Bases do Sector Empresarial Público”.
A decisão surgiu numa altura em que o país viveu uma crise generalizada de falta de combustíveis.
Nota. O título é uma analogia ao chamado “Milagre das rosas” da Rainha Santa Isabel de Portugal. Conta a lenda que o rei, D. Dinis, irritado pela sua mulher andar sempre misturada com mendigos, a proibiu de dar mais esmolas. Mas, certo dia, vendo-a sair furtivamente do palácio, foi atrás dela e perguntou o que ela levava escondido por baixo do manto. Era pão. Mas ela, aflita por ter desobedecido ao rei, exclamou: – São rosas, Senhor! – Rosas, em Janeiro? duvidou ele. De olhos baixos, a Rainha Santa Isabel abriu o regaço – e o pão tinha-se transformado em rosas, tão lindas como jamais se viu.