RAZÃO NÃO ENCHE PRATOS NEM DESVIA BALAS

A Comissão de Justiça e Paz da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST) pretende observar as eleições gerais que acontecem em Agosto, em Angola, e D. Gabriel Mbilingi, Arcebispo do Lubango, vai chefiar a equipa que integra outras organizações da sociedade civil angolana.

Em entrevista à correspondência da Rádio Vaticano, em Luanda, o padre Celestino Epalanga, Secretário da Comissão de Justiça e Paz da CEAST, disse que com este gesto, a Igreja vai unir esforços para melhor servir o país.

Em Março, a Igreja Católica angolana exortou os partidos políticos do país a “cessarem imediatamente” com as “agressões e ultrajes” entre militantes por não comungarem da mesma ideia, sobretudo com o aproximar das eleições, e se “tornarem instrumentos de paz”. Abençoados sejam os pobres de espírito que deles será o Reino de Deus. Aos outros está reservado o reino da Terra que, no caso de Angola e para a maioria do povo, está a ser um inferno que já dura há 46 anos.

A Comissão Episcopal de Justiça e Paz liderou a “Jornada Nacional da Reconciliação e da Paz”, que decorreu em Angola entre 27 de Março a 4 de Abril de 2022, alusiva aos 20 anos de paz no país (ausência de tiros/20 milhões de pobres).

Na mensagem alusiva às jornadas, a comissão da CEAST reiterou o apelo dos bispos católicos sobre a “crescente tensão social no país, com actos de intolerância política entre as forças políticas com agressões mútuas e um tom verbal cada vez mais violento”. E, na altura, João Lourenço ainda não falara em festejar com uma cabidela feita com galo negro…

“Todos estes sinais preocupantes reforçam em nós a necessidade de cada vez mais erguermos a nossa voz e nos colocarmos como instrumentos ao serviço da paz”, referiu aquele órgão da Igreja Católica.

“Apelamos assim a todos quantos têm responsabilidades políticas em instituições partidárias a abraçarem este repto de se tornarem instrumentos da paz e constituírem-se como verdadeiros líderes da harmonia e tolerância tanto dentro das suas formações partidárias como na relação com os seus contendores”, exortou. O líder do MPLA não ouviu porque, na altura, estava a encomendar os condimentos para a… cabidela.

De facto a intolerância, que também é social e económica, não é de agora. No entanto, durante as últimas décadas a Igreja Católica nunca se mostrou preocupada porque, na verdade e ao contrário de agora, não havia a menor hipótese de os donos do país, o MPLA, serem derrotados pela via eleitoral. E assim sendo, fez o jogo do Poder, agradando a Deus e ao Diabo, desde que cada um deles (ou os dois juntos) fossem do… MPLA.

A necessidade de as forças políticas angolanas cultivarem a tolerância e o respeito pela diferença é também defendida pela Igreja Católica. Só agora? Onde andava esta Igreja quando os governantes fizeram aumentar exponencialmente o número de pobres (hoje são mais de 20 milhões) e quando nos quiserem ensinar a viver sem… comer?

“As agressões e ultrajes a quem quer que seja, por não comungar das mesmas ideias que as nossas, devem cessar imediatamente e dar lugar à uma cultura de paz e tolerância que nesta jornada nacional da reconciliação queremos juntos proclamar e fazer crescer na nossa sociedade”, referiu.

A validação dos congressos do MPLA, da UNITA, realizados em Dezembro de 2021, do Bloco Democrático e da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), por parte do Tribunal Constitucional (conhecida sucursal do MPLA) também cria expectativas sociais com “dúvidas e incertezas” sobre a independência da instância judicial, referiu a CEAST.

“Dúvidas e incertezas” diz a CEAST. O que será preciso acontecer para a Igreja Católica ser – como lhe compete – mais assertiva, verdadeira defensora férrea do seu rebanho?

A Comissão de Justiça e Paz da CEAST salienta que as instâncias judiciais e outras encarregadas da gestão de processos administrativos e judiciais “merecem igualmente particular atenção, pela missão de gerirem todo o processo eleitoral”.

Para estas instâncias, apelou “igualmente que actuem com o máximo sentido de isenção e lisura e que contribuam com as suas decisões para que o clima de paz não se degrade, sob pena de perigar todo o caminho de paz já percorrido em 20 anos”.

“A nossa experiência de guerra com todo o sofrimento e consequências impostas ao nosso povo não nos devem passar despercebidas, e que este seja o indicador que nunca mais se volte à guerra”, lê-se na mensagem.

Que a voz do Povo seja a voz de Deus

“Muitos governantes que têm grandes carros, numerosas amantes, muita riqueza roubada ao povo, são aparentemente reluzentes mas estão podres por dentro”. Esta foi e é, por muito que nos custe, a realidade do nosso país. Pena é que a Igreja Católica, por exemplo, tenha medo da verdade.

Alguém se recorda, por exemplo, o que D. José de Queirós Alves, arcebispo do Huambo, afirmou em Julho de 2012 na comuna de Chilata, município do Longonjo, a propósito das eleições?

O prelado referiu que o povo angolano tinha muitas soluções para construir uma sociedade feliz e criar um ambiente de liberdade onde cada um devia escolher quem entender.

“Temos de humanizar este tempo das eleições, onde cada um apresenta as suas ideias. Temos de mostrar que somos um povo rico, com muitas soluções para a construção de uma sociedade feliz, criar um ambiente de liberdade. É tempo de riqueza e não de luta ou de murros”, frisou.

”Em Angola, a administração da justiça é muito lenta e os mais pobres continuam a ser os que menos acesso têm aos tribunais”, afirmou em 2009 (nada de substancial mudou até agora), no mais elementar cumprimento do seu dever, D. José de Queirós Alves, em conversa com o então Procurador-Geral da República, João Maria Moreira de Sousa.

D. José de Queirós Alves admitia também (tudo continua na mesma) que ainda subsiste no país uma mentalidade em que o poder económico se sobrepõe à justiça.

O arcebispo pediu maior esforço dos órgãos de justiça no sentido das pessoas se sentirem cada vez mais defendidas e seguras: “O vosso trabalho é difícil, precisam ter atenção muito grande na solução dos vários problemas de pessoas sem força, mas com razão”.

Importa ainda recordar, a bem dos que não têm força mas têm razão, que numa entrevista ao jornal português “O Diabo”, em 21 de Março de 2006 (16 anos depois tudo continua na mesma), D. José de Queirós Alves disse que “o povo vive miseravelmente enquanto o grupo ligado ao poder vive muito, muito bem”.

Nessa mesma entrevista ao Jornalista João Naia, o arcebispo do Huambo considerou a má distribuição das receitas públicas como uma das causas da “situação social muito vulnerável” que se vive Angola.

D. Queirós Alves disse então que, “falta transparência aos políticos na gestão dos fundos” e denunciou que “os que têm contacto com o poder e com os grandes negócios vivem bem”, enquanto a grande massa populacional faz parte da “classe dos miseráveis”.

Igreja irá dar voz a quem a não tem?

Em 2011 o MPLA celebrou um acordo com a Igreja Católica para que esta o apoiasse na campanha eleitoral de 2012. Pelo que se sabe, em 2017, esse acordo continuou válido. Será inda válido em 2022?

Terá Igreja Católica tentado agradar ao “seu” deus (José Eduardo dos Santos/MPLA) e ao nosso “diabo” (João Lourenço/MPLA)?

Da parte do partido no poder agenciou o acordo de 2011 Manuel Vicente, na então condição de PCA da Sonangol a mando de Eduardo dos Santos, ao passo que da parte da Igreja estiveram alguns bispos do regime, Dom Damião Franklim e a Filomeno Vieira Dias de Cabinda, com orientações do militante cardeal Alexandre do Nascimento.

Que a hierarquia da Igreja Católica de Angola continuará a querer agradar ao Poder, aviltando os seus mais sublimes fundamentos de luta pela verdade e do espírito de missão, que deveria ser o de dar voz a quem a não tem, não é novidade.

Recorde-se também que no final de 2011, D. José Manuel Imbamba disse que os padres que teimavam em defender os interesses dos cabindas não foram afastados por razões políticas, mas por questões disciplinares, nomeadamente por não manterem uma boa relação pastoral com o bispo D. Filomeno Vieira Dias.

D. José Manuel Imbamba sabia que estava a mentir. Foi grave. Ou estava calado ou, se para tanto tivesse coragem, falaria das pressões do regime angolano sobre os prelados que – tal como aprendeu o arcebispo de Saurimo – apenas querem dar voz a quem a não tem.

Aliás, o mesmo se passou com D. Filomeno Vieira Dias que só de vez em quando, raramente, quase nunca, se ia lembrando do “rebanho” que tinha a seu cargo como bispo de Cabinda.

Quando instado a comentar as detenções no estrangeiro de activistas dos direitos humanos de Cabinda, a mando do regime de Luanda ou – quem sabe? – de qualquer força extraterrestre, como a de Agostinho Chicaia, o prelado católico não quis (pudera!) desagradar aos donos do poder em Angola e refugiou-se no argumento de que não comentava um caso que tinha ocorrido fora do país.

Consta, contudo, que D. Filomeno Viera Dias se mostrou preocupado com aquilo que chamou de incapacidade de diálogo entre as pessoas. Pois é. Todos que ousem pensar de forma diferente do MPLA são culpados até prova em contrário.

Antes, a 3 de Maio de 2010, D. Filomeno Vieira Dias dissera que a liberdade de informar e de ser informado é um direito fundamental que não deve ser subalternizado.

“A liberdade de imprensa é um direito ligado às liberdades fundamentais do homem”, sublinhou na altura o prelado, falando a propósito do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, proclamado pela UNESCO em 1993.

É um direito mas, note-se, apenas nos Estados de Direito, coisa que Angola não é de facto, embora de jure o queira parecer. Aliás, nenhum Estado de Direito viola os direitos humanos de forma tão soez e execrável como faz o regime angolano.

“Quando celebramos esse dia, devemos olhar para o seguinte: que é uma grande responsabilidade informar e informar sempre com verdade,” destacou D. Filomeno Vieira Dias, certamente pedindo de imediato perdão a Deus por ele próprio não contar a verdade toda.

E se uma das principais tarefas dos Jornalistas é dar voz a quem a não tem, também a Igreja Católica tem a mesma missão devendo, aliás, ser ela a dar o exemplo. O que não acontece.

Frei João Domingos, por exemplo, afirmou numa homilia em Setembro de 2009, em Angola, que Jesus viveu ao lado do seu povo, encarnando todo o seu sofrimento e dor. E acrescentou que os nossos políticos e governantes só estão preocupados com os seus interesses, das suas famílias e dos seus mais próximos.

“Não nos podemos calar mesmo que nos custe a vida”, disse Frei João Domingos, acrescentando “que muitos governantes que têm grandes carros, numerosas amantes, muita riqueza roubada ao povo, são aparentemente reluzentes mas estão podres por dentro”.

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