“PENSAR ANGOLA” OU PÔR ANGOLA A PENSAR?

A defensora dos direitos humanos angolana Lúcia da Silveira considerou hoje, em Luanda, as dificuldades de acesso à justiça em Angola “um problema seríssimo”, que necessita de reflexão. De facto, para além de os acessos estarem minados, os próprios órgãos supostamente de justiça funcionam como sucursais do regime instalado no país há 46 anos.

“O acesso à justiça é um problema seríssimo que temos em Angola. As populações não têm acesso à justiça, há uma total desconfiança dos cidadãos para com os órgãos de justiça por causa da prática”, disse Lúcia da Silveira, quando apresentava o tema “Direitos Humanos Situação Actual e Desafios” na II Conferência Nacional “Pensar Angola”.

Segundo Lúcia da Silveira, “a maior parte dos cidadãos angolanos não têm acesso a tribunais” e as mulheres são muito afectadas, pelo que “é necessário que haja uma reflexão”. Convenhamos, diga-se, que reflexão é coisa que o regime faz com toda a facilidade. Não passa disso, mas também não se pode exigir tudo, não é?

A activista frisou que continua a registar-se dificuldades no sistema penitenciário, sublinhando que “a conduta dos agentes de segurança pública, o uso excessivo da força por parte da polícia, continua a ser um problema”.

“A detenção arbitrária, a tortura nas celas da polícia, a tortura nas prisões, é um problema que continua e temos que aceitar esta realidade e trabalhar para a mudança”, disse.

De acordo com a defensora dos direitos humanos, existem ainda muitos constrangimentos administrativos para a constituição de associações, apesar de novas iniciativas, nomeadamente “Pensar Angola” ou “Projecto Agir”.

“São iniciativas que demonstram que há conscientização que as pessoas estão a entender e um dos grandes problemas que eu sempre verifiquei na sociedade angolana é falta de conscientização sobre os seus próprios direitos. O conhecimento da lei é fundamental para o exercício dos direitos”, realçou.

Lúcia da Silveira destacou os progressos registados a nível da legislação interna, como a Lei da Violência Doméstica “muito boa”, contudo, a sua execução prática “não tem ajudado em absoluto”.

“É necessário que se efectivem na prática para garantir os direitos das mulheres e não só, dos homens, das crianças e dos velhos”, advogou.

Para Lúcia da Silveira, a situação de acesso à informação e liberdade de imprensa continua agravada, e a recente revisão da Lei de Imprensa “não parece em nada muito bonita”. Não parece porque não é. Refira-se, contudo, que a liberdade de Imprensa não é propriamente um concurso de beleza. E se não é, não que ser bonita ou feia, tem apenas de existir.

“Ou seja, cada vez que nós damos um passo para a frente, damos três para trás”, expressou.

No que se refere ao direito à terra e à moradia, a activista observou que continua a ser um problema, havendo legislação em vigor, que na prática dificulta o direito à terra, com o registo de demolições, deslocamentos forçados, desafio na concessão do título para a população.

“Apesar dessas leis e resoluções, nós continuamos com os problemas, entendo eu, por causa da comunicação. A comunicação entre o Governo e sociedade civil, a comunicação entre nós continua a não fluir e, em muitas situações, isso é que nos deixa na posição em que estamos, nós não nos ouvimos”, indicou Lúcia da Silveira, defendendo a realização de pequenos debates periódicos como a iniciativa “Pensar Angola”.

“Pensar Angola” é uma plataforma de ideias, que visa dar voz e vez a todo o cidadão com ideias, de forma padronizada, com possíveis soluções para os problemas do país.

A CASA-CE ameaçou no dia 1 de Março de… 2017 recorrer a uma manifestação para ter tratamento igual ao dado pelos meios de comunicação social públicos angolanos ao cabeça-de-lista do MPLA às eleições gerais. A ideia não era má embora, mais uma vez, os eleitores perguntarem onde estava a CASA-CE quando se realizaram manifestações da sociedade contra o nepotismo, a cleptocracia e a ditadura do regime.

Entendia a CASA-CE, e tinha razão, que existia (cinco anos depois tudo está na mesma) uma total partidarização dos meios de comunicação social do MPLA, partido no poder desde 1975, e do seu cabeça-de-lista, João Lourenço. A Coligação deveria já ter entendido que esses não são órgãos públicos mas, apenas, correias de transmissão do regime/Estado. E sendo assim, estão apenas ao serviço do regime.

A CASA-CE denunciou em 2017 o “tratamento desigual e discriminatório” desses órgão de propaganda (não se lhes pode, em bom rigor, chamar órgãos de comunicação social) às diferentes formações políticas. É chover no molhado, é querer que – sem “ordens superiores” do regime – os rios passem a nascer na foz.

Mas sendo a Coligação, então dirigida por Abel Epalanga Chivukuvuku, uma organização política que, ao contrário do MPLA, prima pelo diálogo e pela crença quase sacerdotal de que é possível acossar a onça com vara curta, continuava a acreditar que esses órgãos do regime iriam um dia dar igualdade de tratamento aos principais partidos.

Na altura, o vice-presidente da CASA-CE, André Mendes de Carvalho “Miau”, considerou não haver termo comparativo com a emissão de cerca de três horas sobre as actividades do candidato do MPLA à Presidência da República, com os cerca de cinco minutos conferidos às actividades da Coligação.

Porque será que, apesar da experiência e credibilidade da maioria dos seus dirigentes, a CASA-CE continuava a julgar que Angola é aquilo que não é nem nunca foi – uma democracia e um Estado de Direito? Só esta ilusão, esta miragem, esta utopia, pode levar alguém de bom senso a estranhar o que os órgãos do regime fazem. É assim com os órgãos de propaganda do MPLA (TPA, RNA e JA), é assim com a Polícia Nacional do… MPLA, com os tribunais do… MPLA.

“Por outro lado, esta questão de pré-candidato (João Lourenço) não é uma figura que tenha cobertura na lei, essa coisa de pré-candidato não existe”, disse André Mendes de Carvalho “Miau”, sublinhando que estavam a ser violadas a Constituição da República e a Lei dos Partidos Políticos, que impõem igual tratamento.

E pronto. Lá estava a CASA-CE, mais uma vez, a pensar que somos uma democracia e um Estado de Direito. Esta infantilidade, importa reconhecer, desiludiu grande parte do potencial eleitorado da Coligação. Os angolanos começam a estar fartos de quem, ingenuamente, teima em não dizer com todas as letras, em todos os locais, que às segundas, quartas, sextas e domingos o MPLA é um partido ditatorial e que às terças, quintas e sábados é um partido cleptocrático.

Sejam diferentes, sejam melhores

Em 2017, e por falar em manifestações, a CASA-CE (e no caso também a UNITA) não participaram institucionalmente na manifestação cívica contra a nomeação – pelo pai – de Isabel dos Santos para Presidente do Conselho de Administração da Sonangol.

Para o regime aceitar esta manifestação com a normalidade constitucionalmente estabelecida era preciso que Angola fosse o que não é, um Estado de Direito Democrático. Para que a CASA-CE e a UNITA participassem institucionalmente na manifestação era preciso ter o que não tiveram – coragem.

No entanto, recorde-se, diversas personalidades marcaram presença a defender a legalidade num país de ilegalidades. Lúcia da Silveira, presidente da AJPD, Justino Pinto de Andrade, presidente do Bloco Democrático, o antigo primeiro-ministro Marcolino Moco e o activista Luaty Beirão estiveram presentes. Mas também lá estiveram Sizaltina Cutaia, William Tonet, Filomeno Vieira Lopes, Manuel Victória Pereira, Fernando Macedo, Dago Nível, Nuno Álvaro Dala e Mbanza Hanza.

A CASA-CE (tal como a UNITA) não acreditava na transparência e legalidade das grandes decisões tomadas por José Eduardo dos Santos, sendo que a nomeação da sua filha para PCA da Sonangol era apenas um exemplo, mas um exemplo paradigmático. Não acreditava mas quando era chamada a agir… preferia reagir.

Fazendo fé nos inúmeros comentários e opiniões que na época chegaram ao Folha 8, os angolanos começavam a afirmar que, afinal, votar na CASA-CE (ou na UNITA) não significava uma perspectiva de mudança. Talvez acreditassem que para pior… basta assim. E, portanto, o MPLA teve terreno livre para se manter no poder durante mais umas décadas.

Não admira que os angolanos gostem de ouvir a UNITA e a CASA-CE e depois votem no… MPLA.

Em que país viviam alguns os dirigentes da CASA-CE? Por outras palavras. A CASA-CE diagnosticava com bastante precisão, reconheça-se, a enfermidade do doente com malária. Mas quando tocava a ministrar a medicação… fechava os olhos e espetava a injecção no doente ao lado que ali estava a tratar uma bitacaia.

A CASA-CE sabia que um país mudo não muda. Quando têm uma oportunidade de, na prática, mostrar aos angolanos que devem falar, que devem dizer o que pensam, ficam… mudos. Só o MPLA fala.

Como o Folha 8 escreveu na altura, as teses de Abel Epalanga Chivukuvuku, apesar de correctas, corriam o risco de ser ineficazes. Os angolanos continuavam sem saber se qualquer reflexão que ultrapasse o círculo mediático interno serve para acordar aqueles que sobrevivem com mandioca ou, pelo contrário, apenas se destinam a untar o umbigo dos que se banqueteiam com lagostas em Luanda.

A CASA-CE parecia ainda não ter percebido que estava em cima de um tapete rolante que andava para trás. Por isso limitava-se a andar. E, é claro, ficava com a sensação de estar a ganhar terreno mas, no final de contas, estava sempre no mesmo sítio.

Folha 8 com Lusa

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