O ESTADO AO SERVIÇO DO MPLA

João Lourenço, Presidente angolano (não nominalmente eleito), Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo está na província do Cunene, para dois dias de trabalho, período em que vai inaugurar um sistema de abastecimento de água para o combate à seca naquela região do sul do país e, é claro, lançar a pré-campanha do MPLA.

De acordo com uma nota de imprensa da secretaria para os assuntos de comunicação institucional e imprensa do Presidente da República, no primeiro dia, João Lourenço vai inaugurar, na localidade do Cafu, o Sistema de Transferência das Águas do rio Cunene, um projecto concebido para resolver o cíclico problema da seca na região.

A região sul de Angola tem sido afectada há vários anos por uma seca severa, sendo o Cunene uma das províncias mais atingidas, registando além do êxodo populacional, mortes de gado e insegurança alimentar (fome) da população, causando elevados índices de desnutrição, sobretudo em crianças.

O programa de visita prevê para o segundo dia o lançamento da pré-campanha eleitoral do MPLA, partido que lidera e sustenta o Governo há 46 anos.

O MPLA tal e qual como é

Em 2018, já com João Lourenço a comandar a guerra contra o seu mentor, o Bureau Político do MPLA, partido no poder desde 1975, enalteceu a importância de José Eduardo dos Santos no alcance da paz em Angola em 4 de Abril de 2002.

“Honra seja dada ao arquitecto da paz, camarada José Eduardo dos Santos, presidente do MPLA, que, nos momentos mais adversos da história recente de Angola, soube manter a serenidade, impondo a vitória do bem sobre o mal e, desta forma, propiciar, com o seu alto sentido patriótico e aglutinador, uma genuína reconciliação entre irmãos, outrora desavindos”, lia-se na mensagem do partido, a propósito da comemoração do 4 de Abril.

Os anos passam, José Eduardo dos Santos passa – por ordem daquele que escolheu e impôs como sucessor – de bestial a besta e tudo está exactamente na mesma… ou pior (o que todos julgávamos ser impossível). A embalagem está mais moderna, quando ao conteúdo, esse até esta a revelar-se pior.

O conflito em Angola terminou após a morte, em combate, no Leste de Angola, a 22 de Fevereiro de 2002, de Jonas Savimbi, líder histórico e fundador da UNITA.

Durante praticamente três décadas, morreram cerca de meio milhão de angolanos, entre militares e civis, devido ao conflito armado.

“Angola é hoje, para bem dos seus filhos, uma Nação em paz e reconciliada, que não pretende voltar a trilhar os caminhos do ódio e da violência, onde cada cidadão deve ser um agente activo da tolerância e do amor ao próximo, para que nela seja construída uma sociedade de bem-estar, de progresso social e de desenvolvimento sustentável”, reiterou em 2018 o MPLA a propósito do dia da Paz.

Acrescentou que a consolidação da paz e da reconciliação nacional “são premissas fundamentais de toda a acção prática do MPLA”, que “continuará a bater-se pelo aprofundamento da inclusão política e social, para que Angola cresça de modo equilibrado, harmonioso e com equidade”.

O Bureau Político “reafirma a sua total confiança e encorajamento” a João Lourenço, “a quem o povo angolano depositou, por via do voto, confiança para fortalecer o Estado democrático de direito, diversificar a economia e melhorar a qualidade de vida dos cidadãos”.

Festejemos irmãos, mesmo de barriga vazia

O MPLA, com o seu brilhantismo habitual, diz que os angolanos são capazes de reconstruir o país, de criar condições para erradicar a pobreza e de promover o desenvolvimento e o bem-estar social.

Os angolanos são, sim senhor, capazes de tudo isso. Pena é que o regime não os ajude. Já lá vão 20 anos de paz total e, feitas as contas, poucos continuam a ter cada vez mais milhões e, é claro, milhões continuam a ter cada vez menos.

A constatação propagandística do MPLA, partido no poder desde 11 de Novembro de 1975, insere-se naquilo a que se convencionou chamar o Dia da Paz e da Reconciliação Nacional.

O MPLA exorta os seus militantes, simpatizantes e amigos e todo os angolanos a transformarem as comemorações do 4 de Abril numa “verdadeira jornada de reflexão e de júbilo”.

Que o regime esteja em júbilo (assinala desde logo a rendição da UNITA) ainda vá que não vá. No entanto, aos angolanos resta eventualmente reflectir… de barriga vazia. E, exactamente por termos 20 milhões de pobres, é que o regime espera que as reflexões dos angolanos não sejam muito profundas.

Reflectir sobre o estado actual de Angola é lembrar que hoje, como ontem e certamente como amanhã, apenas um quarto da população tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade; que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos.

Reflectir sobre o estado actual de Angola é lembrar que 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos.

Reflectir sobre o estado actual de Angola é lembrar que a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolano; que 80% do Produto Interno Bruto é produzido por estrangeiros; que mais de 90% da riqueza nacional privada é subtraída do erário público e está concentrada em menos de 0,5% de uma população; que 70% das exportações angolanas de petróleo tem origem em Cabinda.

Reflectir sobre o estado actual de Angola é lembrar que o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder.

O MPLA pede aos angolanos que fortifiquem os laços de união em prol da busca de consensos para o futuro do país, a consolidação da unidade nacional e o aprofundamento do processo democrático em curso.

Essa do aprofundamento do processo democrático em curso é mesmo brilhante. Aliás, nem sequer haveria necessidade de o aprofundar. Basta ver que, por exemplo, o ex-presidente da República, José Eduardo dos Santos, esteve no poder 38 anos sem nunca ter sido eleito e que João Lourenço foi “eleito” devido a carradas de batota que a máquina do MPLA/Estado colocou e coloca ao seu serviço.

“A paz tem permitido ao nosso povo o usufruto do direito à segurança, à tranquilidade, à estabilidade e à livre circulação em todo o território nacional e tem facilitado o processo de reconstrução e de criação de infra-estruturas para o desenvolvimento, o que tem sido constatado, de forma entusiasta, por todos os de boa-fé, cientes de que a paz veio para ficar e de que o futuro será infinitamente melhor do que o passado”, lê-se em todas as declarações que, ao longo dos últimos 20 anos, a máquina propagandística do regime produziu e divulgou por todos os cantos e esquinas.

Pois é. Tudo isso é visto, sentido, apoiado e reconhecido pelo menos por 70 por cento da população que, recorde-se, continua na miséria.

“O processo de reconciliação nacional, que continua a decorrer de forma sólida, não obstante as inúmeras tentativas de o dificultar, permite que os angolanos acreditem no futuro e tem constituído um factor importante para a consolidação da economia e o seu notado crescimento, viabilizando o processo de reconstrução nacional e a paulatina melhoria das condições de vida do nosso povo”, sublinhava em 2011 o Secretariado do Bureau Político do MPLA.

O MPLA, o regime, José Eduardo dos Santos, João Lourenço (são tudo sinónimos) não diz mas, importa reconhecê-lo, as “inúmeras tentativas de dificultar” todo o processo fazem com que, no mínimo, o MPLA precise aí de mais uns 54 anos para tornar o país num Estado de Direito.

A UNITA passou de adversário a tapete

O Governo de Angola/MPLA considera que a paz é “uma conquista de todos os angolanos”, mas a UNITA defende que o calar das armas, ainda não se reflecte na condição social e económica das famílias.

Recorde-se, por exemplo, que numa das comemorações, falando aos jornalistas após o içar da bandeira de Angola na Fortaleza de São Miguel, em Luanda, o então ministro do Interior, Ângelo da Veiga Tavares, lembrou o papel do antigo Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, na pacificação do país, desde o fim do conflito e cujo “espírito de perdão” foi “importante para a paz”. “O alcançar da paz não foi apenas uma tarefa das forças de Defesa e Segurança, mas também do povo angolano”, sublinhou.

João Ernesto dos Santos “Liberdade”, na qualidade de ministro dos Antigos Combates e Veteranos da Pátria (do MPLA) considerou que o “4 de Abril” de 2002 constitui uma data “muito importante” e com um “significado muito diferente de outras” e aconselhou as novas gerações a seguirem o exemplo dos que estabeleceram a paz em Angola.

Já a UNITA, maior força da oposição que o MPLA ainda permite que exista, e também numa declaração alusiva à efeméride, tem considerado que o calar das armas “ainda não se reflecte na condição social e económica de muitas famílias”.

“Há muitas famílias que se conformam com elevados índices de pobreza, agravados pelo desemprego que afecta a juventude e os ex-militares, em particular”, sublinhou o secretariado executivo do Comité Permanente da Comissão Política da UNITA, que reclama o “cumprimento cabal” dos compromissos assumidos pelo Governo com a UNITA com vista à paz efectiva em Angola, tendo como base os acordos assinados em Bicesse, Lusaca e Luena.

“Longe de celebrarmos apenas mais uma data do calar das armas, a UNITA considera que se impõe uma profunda reflexão sobre as bases e pressupostos em que assentaram os precedentes que vieram a culminar com o Memorando de Entendimento do Luena (acordo de 2002), com vista à paz efectiva e duradoura, factores imprescindíveis na construção e consolidação de um verdadeiro Estado Democrático de Direito”, diz a UNITA.

“A celebração remete para a reflexão de que a paz social passa, inevitavelmente, pela boa governação, com a adopção de políticas públicas viradas para a resolução dos problemas candentes das famílias e das suas comunidades, mormente no que tem a ver com a distribuição justa e equitativa do rendimento nacional, educação e saúde de qualidade, bem como na igualdade de direitos e oportunidades para todos singrarem na vida, independentemente da sua condição política ou social”, refere.

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