A “ESCOLA” DO SEMÁFORO

Adolescentes que foram obrigados a abandonar a escola para sobreviver onde calhar encontram hoje uma ligação ao conhecimento com o projecto “No semáforo também se aprende”, iniciativa promovida por jovens professores nas ruas de Maputo.

“A ideia é estimular o gosto pelos estudos para que queiram voltar à escola”, explica a professora Catariana Sive, momentos depois de conduzir uma aula de matemática na “turma do semáforo da Avenida 24 de Julho”.

Imunes à agitação em redor, os alunos ocupam cadeiras de plástico alinhadas num canto do passeio.

Um portão enferrujado serve de quadro onde Catarina escreve a giz as propriedades da multiplicação e mostra como pode ser útil saber fazer as contas “para quando juntam dinheiro”.

Os alunos juntam moedas que ganham ao limpar carros, ajudar no estacionamento, vender fruta, amendoim, ganham na rua o mínimo para comer, longe das províncias de Gaza e Inhambane de onde saíram em busca de oportunidades na capital – mas sem conseguir sair da pobreza.

“Eu não quero muita coisa. Quero pelo menos aprender a escrever”, conta Nelson Umbisse, 27 anos, vendedor informal nos semáforos da Avenida 24 de Julho.

“São jovens que dependem dos seus trabalhos na rua para sobreviver e, por isso, quando desenhámos o projecto a ideia não era tirá-los daqui. Sabemos que dependem deste negócio”, explica o professor Ercílio Edmundo, 27 anos, responsável pela turma da Praça do Destacamento Feminino, na Avenida Kenneth Kaunda, do outro lado da cidade.

Nesta turma, o número de alunos, hoje, é reduzido, talvez devido à ameaça de chuva, mas estão atentos ao quadro improvisado, numa zona nobre, a poucos metros da Presidência da República.

“Eu quero estudar para ganhar um bom emprego e poder sustentar-me. Também quero construir a casa dos meus sonhos na minha terra”, a província de Gaza, conta Edilson Eduardo, 19 anos.

“Quando olho para estas crianças, vejo-me a mim. Também tive de vender na rua para poder apoiar a minha família”, lembra o professor Ercílio Edmundo.

A meta é garantir acesso a conteúdos básicos de português e matemática e, depois, orientá-los para uma instituição de ensino formal, com a ajuda de parceiros e padrinhos, pessoas de boa vontade que estejam disponíveis para apoiar os alunos.

“Estes podem ser os engenheiros do amanhã”, comenta à Lusa Ernesto José, um residente que passava pela Kenneth Kaunda e assistiu ao trabalho da turma de Ercílio.

Se os jovens não vão à escola, os professores levam as aulas até aos semáforos.

Há outras turmas distribuídas pela cidade e 21 jovens com presença regular no projecto que começou em Janeiro e que tem a ambição de chegar a outras regiões do país.

Folha 8 com Lusa

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