“Temos hoje uma democracia pujante que cumpre regularmente os seus ciclos de realização de eleições”. Esta afirmação de João Lourenço (presidente não nominalmente eleito) guindou-o para ganhar a medalha de ouro dos jogos olímpicos da demagogia, podendo até vir a ser galardoado com o Prémio Nobel da desfaçatez (falta de vergonha).
Em Acra (Gana), João Lourenço também disse que “a democracia angolana está cada ano que passa mais forte”. Ou seja, quando o MPLA comemorar (como espera) os 100 anos de governação ininterrupta (já só faltam 55 anos), é provável que a democracia do MPLA esteja tão forte, tão forte, ao ponto de o país… implodir.
A democracia (aquela “coisa” que, segundo o MPLA, foi imposta a Angola e que considera contranatura por significar “governo do povo”) piorou em todos os países lusófonos, de nada servindo – no caso do reino do MPLA – a exportação de toneladas de banha da cobra que João Lourenço financiou com a clara conivência da, por exemplo, CPLP.
Ou seja, tudo na mesma e com a comunidade internacional a cantar, a rir e a facturar com a desgraça dos africanos em geral e dos lusófonos em particular. Desgraça do Povo, é claro.
Elaborado anualmente pela The Economist Intelligence Unit, ligada à publicação britânica The Economist, cuja honorabilidade o MPLA certamente não reconhece, o índice mede os níveis de democracia em 167 países e territórios. “Não se aplica a Angola”, dirá certamente, a mando do Chefe do Posto, a sipaia Luísa Damião, vice-presidente do MPLA, justificando (com razão) que Angola não é um país… é um reino unipessoal.
Angola piorou a sua pontuação de 3.72 para 3.66, mas passou da posição 119 para a 117. Moçambique perdeu pontuação, passando de 3.65 para 3.51, e caiu do lugar 120 para o 122. A Guiné Equatorial manteve os 1.92 pontos da avaliação anterior, mas subiu da posição 161 para a 160.
O Índice de Democracia da The Economist Intelligence Unit baseia-se na avaliação em cinco categorias: processo eleitoral e pluralismo, funcionamento do governo, participação política, cultura política e liberdades civis.
Os partidos políticos estão para as democracias (quando estas existem) como o sangue está para o corpo humano (quando este está vivo), razão pela qual o funcionamento organizado e com elevado sentido de Estado dos partidos constitui um ganho inestimável… nas democracias.
Numa altura em que, supostamente, Angola se aproxima do período de realização de actos que deverão – presume-se – levar às próximas eleições, não há dúvidas de que urge enaltecer uma coexistência política pacífica, deste que os subalternos não ponham em dúvida a supremacia de quem está no poder há 45 anos.
E nisto, os partidos políticos enquanto forças que lutam por meios democráticos (quando há democracia) para alcançar, exercer e manter o poder político devem dar exemplos claros, inequívocos e firmes de tolerância, convivência na diversidade, entre outros. Isto é, repita-se, quando se vive em democracia. Não se aplica, obviamente, a Angola.
Todos os sectores políticos (com excepção dos afectos ao poder) percebem melhor a importância da adopção das melhores práticas, baseadas essencialmente na tolerância, na aceitação da diferença e no pressuposto de que acima estão (ou deveriam estar) os interesses de Angola, dos angolanos. Essa deve ser, entre outros gestos, a mensagem que os partidos (fica na dúvida se o MPLA se pode incluir) têm que passar para a sociedade angolana, sobretudo nesta altura em que Angola se encontra na fase de um dia chegar a uma democracia de facto e não apenas formal.
Temos um histórico, relativamente aos esforços para implementação do processo democrático “imposto”, segundo as palavras do próprio MPLA, que um dia permitirá a cada angolano encarar a democracia como uma conquista de todos, mau grado a alergia do partido no poder desde 1975. Não está a ser um processo fácil chegarmos aos níveis de coabitação política. É que se o poder corrompe, o poder absoluto corrompe de uma ponta à outra. E o que temos já lá está há 45 anos.
Como sabemos, tratou-se de uma caminhada que podia, naturalmente, acarretar desafios para todos os intervenientes atendendo a que a vida em democracia implica, ou deve implicar, sempre ajustes a todos os níveis. As autoridades angolanas (o MPLA desde a independência) abraçaram o repto da democracia (“imposta”, repita-se, segundo José Eduardo dos Santos) e, tal como reza a História, foram as primeiras a pôr em causa os fundamentos em que devia assentar o futuro do país.
Acreditamos que o alcance da paz, em 2002, que contribuiu para a retoma do processo democrático sempre defendido pela oposição, em todo o país, permitiu a todos os actores políticos fazer uma avaliação positiva das vantagens do jogo democrático, mau grado seja um sistema que não agrada ao MPLA cujo ADN só vê os tempos áureos do partido único.
As formações políticas, acompanhadas de todos os outros actores que, exceptuando a conquista do poder político, desempenham o papel cívico e interventivo de influência, constituem uma espécie de espinha dorsal da democracia, quando ele existe. E precisam de continuar a fazer prova das suas atribuições e responsabilidades na medida em que os partidos políticos representam a esperança de milhares de angolanos, sem esquecer que para quem manda… o MPLA é Angola e Angola é (d)o MPLA.
Por isso é que a Constituição da República determina que os partidos devem, no âmbito das suas atribuições e fins, contribuir para a consolidação da nação angolana e da independência nacional, para a salvaguarda da integridade territorial, para o reforço da unidade nacional, para a protecção das liberdades fundamentais e dos direitos da pessoa humana, entre outros. Determinar, determina. Mas acima da Constituição está, tem estado sempre, a vontade do MPLA.
É preciso que as instituições do Estado (e não as do regime que, até agora, são uma e a mesma coisa) reforcem os mecanismos de sensibilização junto das populações para que estas, tal como no passado, estejam à altura dos desafios que o país volta a testemunhar.
Mas insistimos que maiores desafios recaem sobre os principais actores da cena política, nomeadamente os partidos políticos que deverão fazer advocacia da coexistência pacífica entre todas e diferentes sensibilidades políticas, lembrando-se uma das regras de ouro do MPLA: Olhai para o que dizemos e não para o que fazemos.
Não é exagerado pedir e esperar que as formações políticas (será que se pode incluir o MPLA?) contribuam para que a disputa política não se transforme numa espécie de arena em que impera o vale tudo… sendo que quem manda tem poderes que nega aos outros. É que as bases de apoio, os militantes e os simpatizantes dos partidos políticos sejam capazes de aperfeiçoar as normas de convivência que os caracterizam.
Independentemente das falhas que resultam da condição da natureza humana limitada, não há dúvidas de que podemos ainda assim fazer prova das boas práticas em sociedade, assim o MPLA dê um sério exemplo de que está interessado nisso. As diferenças ideológicas, se as há, as diferentes perspectivas de cada segmento relativamente às fórmulas para desenvolver Angola contidas nos programas e estratégias, não superam todo o conjunto de pressupostos que unem os angolanos. Não é assim, mas deveria ser assim.
Os objectivos que todos perseguimos para ver Angola crescer para que o bem-estar de todas as famílias seja uma realidade não são predicados de partidos, mas são metas de todos os angolanos. Acreditamos que a construção de uma sociedade livre, justa, democrática, solidária, de paz, igualdade e progresso social é uma meta de todos os partidos políticos. O passado e o presente mostram e demonstram o contrário.