Nem todos os guineenses vão à “missa” de Marcelo

O presidente do partido União para a Mudança (UM, na oposição), Agnelo Regalla, questionou hoje “as verdadeiras razões” da visita do Presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, à Guiné-Bissau e afirmou que “talvez o tempo dará as respostas”.

“Nós não entendemos, enquanto União para a Mudança, as razões subjacentes desta visita, as reais e as verdadeiras razões desta visita, talvez o futuro nos dirá quais são os interesses que estão em jogo e a razão para tanta pressa para esta visita presidencial neste momento”, disse à Lusa Agnelo Regalla.

Antigo ministro em vários governos da Guiné-Bissau e actualmente único deputado da UM no parlamento, Agnelo Regalla afirmou que o seu partido não tomará parte na sessão parlamentar especial convocada para terça-feira em honra a Marcelo Rebelo de Sousa.

Fontes partidárias adiantaram que a maioria de partidos do chamado espaço de concertação política, liderado pelo Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), também não marcarão presença na sessão.

Ao justificar o posicionamento da UM, Agnelo Regalla afirmou que a visita de Marcelo Rebelo de Sousa “não é oportuna”.

“A visita do Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, que também é constitucionalista, o que é um elemento importante, acho que é inoportuna e surge aos olhos dos guineenses e da União para a Mudança, como uma tentativa de legitimação de um Presidente da República que nós reconhecemos como eleito, mas que não aceitou os ditames da Constituição da República e ser empossado como Presidente da República perante a Assembleia Nacional Popular”, declarou Agnelo Regalla.

Para o líder da UM, Umaro Sissoco Embaló “é um Presidente que não é legítimo” de acordo com a Constituição da Guiné-Bissau.

Agnelo Regalla frisou, contudo, que o seu partido privilegia as relações com Portugal, país com o qual a Guiné-Bissau “tem laços históricos e culturais extremamente profundos” que “devem ser explorados, mas sempre no respeito pelas entidades oficiais legítimas”.

Há muitos, muitos mesmo, exemplos que revelam as razões pelas quais a Guiné-Bissau tende a ser (ou é mesmo) um não-Estado. Recorde-se, por exemplo, o caso em que o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), Zamora Induta, afirmava estar na posse de informações que indicavam a existência de tráfico de droga no arquipélago dos Bijagós.

Recorde-se, é mais um exemplo, que o ex-chefe do Governo, Francisco Fadul, dizia que o Tribunal Penal Internacional devia julgar o então primeiro-ministro e CEMGFA (Zanora Induta) por envolvimento num “golpe de Estado.

Resumindo, os guineenses merecem melhores políticos e militares do que aqueles que têm. Isso merecem. Mas o que é que isso importa? Do ponto de vista da comunidade internacional em geral, da CPLP e de Portugal em particular, ainda não morreram guineenses suficientes para soar o alarme.

“O Tribunal Penal Internacional deve agir, prendendo os suspeitos do golpe de estado e dessas barbaridades”, afirmou Francisco Fadul na altura em que se encontrava em Lisboa em tratamento médico, na sequência do espancamento de que foi alvo, por homens fardados e armados, em sua casa, em Bissau, a 31 de Março de 2009.

Elaborando a ideia de que o TPI (o tal tribunal que, segundo Muammar Kadhafi, representava “uma nova forma de terrorismo mundial”) devia julgar o primeiro-ministro, Carlos Gomes Júnior, e o comandante Zamora Induta, Francisco Fadul considerava que se tratava de uma missão que não era difícil.

“São círculos muito restritos, muito confinados. Pessoas identificáveis muito facilmente”, frisou.

A par desta medida e face ao que considerava ser o estado em que se encontrava a Guiné-Bissau, Francisco Fadul defendeu que as Nações Unidas deveriam assegurar a governação do país, instituindo um protectorado pelo período mínimo de 10 anos, “para que não haja recidivas, não haja retrocessos como aconteceu em Timor”.

Uau! Admitindo por mera discussão académica que a ONU ia nisso, não se correria o risco de o protectorado ser invalidado (lembram-se de Cabinda e do Tratado de Simulambuco?) por outros superiores interesses petrolíferos da região?

“Seria no mínimo por 10 anos, promovendo eleições, depois de ter instilado os hábitos de boa governação, de fiscalização, de “accountability”, fiscalização das contas públicas. Garantir o Estado, ao fim ao cabo”, explicou Fadul como que esquecendo como está a o mundo, para já não falar da CPLP e de Portugal.

Como primeira medida, Fadul defendia “o envio de uma força multinacional, de intervenção que garantisse a isenção e a exemplaridade das eleições e que, enfim, estivesse lá também para fazer vigilância daquilo que é protegido pela Carta da ONU, que é a democracia e os Direitos Humanos”.

Se calhar, para além de ser um claro e inequívoco atestado de menoridade aos políticos e militares guineenses, a tese de Fadul era igualmente um atestado de criminosa passividade à CPLP e a Portugal.

Francisco Fadul justifica o envio de uma força militar com o “princípio do dever de intervenção e esquecendo o princípio caduco da não ingerência em assuntos internos, que cai perante os prejuízos à democracia e aos Direitos Humanos”.

Cai? Só se for neste caso e por especial deferência. É que, como África é um bom exemplo, democracia e Direitos Humanos não são coisas que preocupem a ONU.

Recorde-se que Francisco Fadul acusou então primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior e Zamora Induta de terem feito “um conluio” para eliminar o Presidente “Nino” Vieira e o general Tagmé Na Waié.

E se Fadul dizia, Kumba Ialá também afirmou que “o senhor primeiro-ministro vai ter de explicar ao povo da Guiné-Bissau quem matou Hélder Proença, Baciro Dabó, Tagmé Na Waié e o general João Bernardo “Nino” Vieira. Catorze pessoas que morreram durante o seu mandato”.

A democracia exportada para África tem destas coisas. Ou se é favor de quem está no poder ou, é claro, vai-se para a choldra. Ou se é a favor ou choca-se com uma bala perdida.

Ao que parece, tanto os políticos guineenses como os donos do poder na comunidade internacional (CPLP, Portugal e similares) continuam pouco ou nada preocupados com o facto de os pobres guineenses (a esmagadora maioria) só conhecerem uma forma de deixarem de o ser. E essa forma é usar, não um enxada, uma colher de pedreiro ou um computador, mas antes uma AK-47. E enquanto assim for…

É que dois em cada três guineenses vivem na pobreza absoluta e uma em cada quatro crianças morre antes dos cinco anos de idade.

Folha 8 com Lusa

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