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O Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, vai telefonar ao homólogo angolano, João Lourenço, para abordar a situação dos missionários da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) em Angola, disse à Lusa o deputado Cezinha de Madureira.

A informação foi transmitida na segunda-feira ao deputado pelo ministro das Relações Exteriores do Brasil, Carlos França, numa reunião convocada pelo próprio Cezinha de Madureira, líder da Frente Parlamentar Evangélica na Câmara dos Deputados.

“O ministro França disse-nos que hoje mesmo [segunda-feira] já tinha falado com Bolsonaro, para fazer uma ligação ao Presidente de Angola. Bolsonaro, se ainda não o fez, fará essa ligação pessoalmente para o Presidente de Angola, pedindo uma atenção sobre os membros e obreiros, pastores e missionários da IURD naquele país”, indicou o parlamentar.

Além do ministro, a reunião contou com a presença de quase 20 deputados, da IURD e de outras igrejas, que procuraram esclarecimentos do Governo sobre a recente deportação de missionários brasileiros de Angola.

“Na reunião, o ministro ouviu-nos a todos e disse que, a partir do momento em que assumiu o Ministério [tomou posse no início de Abril], falou logo com o deputado Marcos Pereira [presidente do Republicanos, partido ligado à IURD] sobre esse assunto e afirmou confiar muito na sua equipa que está em Angola, frisando que as relações entre os países estão, e continuarão, boas e [ficarão] melhor ainda”, disse Cezinha.

Contudo, o líder da bancada evangélica frisou que existem casos específicos que estão a ser tratados juridicamente e que o Ministério Relações Exteriores do Brasil “não se pode manifestar sobre questões que não são da diplomacia”.

De acordo com o deputado, o ministro brasileiro comunicou ainda que autorizou uma missão oficial que se deslocará a Angola para “acompanhar de perto a situação, numa comitiva que será formada por membros do próprio Ministério, juntamente com o deputado Marcos Pereira, que tem como padrinho político Edir Macedo, fundador da IURD.

À Lusa, Cezinha de Madureira declarou que essa missão oficial ocorrerá “muito em breve”, mas que ainda não tem data.

“Estamos preocupados porque são situações específicas, que precisam de ser explicadas. Alguns dos pastores e missionários da Universal em Angola foram enviados para o Brasil e as suas esposas ficaram lá. É preciso que seja explicado o que está a acontecer”, concluiu.

Até ao momento, nove missionários brasileiros da IURD foram deportados de Angola, na semana passada, num processo que decorreu com “tranquilidade”, segundo o executivo brasileiro.

Os brasileiros da IURD foram notificados em Abril para deixarem voluntariamente o país por terem cessado a actividade eclesiástica em Angola e, em consequência, verem cancelados os seus vistos de permanência temporária, na sequência de um ofício da nova direcção angolana da IURD.

O conflito interno na IURD teve o seu início em Novembro de 2019, quando um grupo de dissidentes angolanos decidiu afastar-se da direcção brasileira, com várias acusações, nomeadamente de evasão de divisas, racismo, prática obrigatória de vasectomia, entre outras, todas recusadas pelos missionários da igreja criada pelo brasileiro Edir Macedo, que acusam também os angolanos de xenofobia e agressões.

Nos tribunais de Angola, depois de iniciadas as divergências entre as partes, agravadas com a tomada pela força de templos em todo o país, correm vários processos judiciais relacionados com a IURD Angola.

Uma Comissão de Reforma de pastores angolanos foi legitimada pelo Estado angolano, tendo a nova direcção da IURD, encabeçada pelo bispo Valente Bezerra, sido eleita em assembleia-geral em 13 de Fevereiro.

Seitas e religiões. O caso IURD

No início de 2013 o Governo angolano suspendeu a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) por esta, através de publicidade enganosa, ter levado à morte de diversas pessoas no chamado “Dia da Virada”. Suspendeu? A interdição foi anulada no dia 30 de Março de 2013.

Confundindo o justo com o pecador, a decisão levou por arrasto outras religiões, como a Igreja Mundial. Foi tudo fogo-de-vista. Após negociações secretas, que tiveram lugar em Lisboa, entre Edir Macedo – chefe máximo da IURD – e altos representantes do regime, foi dada a absolvição a esta Igreja. Em troca, a TV Record, propriedade da IURD, passou a fazer a lavagem da imagem do regime. E assim tudo ficou na santa paz de Deus, ou do “escolhido de Deus”.

Um alto dirigente angolano esteve em Portugal onde se terá encontrado com o líder fundador da IURD, Edir Macedo, que apresentou uma proposta ao então Presidente da República, José Eduardo dos Santos, que passou por colocar à disposição do regime a TV Record, incluindo a Record Internacional e um programa de lavagem de imagem.

Em troca, não da entrada no Reino dos Céus, o regime deveria levantar a suspensão da IURD mas, note-se, manter suspensas as demais Igrejas que, embora inocentes, foram penalizadas, bem como arquivar o processo das mortes. Foi isso que aconteceu.

O Governo levantou a suspensão de toda a actividade da IURD, depois de, presumia-se – embora mal, analisar o grave acidente de 31 de Dezembro de 2012, durante uma vigília, que causou a morte a dezenas de pessoas e mais de 120 feridos.

Só por si a vigília, que a IURD disse ser da virada, diz tudo: “O Dia do Fim – venha dar um fim a todos os problemas que estão na sua vida doença, miséria, desemprego, feitiçaria, inveja, problemas na família, separação e dívidas”.

De acordo com um comunicado dos chamados Órgãos Auxiliares do Presidente da República, “não obstante o levantamento da interdição, a IURD deveria continuar sujeita a uma fiscalização permanente da Procuradoria-Geral da República (PGR), dos ministérios do Interior, da Justiça e Direitos Humanos e da Cultura”.

Percebeu-se a artimanha do regime no sentido de, perante a máscara da fiscalização sucessiva, dar cobertura à negociata proposta por Edir Macedo. Desta forma o Governo pretendeu e conseguiu dar a imagem de rigor quando, de facto, nada mais fez do que um acordo comercial à custa da vida de muitos angolanos.

A suposta fiscalização, partida e repartida por todas essas entidades visava, tanto quanto é oficial, levar a IURD a cumprir, “nos prazos determinados as recomendações da referida Comissão de Peritos, que realizou visitas de observação aos seus grandes templos”.

Falso. Em jogo esteve, como mais tarde se comprovou, uma estratégia de rentabilizar a morte dos angolanos e a repercussão internacional do acidente a favor, como sempre, da lavagem e propaganda do regime. Desta feita através dos poderosos meios mediáticos da IURD.

Segundo um comunicado, as referidas visitas dos peritos tiveram como “finalidade apurar se os templos dispõem de condições técnicas e de segurança para albergar um número considerável de crentes”. Os templos terão, com certeza, condições. Aliás, o malogrado acidente deu-se não numa estrutura da IURD mas, importa não esquecer, num estádio (o da Cidadela) onde num espaço para 30 mil pessoas foram encaixotadas 250 mil.

Em caso de incumprimento das recomendações técnicas emanadas pela Comissão de Peritos, o Executivo estaria em condições de encerrar nos termos da lei toda a actividade da IURD em Angola, referia o comunicado.

O regime pôs todo o cuidado na feitura de informações que davam um ar de legalidade ao processo. Mas, mais uma vez, a mentira teve perna curta. Afinal, a desgraça de uns serviu às mil maravilhas para outros, neste caso o regime, facturar em benefício próprio.

As recomendações técnicas relativas aos templos têm alguma coisa a ver com o desastre de 31 de Dezembro de 2012? Estarão as autoridades a tapar o sol com uma peneira, branqueando um acto criminoso praticado pela IURD num espaço público e, por isso, com a conivência das autoridades policiais? Esta foram perguntas feita, na altura, pelo Folha 8.

No documento, o Executivo decidiu manter a interdição de qualquer actividade religiosa em Angola, das denominações religiosas que não gozam de personalidade jurídica por falta do reconhecimento oficial do Estado angolano.

Ou seja, podem meter 250 mil pessoas num recinto onde só cabem 30 mil, desde que estejam legais e, dessa forma, gozem de personalidade jurídica.

Para calar os mais revoltados – ou apenas aqueles que lutam para que sejamos um Estado de Direito – fez-se constar que a PGR prosseguiu com a instrução do Processo-Crime para se apurar responsabilidades do que se passou em conformidade com o Direito Penal.

A PGR justificava que a complexidade do caso tornava-o moroso, embora garantisse que continuavam os trabalhos de instrução e investigação para se apurarem, com a máxima celeridade processual possível, as responsabilidades nos termos da legislação em vigor.

A tradução destas informações, cujos processos passados já faziam jurisprudência, faz antever que “o dia do fim” do processo-crime nunca chegaria. O que chegou foi uma “virada” a favor da igreja liderada por Edir Macedo, autor do livro premonitório para a IURD: “Nada a perder”.

Os que morreram no dia 31 de Dezembro de 2012 não têm, de facto, nada a perder. Quanto aos vivos, esses podem continuar a acreditar em quem lhes promete o “fim de todos os problemas que estão na sua vida, doença, miséria, desemprego, feitiçaria, inveja, problemas na família, separação e dívidas”. Ou acreditar no regime, o que vai dar ao mesmo.

Folha 8 com Lusa

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