Chulam África até ao tutano

O director do departamento africano do Fundo Monetário Internacional (FMI) considerou hoje que o continente enfrenta uma “divergência perigosa” face ao resto do mundo em termos de vacinas e de crescimento económico decorrente da pandemia.

“A recuperação é mais anémica do que gostaríamos, temos um crescimento de 6% no mundo, e na África subsaariana é de 3,4% este ano, queríamos que fosse ao contrário, porque esta é uma divergência perigosa”, afirmou Abebe Aemro Selassie, durante a Cimeira da Paz, que decorre na véspera da realização da cimeira sobre o financiamento das economias africanas, ambas em Paris.

Nas declarações feitas a partir de Paris, Selassie salientou que “a média do crescimento era de 5 ou 6% nos últimos anos, por isso uma contracção de cerca de 2% é mesmo severa, e é uma média, o que significa que nalguns países, como os arquipélagos dependentes do turismo, houve uma recessão de dois dígitos”, como foi o caso das Seicheles ou de Cabo Verde.

Questionado sobre o que está o FMI a fazer para ajudar estes países, Selassie disse que o primeiro passo é garantir mais espaço orçamental, obtido através de vários instrumentos, entre os quais a emissão dos Direitos Especiais de Saque (DES), no valor de 650 mil milhões de dólares, cerca de 550 mil milhões de euros.

“O que estamos a fazer é continuar a apoiar os países para terem mais espaço orçamental, não só através de empréstimos, mas também recorrendo ao Fundo de Crescimento e Apoio à Pobreza [PRGT, na sigla em inglês], mas o mais vital de tudo é haver uma distribuição global de vacinas, em todo o mundo”, vincou o responsável.

O continente africano, apesar de albergar 14% da população mundial, vacinou até agora apenas 1,5%, devido às dificuldades de compra de vacinas, e também por causa dos desafios logísticos de administração das vacinas.

Na conversa em que participaram também outros intervenientes, como académicos e activistas, o responsável do departamento africano do FMI explicou que África deverá receber cerca de 33 mil milhões de dólares provenientes dos DES tendo em conta as quotas de cada Estado-membro, mas salientou que este valor pode ser maior se os países menos necessitados destas verbas concordarem em canalizar o reforço orçamental para os países mais necessitados.

“A injecção de reservas que vão receber pode ser usada para comprar vacinas que depois importam, ou bens de investimento que depois são usados internamente, mas certo é que será mais fácil para os governos terem os recursos para comprar esse bens”, respondeu, quando questionado sobre como vão os cidadãos beneficiar desta alocação de capital.

Sobre a distribuição, Selassie disse que “há várias propostas sobre como podem os países com liquidez suficiente disponibilizar alguns dos DES, sendo um deles o reforço do PRGT, uma abordagem que já foi usada, e que é um fundo financiado pelos países, que emprestam os DES ao FMI, que depois os empresta a custo zero aos países” que mais deles necessitam.

A pólvora (seca) “made in” FMI

Em Março deste ano, Abebe Aemro Selassie considerou, em declarações à Lusa, que os investidores globais tinham de olhar para África porque o continente terá um papel cada vez mais preponderante. Não descobriu a pólvora, mas anda lá perto, eventualmente repristinando o que pensavam os colonizadores de há séculos.

“África vai ter um papel cada vez mais importante, e é por isso que o investidor privado tem de ter atenção, senão perde o próximo barco do crescimento”, disse Abebe Selassie, quando questionado se o impacto da pandemia de Covid-19 afectou a percepção dos investidores sobre o continente.

Falando a partir de Washington, a sede do FMI, o director do departamento africano apresentou vários argumentos para sublinhar a importância de África para os investidores globais. Sobretudo porque África pode dar uma porco e receber uma… salsicha.

“O Produto Interno Bruto e a população de África são do tamanho da Índia, por isso não é possível ter uma estratégia global sem ter também uma estratégia para África”, disse Selassie, admitindo que “um investidor pode olhar e pensar que são 54 economias e que são demasiado pequenas, pode optar por não investir lá, mas decide por sua conta e risco porque pode falhar a próxima grande fonte de crescimento e também de lucro, francamente”.

Entre os aspectos salientados por Selassie está a evolução demográfica em África, o continente mais jovem e que terá a maior força de trabalho nas próximas décadas, sem que isso faça diminuir todas as riquezas do Continente.

“A transição demográfica está em curso. Se um investidor pensar em como posicionar a sua companhia daqui a dez anos, se pensar em como sustentar o seu negócio, vai ver que a mais abundante força de trabalho está em África, já que em 2030 metade dos que entrarem na força de trabalho estarão na África subsaariana, numa altura em que a população em idade laboral estará a diminuir noutras regiões do mundo”, comentou.

Para além disto, o director do departamento africano elencou ainda o crescimento não só da classe média africana, como do próprio mercado.

“Talvez ainda mais importante que isto, se o investidor procura bens de consumo ou bens de construção, na verdade a procura por todos os bens virá de África, por isso se procura um mercado tem também de olhar para o continente, os números são convincentes, e os dados estão lançados, isto vai mesmo acontecer”, concluiu.

O papel da China

“Nos últimos 20 anos, a economia crescente da China tem sido uma das principais forças motrizes do crescimento da economia mundial. Na minha participação na China International Import Expo 2019, em Xangai, na China, defendi que graças à sua estratégia “One Belt, one Road”, a visão da China agora garante que o crescimento global, por sua vez, contribua para consolidar a força económica da China a longo prazo”, afirmou Isabel dos Santos.

A empresária angolana afirma que “no caso de África, a política tributária de importação da China, a tarifas zero, para produtos “Made in África”, é uma oportunidade extraordinária para aumentar a presença e o comércio africanos com a China e para crescer e fazer prosperar os nossos produtos, os nossos negócios, as nossas economias e as nossas comunidades”, acrescentando que a “venda dos nossos produtos “Made in África” no mercado chinês permite oportunidades de trabalho e criação de empregos para os jovens africanos”.

Do ponto de vista de Isabel dos Santos, a tese do Presidente Xi Jinping permite ponderar três ideias concretas que ajudariam a impulsionar o comércio entre a China e África.

A primeira ideia é uma recomendação aos governos africanos: “Precisamos de melhorar o nosso desempenho e eficiência como plataforma de exportação para a China, se queremos aproveitar ao máximo a oportunidade de entrar no mercado chinês».

Para isso, considerava Isabel dos Santos, “será necessário melhorar a proximidade e a qualidade do diálogo entre as empresas do sector privado e as autoridades do governo local”.

“Precisamos do apoio e da boa vontade da China para ajudar a promover e fornecer produtos “Made in África” para plataformas de comércio electrónico. A igualdade exigiria que as plataformas africanas de comércio electrónico fossem tratadas como qualquer outro produto no mundo”, dizia Isabel dos Santos, acrescentando que “através de plataformas gigantes de comércio electrónico, podemos trabalhar juntos e ser um exemplo concreto da visão da China, para estabelecer um comércio internacional mais diversificado e mais justo”.

Um dos Objectivos das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável é o crescimento económico. África precisa de condições equitativas para poder comercializar e vender produtos “Made in África”, e isso seria uma maneira de alcançar o crescimento económico de África.

Isabel dos Santos assumia (até que alguém considerou que o seu apelido “Santos” era a causa de todos os males) que representava “uma nova geração de empresários africanos que é uma nova realidade económica do nosso continente. Homens e mulheres de negócios em África estão a aumentar a sua presença globalmente, fora de África”.

Folha 8 com Lusa

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