O Standard Bank Angola convocou para 29 de Março uma assembleia-geral extraordinária que inclui na ordem de trabalhos a renovação da destituição dos administradores não-executivos Carlos São Vicente, e seu filho, Ivo São Vicente.
O anúncio, publicado no Jornal de Angola, dá conta da intenção de renovar a destituição dos dois administradores com justa causa, invocando “incapacidade por impedimento e por falta de idoneidade”.
No caso de Carlos São Vicente, detido desde Setembro em Luanda por suspeitas de corrupção, junta-se igualmente a impossibilidade física aos fundamentos de renovar a decisão tomada na assembleia-geral extraordinária de 28 de Dezembro de 2020.
A destituição de Carlos São Vicente e do filho surgiu na sequência de uma investigação que envolve uma conta bancária do empresário na Suíça, entretanto congelada, com cerca de 900 milhões de dólares (763,6 milhões de euros).
Entre os anos 2000 e 2016, Carlos São Vicente foi director de Gestão de Riscos da estatal angolana (MPLA) e presidente do Conselho de Administração da AAA Seguros — empresa da qual a Sonangol era inicialmente a única accionista.
Segundo a actual justiça angolana, o empresário terá levado a cabo “um esquema de apropriação ilegal de participações sociais” da seguradora e de “rendimento e lucros produzidos pelo sistema” de seguros e resseguros no sector petrolífero em Angola.
Ivo São Vicente foi também constituído arguido.
O Banco Standard anunciou em 11 de Setembro que está interessado em adquirir a posição de Carlos São Vicente na operação financeira de Angola, que está nas mãos do Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE).
Os 49% que Carlos São Vicente detinha, através da AAA Activos, passaram para o IGAPE após terem sido formalizadas as acusações na justiça.
O aumento da participação accionista para a totalidade dos activos detidos por estrangeiros não era possível quando o banco abriu a filial em Angola, em 2010, mas desde então esta regra foi abolida para algumas indústrias, entre as quais a financeira.
A operação em Angola é uma das seis que mais contribui para os lucros operacionais do Standard Bank no continente africano, onde está em 20 países.
Na assembleia geral vai ser também deliberada a renovação da eleição dos administradores não executivos Patrício Vilar, também presidente do IGAPE, e de Silvano Araújo, vogal do Fundo de Garantia de Crédito.
Caso não se verifique o quórum necessário para que a assembleia-geral delibere sobre os pontos elencados na ordem de trabalhos, os accionistas são convocados para o dia 14 de Abril.
O empresário luso-angolano Carlos São Vicente está detido desde Setembro, em Luanda, por suspeitas de corrupção, tendo a prisão preventiva sido prolongada, segundo um despacho de 20 de Janeiro da PGR por mais dois meses.
Carlos São Vicente está também a ser investigado na Suíça por suspeita de branqueamento de capitais.
De acordo com o despacho divulgado na altura, o empresário, que entre 2000 e 2016 desempenhou, em simultâneo, as funções de director de gestão de riscos da Sonangol e de presidente do conselho de administração da companhia AAA Seguros, sociedade em que a petrolífera angolana era inicialmente única accionista, terá levado a cabo naquele período “um esquema de apropriação ilegal de participações sociais” da seguradora e de “rendimento e lucros produzidos pelo sistema” de seguros e resseguros no sector petrolífero em Angola, graças ao monopólio da companhia.
A AAA Activos tinha até Setembro do ano passado uma posição minoritária de 49% no Standard Bank Angola, onde o empresário era administrador não executivo.
Em entrevista à Lusa, em Janeiro, Irene Neto, mulher do empresário e filha do primeiro Presidente angolano, Agostinho Neto, afirmou que “todas as posições” de organismos judiciais do seu país têm um “substrato político” e que há “grande pressão” no período eleitoral, considerando que que foi “precipitada a tomada de decisão” da justiça de aplicar a medida de prisão preventiva ao marido.
A (a)MPLA amargura de Irene Neto
Quando Ivo São Vicente foi agora constituído arguido, a sua mãe, Irene Neto, disse a partir da capital colonial (Lisboa) que o “massacre” continuava.
“Penso que não é necessário estar a afirmar certas coisas, quando nós estamos numa posição em que temos o marido preso e temos um filho constituído arguido”, afirmou numa entrevista à Lusa, em Lisboa, a filha do primeiro Presidente de Angola, herói do MPLA e “pai” dos massacres de 27 de Maio de 1977, Agostinho Neto.
Segundo Irene Neto, da notificação que Ivo São Vicente recebeu não se percebia porque foi constituído arguido, o que é normal no sistema de “justiça” “made in MPLA”. “Não sei, mandaram uma notificação a dizer para apresentar-se [em Angola], porque foi constituído arguido. A data [da carta] acho que é de 30 ou 31 de Dezembro, mas só nos chegou agora” (Janeiro de 2021), sublinhou.
Porém, garantiu que o filho, a viver em Lisboa já há algum tempo, não se iria apresentar à justiça angolana, “a não ser que o venham buscar”, afirmou a médica angolana, nascida em Portugal, e que desde Julho de 2020 também vive em território português. Embora sendo o reino do MPLA um paraíso, o melhor mesmo é viver no “inferno” que é a antiga potência colonial, usando para isso o direito de terem nascido (ou serem familiares de quem nasceu) num território então considerado português.
A notificação para Ivo São Vicente “é muito lacónica, apenas diz que ele tem de se apresentar no dia seguinte a ter recebido a carta. Obviamente, que não dava para se apresentar em Luanda. Até porque nós não temos meios para pagar bilhete de passagem para Angola e, muito menos, local onde residir [no país]. Porque a nossa habitação também foi apreendida [pela justiça angolana]. Portanto, nós não temos para onde voltar. Praticamente somos exilados em Portugal”, explicou.
Irene Neto admitia duas hipóteses na origem da notificação do filho. Uma delas é o facto de este ser gestor de empresas do pai ou que integravam o grupo por ele criado. A outra, para si mais plausível, tem a ver com o facto de Ivo São Vicente “ter estado a dar entrevistas”.
“Como um jovem que é, defende o pai com alguma veemência e poderá ter dito algo que não tenha sido muito bem aceite. Portanto, isto pode ser considerado como uma forma de represália, de pressão sobre o pai, que está lá preso e fica sabendo que o filho foi constituído arguido”, afirmou.
No entanto, e apesar da colaboração judicial entre Angola e Portugal, Irene Neto não receia que o filho possa vir a ser detido em Lisboa. Mas, “nestas circunstâncias, ficamos um bocado reféns do que possa ser exercido como meio de pressão daqui para frente”, frisou. E frisou bem. É que, como se sabe, por regra os governos portugueses fazem tudo o que o MPLA quer, numa atitude de bajulação constantemente alimentada. Recorde-se que o Presidente da República de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, felicitou João Lourenço pela sua vitória nas últimas “eleições”, mesmo antes de os resultados oficiais terem sido divulgados.
Para já, em Portugal, a família de Carlos São Vicente tem algumas das contas congeladas pela justiça, apesar do recurso que interpôs no ano passado para que fosse levantada a medida.
“Estamos insistindo”, sublinhou. Porque já houve uma resposta ao recurso, a instrução do juiz “foi no sentido de descongelar as contas de voltar a abrir, algumas delas”, não todas, só que o banco não cumpriu. E o banco não cumpriu porque a sua decisão está dependente das ordens superiores do… MPLA.
Por isso, “nós temos que resolver a situação”, afirmou, porque o dinheiro é necessário, não só para a família, mas também para Ivo São Vicente manter as empresas que tem em Portugal.
O ano passado, Irene Neto afirmou-se vítima de um “massacre judicial e mediático” e apelou à libertação do marido, que disse estar “preso injustamente”.
Em comunicado, Irene Neto lamentou a falta de solidariedade dos camaradas de partido, sobretudo – calculamos – daqueles que ajudaram o seu pai a massacrar milhares e milhares de angolanos do genocídio de 27 de Maio de 1977, e afirma estar actualmente sem meios para pagar as suas despesas quotidianas, depois de ver as suas contas congeladas.
Em relação ao marido, detido por suspeita dos crimes de peculato, branqueamento de capitais e tráfico de influências (acusações estranhas já que, até agora, só envolveram figuras do… MPLA), afirma ser “um cidadão honrado e cumpridor das leis angolanas” que está preso apenas por ter tido “sucesso”.
Irene Neto tem razão. Carlos São Vicente “cumpriu as leis angolanas”. Tal como Isabel dos Santos e todos os dirigentes do MPLA que se limitarem a fazer o que a lei do partido permitia, até porque está no seu ADN. Ou seja, roubar o erário público, fazendo da corrupção a mais nobre qualidade de um partido revolucionário.
Irene Neto acusa as autoridades (do MPLA) de alimentarem “um circo mediático” contra a sua família e diz que o marido é vítima de um julgamento “criado artificialmente e alimentado por sectores bem identificados”… do MPLA.
Folha 8 com Lusa