A ministra das Finanças angolana, Vera Daves, afirmou hoje que o Orçamento Geral do Estado (OGE) “não é um mero documento orientador, e sim para cumprir”, sob pena de deterioração das contas públicas com impacto na vida das pessoas. Quem diria, não é?
Vera Daves falava hoje num “workshop” sobre “O Sistema de Controlo Interno” em que abordou temas relacionados com o controlo da execução orçamental, apontando as principais infracções das regras e suas consequências.
Na sua intervenção, a ministra adiantou que é importante ser pedagógico e alertar para os riscos de incumprimento que nem sempre acontecem por má-fé, mas apelou ao “respeito pela bíblia das finanças públicas que é o Orçamento Geral do Estado”.
“Por mais que, às vezes, a tentação seja grande, de não cumprir com o que está disposto na bíblia, é nossa responsabilidade enquanto órgãos de controlo interno e que têm de acompanhar a execução do OGE estar vigilantes e alertar que aquilo é para ser cumprido, não é letra morta”, salientou a governante.
“Não devemos ter o OGE apenas como um mero guia orientador, aquilo é um orçamento para cumprir”, reforçou, alertando para as consequências do incumprimento, nomeadamente a deterioração das contas públicas, que se reflectem sobre as pessoas.
“No fim do dia, temos os nossos netos e bisnetos a pagar dívidas por coisas que nem sabem bem o que é. As consequências são na vida das pessoas, não é só papel, não são números, trata-se de vidas”, afirmou.
Vera Daves exortou a que “todos sejam vigilantes” para detectar desvios aos principais da legalidade da eficácia e da eficiência da gestão financeira pública, pois não importa apenas executar despesa, cumprindo todos os princípios e critérios, mas procurar também contratar o melhor serviço possível.
“Muitas vezes, cumprimos tudo certinho, mas depois afinal há um arranjo por trás que não beneficia quem tem de ter acesso a um dado bem ou serviço”, observou. É verdade. Vera Daves sabe do que fala. Bem dizia o seu presidente que viu roubar, participou nos roubos e beneficiou dos roubos mas que, é claro, não é ladrão. Aliás, ladrões são os que roubam uma galinha para dar de comer à família. Os que roubam o galinheiro, esses são heróis, até talvez futuros ministros.
Por isso, enfatizou, “nem sempre o problema é pouco dinheiro, muitas das vezes o problema é fazer as escolhas certas com os recursos que temos à nossa disposição e para isso temos de ser rigorosos na identificação do melhor binómio preço-qualidade”.
“Por isso é que é importante, os procedimentos abertos de contratação, a contratação pública electrónica, os concursos públicos internacionais, a concorrência, por isso é que é importante sermos transparentes”, exemplificou.
“Se tivermos sempre a esconder, a mostrar meia-verdade, e depois temos pressa, tudo é urgente, tudo é para ontem, nunca teremos a certeza se contratámos o melhor serviço, bem ou empreitada ao melhor preço possível”, acrescentou, salientando também a importância de planear e programa, mantendo o foco.
“Não se pode mudar três ou quatro vezes no caminho, obviamente que a vida é dinâmica, mas não podem surgir três a quatro orçamentos no mesmo ano por que o gestor foi mudando de ideia. Mas porquê? Tem de ter uma explicação”, prosseguiu a titular da pasta das Finanças.
A ministra avançou também que o ministério defende o surgimento de um quadro de despesas de médio prazo para “pensar a três anos” e ter balizas orientadoras na programação para “ter o menor número de surpresas possível”.
E por falar em ministros das Finanças…
Era uma vez, em Fevereiro de 2018. O Governo do MPLA pretende aprovar, ainda nesse ano, legislação sobre responsabilidade fiscal, para melhorar a qualidade da despesa pública, introduzindo a figura do “controlador financeiro”, revelou o então ministro das Finanças, Archer Mangueira.
Em causa estava a execução da lei do Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2018, aprovado como previsto no Parlamento do MPLA, e as medidas previstas pelo Governo para “melhorar a qualidade da despesa”, conforme realçou o governante.
De acordo com Archer Mangueira, o objectivo com este OGE era “realizar despesa com maior rigor, com maior disciplina e com transparência”. Mais ou menos o mesmo que agora diz Vera Daves.
“Por essa razão, estamos a preparar uma lei de responsabilidade fiscal e introduzir elementos novos, por exemplo a nível da gestão das finanças públicas nós vamos introduzir a figura do controlador financeiro”, explicou o governante, numa entrevista ao canal público de televisão do MPLA, TPA.
Na entrevista, já após a aprovação do OGE no Parlamento, apenas com os votos favoráveis do MPLA, partido no poder desde 1975, Archer Mangueira explicou que actualmente o Tesouro e o Ministério das Finanças fazem apenas a atribuição das quotas financeiras para cada unidade orçamental (ministérios, departamentos governamentais e outros) e que no fim de cada exercício, “por via da informação que recebe, vai controlando a execução, depois da atribuição das verbas”.
“Com este Orçamento [OGE 2018], com a introdução da figura do controlador financeiro, o objectivo não é depois da execução, é controlar em tempo real o destino dos recursos que são cabimentados e que são pagos”, sublinhou.
Em paralelo, o Governo estava a avançar, ainda na área da melhoria da qualidade da despesa pública, com o regime da contratação electrónica de bens e serviços do Estado, apertando igualmente com a obrigatoriedade de realização de concursos públicos, disse o ministro.
Ainda em 2018, explicou Archer Mangueira, seriam “reforçadas” as acções de recadastramento dos funcionários públicos, com vista “a eliminar os chamados ‘trabalhadores fantasma’” que ainda existem na Função Pública angolana.
O Governo angolano previa um crescimento económico de 4,9% do Produto Interno Bruto (PIB) no OGE para 2018.
O Relatório Parecer Conjunto à proposta de Lei do OGE para 2018, com 56 constatações e 202 recomendações, pedia que fossem incrementadas as verbas atribuídas ao sector da saúde, educação, ensino superior e construção, pressupondo um valor global de 96.453.183.132,00 kwanzas (372 milhões de euros).
“Este incremento corresponderá à aproximadamente 0,5% de incremento do défice fiscal, elevando-o para 3,5%, sendo que o nível de endividamento seria elevado na mesma proporção”, referia o relatório/parecer.
No documento era ainda recomendado que o reforço para o sector social fosse retirado da dotação orçamental para a concessionária nacional Sonangol, que dos então 7% passasse a 5%, sendo o diferencial de 2% para a referida área.
A proposta de OGE para o exercício económico de 2018 comportava inicialmente receitas e despesas de 9,658 biliões de kwanzas (36.870 milhões de euros), representando a despesa com o pessoal 1,647 biliões de kwanzas (6.280 milhões de euros), o correspondente a 17% do total.
As contas do Estado angolano para 2018 previam inicialmente um défice de 697,4 mil milhões de kwanzas (2.690 milhões de euros), equivalente a 2,9% do PIB, traduzindo-se no quinto ano consecutivo de défice nas contas nacionais.
O exemplo português do controlador financeiro
Portugal também já andou nessa tese do “controlador financeiro”, com excelentes resultados para o desastre económico e financeiro, no tempo do primeiro-ministro José Sócrates (2005/2011).
De facto, a proposta de Orçamento de Estado (OE) para 2006 previa que cada ministério tivesse um controlador financeiro, que actuaria na dependência do ministro da respectiva área governamental mas também do ministro das Finanças.
O controlador financeiro acompanhava a execução orçamental de todas as entidades na esfera do respectivo ministério e quaisquer medidas e compromissos que este não aprove só podem prosseguir quando autorizadas por despacho ministerial conjunto.
O ministro das Finanças de então (2005/2011), Teixeira dos Santos, tinha já anunciado a intenção do Governo de criar a figura de controlador financeiro, em declarações feitas à margem da reunião de ministros das Finanças da União Europeia, em Setembro de 2005, no Reino Unido.
Entre as funções do controlador financeiro estavam o acompanhamento da gestão financeira e a comunicação das tendências de risco para os objectivos de consolidação das Finanças Públicas, o acompanhamento do cumprimento das obrigações financeiras para com terceiros e a intervenção em iniciativas com impacto financeiro relevante, de forma a evitar desvios. As funções do controlador financeiro abrangiam a fase de planeamento, da execução orçamental e da prestação de contas.
Teria também a obrigação de comunicar ao ministro das Finanças e ao do ministério a que pertence a avaliação dos impactos financeiros previstos e, periodicamente, apresentar relatórios sobre a execução orçamental, a evolução prevista e os problemas identificados, com propostas para os resolver.
O Conselho de Ministros de 12 de Janeiro de 2006 aprovou a criação da figura do controlador financeiro que acompanharia a evolução das contas de cada ministério.
A figura do controlador financeiro é corrente nas maiores empresas do sector privado. No caso do Governo português de José Sócrates os resultados foram bem visíveis: bancarrota, falência e o pedido de salvação feito à troika.
Folha 8 com Lusa