Atirar a pedra e esconder a pata

Como o Folha 8 escreveu ontem, o MPLA (sob aforma de Editorial do seu bordel televisivo, TPA) acusou a comunicação social portuguesa de ser um veículo de transmissão de uma campanha de desestabilização e “ingerência abusiva” em assuntos de outros Estados. No caso não se referiam a um Estado mas a um reino há 45 anos nas mãos do MPLA – Angola.

Por cá, no tal reino, o Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA) mostra-se preocupado com o tratamento de questões políticas nos órgãos de comunicação social públicos e privados e lamentou os “actos de censura” que se têm registado.

O posicionamento consta numa deliberação aprovada no VI Congresso do SJA, na qual o sindicato se manifesta preocupado com “a maneira como alguns órgãos de comunicação social públicos e privados têm estado a posicionar-se perante questões políticas, assumindo-se parte, violando deste modo a deontologia profissional bem como a Constituição, que impõe tratamento igual e imparcial”.

O Sindicato deplora também os actos de censura que (no reino) se registam em vários órgãos de comunicação social e recomenda aos jornalistas que “invoquem a cláusula de consciência quando são chamados a cobrir actos que violem a deontologia, reserva última para a credibilidade da profissão”.

“A liberdade de expressão exige um nível de responsabilidade acrescido e uma maior literacia mediática, que possibilite a cada cidadão distinguir o tipo de informação que consome. Produzir informação não é fazer jornalismo e, por si só, não faz do produtor de informação um jornalista”, afirma por sua vez o Sindicato dos Jornalistas (SJ) de Portugal.

Segundo o SJ, “neste contexto, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e o Sindicato dos Jornalistas alertam para a proliferação de meios e formas de comunicação no meio digital que se apresentam como sendo órgãos jornalísticos não o sendo e que transmitem informação não verificada, sem fundamento científico e/ou sem qualquer independência face a interesses nunca revelados, porque nada os obriga a isso”.

“O jornalismo é uma actividade sujeita a escrutínio público e legal, que começa na formação do profissional e se desenvolve, na tarimba, diariamente, com alto grau de exigência técnica e ética, devendo o jornalista profissional cumprir o Código Deontológico dos Jornalistas e agir dentro do quadro ético-legal previsto no Estatuto do Jornalista, consolidado na Lei 1/99, de 13 de Janeiro. O desrespeito pelas normas que regem a actividade está sujeito a um quadro sancionatório regulado na lei, além da responsabilização ética, hierárquica e até judicial (em alguns casos)”, prossegue o SJ.

Assim, “dentro do cumprimento do quadro ético-deontológico, o jornalismo é a marca de água que distingue informação de desinformação, o contraste que autentica os factos face às falsificações que o contexto das redes sociais promove, não obstante o esforço de algumas em conter a pandemia da desinformação”.

“O jornalismo tem um papel fundamental no Estado de Direito e o seu compromisso é com a (busca da) verdade. Por isso a Constituição assegura o direito dos jornalistas às fontes de informação e à protecção da sua independência. A independência é um valor fundamental do jornalista e primeiro garante da veracidade da informação que produz”, diz o Sindicato dos Jornalistas… portugueses.

Conclui o SJ que, “posto isto, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e o Sindicato dos Jornalistas condenam a usurpação do bom nome colectivo dos Jornalistas e apelam às autoridades competentes, nomeadamente à Procuradoria-Geral da República e à Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que investiguem e fiscalizem as condutas e os grupos que promovam a desinformação”.

Este texto, divulgado pelo SJ de Portugal, deve merecer a atenção do Sindicato dos Jornalistas de Angola, bem como de todas as entidades ligadas ao sector, começando pelo Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, já que por cá é comum as organizações oficiais, e pelos vistos até mesmo o SJA, confundirem a obra-prima do Mestre com a prima do mestre-de-obras.

Desde quando (como é regra nos países que são Estados de Direito e democracias), com excepção dos órgãos de comunicação social públicos, os jornais, rádios e televisões privados “não podem posicionar-se perante questões políticas, assumindo-se parte”? Não só podem como devem assumir de que lado estão, informando disso os seus leitores, ouvintes ou telespectadores.

De facto, tal como em Portugal, em Angola (ou a partir de Angola, ou tendo como fulcro Angola) existe uma enxurrada de meios que se auto-intitulam de comunicação social e que mais não são do que bordéis onde o dinheiro compra tudo. Não é, aliás, difícil ver que são antros putrefactos de negócios que nada têm a ver com Jornalismo.

Por vontade do reino/MPLA, para além de Angola só precisar de ter um partido, também lhe basta a honorável existência do Jornal de Angola (do MPLA), da TPA (do MPLA) da RNA (do MPLA). Por isso, para os altíssimos e divinais donos do país (“O MPLA é Angola e Angola é do MPLA”), jornalista bom é jornalista morto.

Convém, contudo, salientar que o Titular do Poder Executivo tem nesta matéria de ensinar os angolanos e, é claro, também os jornalistas, a viver sem comer. Certamente não lhe faltará o apoio do Presidente do MPLA e do Presidente da República. Os três esperam, aliás, que quando estiverem quase, quase mesmo, a saber viver sem comer, os jornalistas… morram.

Em Abril de 2020, (alguns) jornalistas angolanos, sobretudo de órgãos privados, manifestaram-se confiantes que a “situação crítica” do sector, agravada pela Covid-19, com “dificuldades para pagar salários”, seria ultrapassada, após reunião com o ministro que tutela a Comunicação Social sob indicação do Presidente João Lourenço.

“Esperamos que sim, porque este sinal que o Presidente da República, João Lourenço, deu pressupõe que sim, vamos acreditar que sim, que realmente os dias de aflição e dificuldades que vivemos sejam ultrapassadas”, afirmou na ocasião Teixeira Cândido, secretário-geral do SJA.

Falando à Lusa no final de uma reunião que mantiveram com o reputado e perito ministro das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, Manuel Homem, o sindicalista observou que o actual cenário da imprensa privada angolana “é crítico e emergencial”.

Passados quatro meses, o SJA reiterava que a imprensa privada “vive dias difíceis, como nunca antes viveu” (antes era no tempo do marimbondo-mor, José Eduardo dos Santos), realidade semelhante à de outros países, razão pela qual “muitos decidiram apoiar a imprensa privada por reconhecer o seu papel estruturante para a promoção das liberdades e democracia”.

Mais de um ano depois, acredita-se que existam menos jornalistas em Angola. A situação foi de mal a… pior, muitos diplomaram-se em sipaios do regime, sem trabalho mas com emprego garantido e bem pago nas TPAs do MPLA e outros terminaram sem êxito o curso superior de viver sem… comer.

A ingenuidade do SJA (embora louvável) reflecte a crença, muito bem disseminada pelo MPLA (o único partido que governou o país nos últimos 45 anos), de que Angola é aquilo que, de facto, não é: um Estado de Direito Democrático. E não o sendo, está-se nas tintas para que a liberdade de imprensa seja um pilar basilar da democracia.

Recorde-se que a Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola (uma das muitas sucursais do MPLA) entregou, no final de Julho de 2020, as empresas de comunicação social privadas do grupo Media Nova, dos generais “Dino” e “Kopelipa” e do ex-vice-Presidente Manuel Vicente, ao ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social. Mais concretamente, ao MPLA na versão caranguejo.

Tudo normal. Nada como testar os limites dos que teimam em pensar com a sua própria cabeça, pondo a gerir o assunto os peritos que têm o cérebro no intestino e a coluna vertebral amovível. No final, o ministro das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, este ou qualquer outro, chegará ao pé do Titular do Poder Executivo e dirá, como esperado: “Patrão, quando os jornalistas estavam quase a saber viver sem comer… morreram”. E o patrão pedirá desculpa e oferecerá aos familiares certidões de óbito gratuitas.

Em comunicado, a PGR adiantava que a entrega das empresas da Media Nova aconteceu através do Serviço Nacional de Recuperação de Activos, “em virtude de terem sido constituídas com o apoio e reforço institucional do Estado”, certamente com as garantias de alta segurança dadas pela “lussatyana” Casa de Segurança do Presidente João Lourenço.

Cremos (ingénuos que também somos) que a imprensa livre é de facto um pilar da democracia. O problema está quando, como é um facto no reino do MPLA, a democracia não existe, ou existe de forma coxa e apenas formal, numa reminiscência da União Nacional de Salazar ou, talvez, do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, de Hitler.

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