A Berta está à porta ou a porta está aberta?

O relatório Liberdade no Mundo 2021 da organização não governamental Freedom House, com sede em Washington, coloca Angola como único País Africano de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) no grupo de Estados não livres, enquanto Moçambique e Guiné-Bissau integram o grupo de países parcialmente livres e Cabo Verde e São Tomé e Príncipe no de países livres.

Em Outubro do ano passado, o relatório “The Global Expression Report 2019/2020: The state of freedom of expression around the world”, divulgado pela organização internacional Article 19, numa análise a 25 indicadores em 161 países para elaborar um marcador geral com que pontua a liberdade de expressão numa escala de 1 a 100, colocava Angola (aquele reino governado há 45 anos pelo mesmo partido, o MPLA) na posição 104.

A classificação, onde a Dinamarca lidera, seguida da Suíça e Noruega, e a Coreia do Norte é o último da lista, agrupa os países dentro de cinco categorias: em crise, muito restringidos, restringidos, menos restringidos e abertos.

Os países escandinavos ocupam quatro das seis primeiras posições, sendo o Canadá (em 4.º lugar) o único país não europeu no ‘top 10’, no que respeita à liberdade de expressão aberta.

Numa análise aos PALOP e Timor-Leste, que constam do ranking, os timorenses ocupam a melhor posição, em 54.º lugar, com liberdade de expressão menos restringida.

Moçambique ocupa o 81.º lugar e o Brasil a 94.ª posição, com liberdade de expressão categorizada como restringida. Angola fica em 104.º lugar, com aquele direito classificado de muito restringido. A título de curiosidade, também Hong Kong tem a mesma classificação que Angola, ocupando o 111.º lugar.

“Na esteira da pandemia Covid-19, enfrentamos um reequilíbrio global da relação entre indivíduos, comunidades e o Estado. Desde Dezembro de 2019, assistimos ao redesenhamento do mundo em inúmeras maneiras: as fronteiras aumentaram, a vigilância aumentou e o movimento foi drasticamente reduzido”, lê-se no relatório.

Durante a actual pandemia, “houve estados de emergência declarados em 90 países, criando situações legislativas excepcionais que têm permitido limitações de direitos e liberdades, foram mais de 220 as medidas e políticas globais que restringem a expressão, reunião, e informação, com evidências que as eleições também estão a ser vítimas de manipulação sob pretexto de protecção da saúde pública”, prossegue.

Além disso, “mais de metade da população mundial – cerca de 3,9 mil milhões de pessoas – vivem em países onde a liberdade de expressão está em crise: o nível mais alto de sempre. O declínio a longo termo tende a ser em países com líderes democraticamente eleitos que mantiveram o poder por longos períodos e que lentamente corroeram as instituições democráticas”.

“A liberdade de expressão global está em declínio, actualmente no mínimo numa década”, sublinha.

Aponta também que, “entre os receios de desinformação na crise da saúde”, a regulação dos media “tornou-se mais rígida, com a tendência das ‘fake news’ a assumir novas proporções à medida que os governos usam a crise sanitária como desculpa para restringir ainda mais” liberdade de expressão.

O relatório denuncia que o “poder sobre a liberdade de expressão é cada vez mais consolidado nas mãos de algumas redes sociais, embora o foco das autoridades continue a cair no policiamento dos utilizadores, em vez de garantir que as plataformas e empresas respeitam os direitos humanos”.

Panos ruins, peixe podre, fuba podre e…

Em Outubro de 2020 o Presidente da República enalteceu o facto de Angola subir 15 pontos, em três anos, no ranking da liberdade de imprensa, como referiu – prematuramente – a organização Repórteres Sem Fronteiras. É, de facto, obra. E com a Palanca TV e TV Zimbo (entre outros) a dar uma ajuda, vamos subir, em breve, aí uns 100 lugares. E se juntarmos – o que é mais do que justo – a agora anunciada pelo MPLA “pontual” revisão da Constituição, então ninguém nos segura. Vamos mesmo ser os primeiros no mundo a saber viver sem… comer.

João Lourenço, que discursava na Assembleia Nacional sobre o Estado da (sua) Nação, enfatizou a ocupação por Angola da 106ª posição no ranking da liberdade de imprensa, na edição/2019, compilada pela Repórteres Sem Fronteiras.

O Presidente destacou a política de modernização tecnológica e de reforço de infra-estruturas das empresas e institutos públicos do sector da Comunicação Social, visando garantir um maior e melhor desempenho dos profissionais e aumentar a quantidade e qualidade dos serviços prestados aos utentes.

Segundo João Lourenço, estava em preparação a Política Nacional de Comunicação Social, que vai implicar a reforma nos modelos e serviços de comunicação social públicos, de forma a propiciar maior qualidade e eficiência no processo de comunicação dos agentes, órgãos e serviços do Estado. Supostamente, a iniciativa visa conferir um maior conhecimento da acção governativa e dos valores éticos, culturais e históricos de Angola. Ou seja, querem que passemos todos a ser correias de transmissão do Departamento de Informação e Propaganda do MPLA.

João Lourenço fez alusão à adequação do pacote legislativo, como imperativo para um maior exercício da liberdade de imprensa pela classe de jornalistas, com vista a maior isenção e independência na produção de informação e maior responsabilidade no exercício da profissão. Para quem não sabe (e o Presidente e os seus peritos não sabem) a diferença entre informação e Jornalismo, não está mal.

O Chefe de Estado disse também que Angola subiu 19 pontos e melhorou a sua pontuação no Índice de Percepção da Corrupção da Transparência Internacional, de 2019, divulgada em Janeiro de 2020, saindo da posição 165 para a 146.

Não tenhamos medo das palavras e das verdades. Um jornalismo mais sério, baseado no patriotismo, na ética e na deontológica profissional, é o que o Governo do MPLA quer. A tese (adaptada do tempo de partido único) é do ex-secretário de Estado do sector, Celso Malavoloneke.

O Governo quer formatar o que a comunicação social diz. Esse era e continua a ser o diapasão do MPLA. Mesmo maquilhado, o MPLA não consegue separar o Jornalismo do comércio jornalístico e da propaganda.

Mas, afinal, quem é o Presidente do MPLA, da República e Titular do Poder Executivo, para nos vir dar lições do que é um “jornalismo mais sério, baseado no patriotismo, na ética e na deontológica profissional”? Mas afinal, para além dos leitores, ouvintes e telespectadores, bem como dos eventuais órgãos da classe, quem é que define o que é “jornalismo sério”, quem é que avalia o “patriotismo” dos jornalistas, ou a sua ética e deontologia? Ou, com outros protagonistas e roupagens diferentes, estamos a voltar (se é que já de lá saímos) ao tempo em que patriotismo, ética e deontologia eram sinónimos exclusivos de MPLA?

Então vamos qualificar os jornalistas para que eles, atente-se, “estejam aptos para corresponder às expectativas do Governo”? Ou seja, serão formatados para serem não jornalistas mas meros propagandistas ao serviço do Governo, não defraudando as encomendas e as “ordens superiores” que devem veicular.

Relembre-se que o Presidente da República, João Lourenço, no seu primeiro discurso de tomada de posse, orientou para que se prestasse uma atenção especial à Comunicação Social e aos jornalistas, para que, no decurso da sua actividade, pautem a sua actividade pela ética, deontologia, verdade e patriotismo.

Sejam implementadas as teses do actual MPLA, que ao fim e ao cabo pouco diferem das do anterior MPLA, a não ser na embalagem, e os servidores públicos podem estar descansados que não haverá lugar a críticas da Comunicação Social.

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