Em Setembro de 2019, o Ministério da Defesa de Angola e unidades adstritas à Casa de Segurança do Presidente da República divulgaram a abertura de concurso limitado para a compra de géneros alimentares, produtos de higiene e asseio pessoal de produção nacional, no quadro das aquisições relativas a 2020.
Recorde-se que João Lourenço decretou que dois dos projectos de desenvolvimento agro-pecuário resgatados em Outubro de 2018 a cinco empresas detidas pelo Fundo Soberano, à data gerido pela Quantum Global, fossem entregues às Forças Armadas Angolanas (FAA).
O concurso foi realizado na plataforma electrónica das Compras Públicas e compreendeu duas fases, uma destinada à qualificação dos candidatos e a outra para a avaliação e adjudicação das propostas.
A entidade contratante é a Simportex, destinando-se, os fornecimentos, às seis regiões militares e às unidades adstritas à Casa de Segurança do Presidente da República, formando sete lotes. A participação no concurso estava condicionada à apresentação do comprovativo de pagamento do valor de 250 mil kwanzas a favor do Tesouro.
Regressemos aos projectos de desenvolvimento agro-pecuário das FAA. Em causa estavam o Projecto de Desenvolvimento Agro-pecuário do Manquete, na província do Cunene, e a Fazenda Agro-industrial de Camacupa, na do Bié.
As concessões foram resgatadas a cinco empresas criadas em 2015 e ligadas à Quantum Global a 1 de Outubro de 2018 e entregues aos ministérios da Agricultura e Florestas e ao das Finanças, tendo sido em Junho de 2019 transferidas para o da Defesa.
No decreto, João Lourenço autoriza a transferência da tutela patrimonial, considerando que as fazendas “apresentam um potencial estratégico” para o desenvolvimento agro-pecuário nas FAA, “pois a gestão profícua permitirá às Forças Armadas atingirem a auto-suficiência em alguns produtos agrícolas e de origem animal”.
A 1 de Outubro de 2018, o decreto presidencial indicou que as fazendas eram resgatadas a favor do Estado “para posterior privatização em concurso público internacional”, acabando – dando o dito por não dito (o que já é uma marca identitária desta governação) – por serem entregues às Forças Armadas.
O Presidente da República (João Lourenço), estribado no parecer favorável do Titular de Poder Executivo (João Lourenço) e corroborado pelo Presidente do MPLA (João Lourenço) alegou incumprimento do Fundo Soberano de Angola, então liderado por José Filomeno dos Santos, para retirar a concessão atribuída pelo chefe de Estado anterior, José Eduardo dos Santos, para a gestão de seis fazendas públicas.
Enquanto vice-presidente do MPLA e ministro da Defesa, João Lourenço não viu nenhum incumprimento. Ainda não tinha ido, presume-se, ao oftalmologista.
A informação consta de um decreto assinado Presidente, João Lourenço, de 1 de Outubro, que resgatava “a favor do Estado” (no caso e desde 1975 é sinónimo de MPLA), e para posterior – recorde-se – privatização em concurso público internacional, aquelas fazendas.
A decisão visou a administração de José Filomeno dos Santos, que liderava o FSDEA quando, em 2016, o pai e então chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, atribuiu ao fundo a gestão daqueles empreendimentos agro-industriais.
O decreto presidencial recorda um outro documento, assinado por José Eduardo dos Santos, de Maio de 2016, que então aprovou, por decreto, a concessão de projectos de desenvolvimento agrícolas, agro-pecuários e agro-industriais de fazendas do Estado de larga dimensão a sociedades comerciais e que autorizou o FSDEA “a deter a totalidade do capital das sociedades concessionárias”.
Contudo, lê-se, não foram “observados os princípios e as normas” estabelecidas no decreto de 2016, “como as cláusulas, as obrigações e requisitos cumulativos previstos nos contratos para a sua entrada em vigor, nomeadamente da detenção do capital social”, de forma directa ou indirecta pelo FSDEA, ou ainda “o registo de todo o património em nome do Estado”.
Estas seis fazendas faziam parte da carteira de investimentos gerida — em representação do fundo soberano – pela empresa Quantum Global, fundada e liderada pelo suíço-angolano Jean-Claude Bastos de Morais.
Em causa estavam algumas das maiores fazendas do país, construídas com investimento público. Foram resgatadas a favor do Estado as fazendas do Longa (província do Cuando Cubango), cuja gestão estava entregue à sociedade Cakanduiwa, a de Camaiangala (Moxico), à Kadianga, a do Cuimba (Zaire), à Cakanyama, a do Manquete (Cunene), à Makunde, a de Camacupa (Bié), à Agri-Gakanguka, e a de Sanza Pombo (Uíge), também à Cakanyama. Totalizam cerca de 70.000 hectares e concentram a produção em grãos, oleaginosas e arroz.
Estas fazendas, estabelece o documento assinado pelo Presidente, passariam a estar sob a responsabilidade do Ministério da Agricultura e Florestas e do Ministério das Finanças, “que devem preparar as condições técnicas para a sua privatização às entidades dotadas de capacidade técnica e financeira, mediante concurso público internacional”, face à “necessidade de se dinamizar e operacionalizar” a produção.
No decreto em que José Eduardo dos Santos autorizou em 2016 a entrega da gestão das fazendas ao FSDEA, liderado à data pelo filho, estava prevista uma concessão inicial por 60 anos, renovável por períodos de 30 anos. Também estava previsto que o Fundo Soberano assumisse a totalidade do capital social das empresas que receberam aquela gestão, mas que pertenciam à Quantum Global.
Ao contrário de João Lourenço, o Folha 8 foi à luta
Vejamos, a título de exemplo, um dos muitos artigos que o Folha 8 publicou sobre o assunto. Este é de 19 de Setembro de 2017 e tinha o título: “Viva o clã Dos Santos. Ámen”:
«O Fundo Soberano de Angola (FSDEA), dirigido por José Filomeno do Santos, filho de sua majestade emérita (José Eduardo dos Santos) alcançou, em 2016, um resultado líquido de 44 milhões de dólares (36,8 milhões de euros) e uma redução de despesas operacionais de 40% comparativamente a 2015.
Em comunicado de imprensa, o FSDEA refere que foi realizada, pelo quarto ano consecutivo, uma auditoria pelas empresas Deloitte e Touche, que realça o alcance de lucros, pela primeira vez, em menos de quatro anos do início das operações, em Outubro de 2012.
A nota sublinha que os rendimentos resultam de uma “política de investimento prudente e do retorno positivo dos investimentos no ramo da agricultura e das infra-estruturas”.
Em 2016, os activos totais do FSDEA passaram de 4,75 mil milhões de dólares (3,9 mil milhões de euros), em 2015, para 4,99 mil milhões de dólares (4,1 mil milhões de euros), em 2016, tendo 58% da carteira total sido dedicada a activos na África subsariana, 10% na América do Norte, 12% na Europa e 20% no resto do mundo.
Os investimentos líquidos espelham ainda um resultado de 22 milhões de dólares (18,4 milhões de euros), enquanto os investimentos líquidos de rendimento fixo estão avaliados em 1,1 mil milhões de dólares (920,6 milhões de euros), representando 22% da carteira total.
Relativamente aos investimentos líquidos de rendimento variável estão avaliados 695 milhões de dólares, uma representatividade de 14% da carteira total, e os investimentos de “private equity” (participações privadas) aumentam, desde 2015, 0,26 mil milhões de dólares.
De acordo com o comunicado, os principais ganhos dos sete fundos de investimentos dedicados a ‘private equity’ registam-se no Fundo para Agricultura (0,11 mil milhões de dólares) e no Fundo para Infra-estrutura (0,18 mil milhões de dólares), que contrapõem a depreciação de capital de 30 milhões de dólares registadas nos cinco fundos restantes.
Dos 2,7 mil milhões de dólares dedicados a investimentos de ‘private equity’, 433 milhões de dólares estão investidos em Angola e na região da África subsariana, estando as despesas internas de operação 40% mais baixas que as de 2015.
O FSDEA informa ainda que em 2016, não foi realizada nenhuma dotação adicional de capital pelo executivo angolano.
No que diz respeito aos resultados alcançados, o presidente do Conselho de Administração do FSDEA, José Filomeno dos Santos, citado no comunicado, destaca o facto de aquele principal fundo do país ter alcançado a rentabilidade financeira em menos de três anos de actividade, “apesar do contexto difícil de investimento que se regista internacionalmente desde 2013”.
Para José Filomeno dos Santos, “os ganhos de capital dos activos do FSDEA confirmam um progresso inquestionável na implementação da política de investimento traçada pelo executivo angolano”.
“Orgulhamo-nos pela valorização registada nos investimentos de ‘private equity’ nos ramos da infra-estrutura e da agricultura, onde predominam activos importantes para a República de Angola, como o primeiro porto de águas profundas de Cabinda e as fazendas agro-pecuárias de larga escala”, disse o responsável, acrescentando que, em 2016, estes activos contribuíram bastante para os resultados líquidos do FSDEA.
O comunicado refere que, em 2015, o FSDEA foi autorizado pelo Ministério das Finanças de Angola a implementar um processo gradual de adopção das Normas Internacionais e Relato Financeiro (IFRS), um processo concluído em 2016.
“O Fundo Soberano de Angola é a primeira instituição angolana a demonstrar o elevado nível de exigência, divulgação e transparência imposto pelas Normas Internacionais de Relato Financeiro”, realça a nota.
No âmbito da acção social, o FSDEA dedica até 7,5% do seu capital para programas nessa área, “que têm produzido ganhos socioeconómicos para diversas comunidades e regiões de Angola”, através apoios à organizações não-governamentais que operam nos ramos da formação profissional, auto-sustento, acesso à água e serviços de saúde, que beneficiam populações de zonas remotas e periurbanas de Angola.
“Durante os próximos anos, alcançaremos uma valorização crescente dos fundos de ‘private equity’ nos ramos da infra-estrutura e da agricultura e prevemos que os restantes cinco fundos alcançarão o equilíbrio financeiro”, disse José Filomeno dos Santos.
“Em geral, o Fundo Soberano de Angola apresenta hoje resultados satisfatórios, face ao contexto macroeconómico nacional difícil, marcado pela desvalorização da moeda e a volatilidade do preço internacional do petróleo bruto”, salientou o responsável, observando que o fundo “já se encontra bem posicionado para continuar a crescer”».
Se Sua Excelência o Presidente da República, Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo quiser, o Folha 8 poderá remeter-lhe o que escreveu sobre este e outros temas que, hoje, merecem a sua concordância mas sobre os quais esteve em conivente e criminoso silêncio quando nós éramos (com a sua conivência) atirados às feras.