A empresária Isabel dos Santos acusou esta terça-feira Angola e Portugal de terem usado como prova no arresto de bens um passaporte falsificado, com assinatura do mestre do kung-fu e actor de cinema já falecido, Bruce Lee.
Segundo um comunicado da empresária, o Estado angolano terá usado como prova para fazer o arresto preventivo de bens “um passaporte grosseiramente falsificado, com uma fotografia tirada da Internet, data de nascimento incorrecta e uso de palavras em inglês, entre outros “sinais de falsificação”.
“Os factos e imagens falam por si . A verdade hoje chega ao de cima sobre o fraudulento processo de arresto, baseado em provas forjadas e falsificações. Contra factos não há argumentos. Um “Passaporte Falso” foi dado pelo Tribunal como sendo meu”, afirma Isabel dos Santos.
O passaporte em causa terá sido usado como prova em tribunal pela Procuradoria-Geral da República de Angola para demonstrar que Isabel dos Santos pretendia ilegalmente exportar capitais para o Japão, alega a filha do antigo Presidente angolano José Eduardo dos Santos e alvo a “abater” na suposta luta contra a corrupção encetada por João Lourenço.
A empresária acusa a PGR que desde sempre foi uma sucursal do MPLA e não um organismo independente ao serviço de Angola, de fazer uma “utilização fraudulenta do sistema de justiça de Angola” para se apoderar do seu património empresarial e apela à justiça portuguesa, que decidiu cooperar servil e cegamente com Angola, e executou vários arrestos em Portugal, para que “à luz desta denúncia e de outras que se seguirão, “reavaliar estas execuções às cegas”.
Independentemente das teses da PGR angolana e de Isabel dos Santos, parece cada vez ais claro que todo o processo, para além de mostrar que os seus pés de barro estão a desmoronar-se, é um acerto de contas mal feito e politicamente letal para as partes envolvidas.
“Arrestar não só os bens pessoais, como o produto de contas bancárias, mas os activos que constituem o império económico e financeiro de Isabel dos Santos em Portugal, como a NOS, o EuroBic ou a Efacec, é fundamental para começar a desmontar este império sujo que Isabel dos Santos criou com enorme cumplicidade das autoridades políticas e regulatórias portuguesas”, afirmou João Paulo Batalha, presidente da direcção da Associação Cívica Integridade e Transparência, no dia 15 de Abril à DW, comentando a decisão da justiça portuguesa, tomada em Março, de congelar as participações da filha do ex-Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, em empresas como a NOS e Efacec.
Para João Paulo Batalha, este é um passo importante para evitar que Isabel dos Santos fuja com o referido património e se ponha a salvo da justiça, quer portuguesa quer angolana. Em Janeiro deste ano, as autoridades angolanas solicitaram a colaboração da justiça portuguesa para o arresto das participações que Isabel dos Santos detém nas sociedades NOS, Efacec e no Eurobic, como via para obter garantia de retorno patrimonial de 1,2 mil milhões de dólares (cerca de 1,15 milhões de euros).
Certo é que este é um imbróglio que não consegue separar o que é da justiça e o que é da política: De certa forma, a justiça portuguesa está a ser instrumentalizada pela PGR de Angola, porque, por exemplo, em Angola, as empresas da Isabel dos Santos não estão a sofrer um tratamento nem sequer aproximado do que a justiça portuguesa está a fazer com as suas empresas.
Em Abril, a Winterfell, empresa de Isabel dos Santos que controla a Efacec, acusou a justiça angolana de provocar “danos injustificáveis” às empresas portuguesas e estar a usar indevidamente a justiça em Portugal para “fins não legais e desproporcionais”.
Em comunicado citado pela agência Lusa, a empresa salientou que a justiça angolana, além de ter arrestado bens num valor superior ao suposto crédito reclamado a Isabel dos Santos (1,1 mil milhões de euros), dá um tratamento diferente a empresas portuguesas e angolanas, solicitando medidas judiciais em Portugal que não foram aplicadas em Angola.
Como exemplo, a Winterfell lembra que, em Angola, “o procurador não solicitou o bloqueio das contas das empresas, nem impediu que fossem pagos salários, rendas, impostos, água e luz”, enquanto em Portugal “pediu o bloqueio das contas, impedindo-as de operar e forçando a sua insolvência, levando ao despedimento de uma centena de trabalhadores”, situação agravada pela crise decorrente da pandemia de Covid-19.
A PGR angolana deu um passo maior do que a perna e agora não sabe como é que há-de descalçar a bota. E, portanto, está de alguma forma a tentar que a justiça portuguesa faça o trabalho que ela não consegue fazer.
O próprio processo movido contra Isabel dos Santos é um processo juridicamente mal feito e que politicamente tenta mostrar uma realidade que, de facto, não corresponde aos factos. Quer o Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa, quer a justiça portuguesa, em geral, não têm a noção de que este é um caso político, um acerto de contas mal feito por parte da PGR angolana.
João Paulo Batalha nas declarações à DW mostrou-se esperançado que seja possível devolver ao povo angolano grande parte dos activos desviados, mas considera também fundamental investigar a origem da fortuna de Isabel dos Santos e os crimes de corrupção, de favorecimento e de branqueamento de capitais que eventualmente lhe são imputados, respectivamente em Angola e Portugal. O presidente da Integridade e Transparência considera que a justiça portuguesa continua a agir de forma tímida e pede mais investigação sobre as cumplicidades políticas e económicas que permitiram à filha primogénita de José Eduardo dos Santos ser tão bem recebida em Portugal e acumular o seu vasto património.
Em causa, afirmou, estão “as responsabilidades não só de Isabel dos Santos, mas de toda esta rede que a ajudou a montar todo este império e que continua provavelmente activa no apoio a outras altas figuras do Estado angolano”, também elas com fortunas de origem suspeita ou desconhecida e que continuam a fazer negócios e a trazer para Portugal muita riqueza acumulada de forma suspeita.
Recentemente, a plataforma Projecto de Investigação ao Crime Organizado e Corrupção (OCCRP, sigla em inglês), revelou que mais de uma dezena de entidades de influência da elite angolana e seus familiares usaram o sistema bancário para desviar centenas de milhões de dólares para fora do país, incluindo companhias alegadamente associadas a Isabel dos Santos.