O Estado angolano (desde 1975 é sinónimo de MPLA) confiscou a televisão Zimbo, a rádio Mais, o jornal O País e a revista Exame. Será que esta recuperação de activos vai estender-se a Portugal, ou aos EUA? Será que vai ser levada até às últimas consequências, o que implicaria analisar o património de João Lourenço e do próprio MPLA?
Por Orlando Castro
Acabar com a corrupção (roubar o que é de todos para benefício de alguns é corrupção) no reino do MPLA seria como acabar com as vogais na língua portuguesa. Essa peregrina ideia de querer pôr, em Angola, os corruptos a lutar contra a corrupção é digna dos bons alunos que o regime do MPLA formou e formatou ao longo de 45 anos.
O combate à corrupção em Angola apresenta resultados mais baixos do que seria de esperar? Essa de chamar combate à fantochada do reino do MPLA, há quase três anos sob o comando de um puro exemplar do que é o MPLA, João Lourenço, não passa de uma piada de belo efeito mediático.
O combate à corrupção não passa de um nado-morto porque, a existir de facto, levaria ao confisco de todos os bens do MPLA/Estado, ele próprio gerado, parido e alimentado pela corrupção.
Nenhum Governo angolano (sendo que todos eles foram do MPLA) até hoje estabeleceu, objectivamente, uma política de combate à corrupção, limitando-se apenas a enumerar um conjunto de considerandos vagos, de intenções simbólicas, de formas eufemísticas que mais não são do que atestados de menoridade a todos nós. Passar os jacarés do Kwanza para o Cunene não os torna vegetarianos.
Mas do que é que estávamos à espera? Que os corruptos lutassem contra a corrupção que, aliás, é uma das suas mais importantes mais-valias? Mudar alguns corruptores não significa combater a corrupção porque esta é, há 45 anos, a mais segura estratégia para se ser milionário, para se ser dono de escravos.
Os angolanos, na generalidade e em teoria, são contra a corrupção, mas no dia-a-dia acabam por pactuar (até por questões de mera sobrevivência) com ela. Por isso continuamos sem saber como é que se pode combater algo que, em sentido lato, já é uma instituição identitária e genética do regime e do partido que o forma, o MPLA. Falha nossa, certamente.
João Lourenço já disse que viu roubar, participou nos roubos, beneficiou dos roubos. No entanto, garante que apesar disso tudo não é ladrão… Haverá melhor definição do que é há 45 anos o MPLA/Estado?
Recentemente o Jornal Expansão revelou que o presidente da Assembleia Nacional (NA), Fernando da Piedade Dias dos Santos “Nandó” recebia um subsídio de renda de casa de 17 milhões de kwanzas por mês.
Segundo o director do Gabinete de Comunicação e Imagem da Assembleia Nacional, foi tudo uma gralha da AN. Mais ou menos como dizer que “Nandó” tinha dormido com o José Maria quando ele dormira com a Maria José.
“Quanto a um possível subsídio atribuído ao presidente da Assembleia Nacional, o que ocorreu foi uma gralha técnica que resultou na inserção do montante ao qual está referenciado como sendo subsídio de renda de casa, quando deveria ser serviços de manutenção e de conservação”, refere a anedótica nota da AN.
Assim, a pedagógica nota da Assembleia Nacional integrará, com efeitos retroactivos a 1975, a jurisprudência do MPLA. Por exemplo: a Polícia matou a tiro, recentemente, um jovem de 16 anos que com os irmãos circulava nas ruas da capital de um país que também eles julgavam ser o seu.
O que se passou foi “uma gralha técnica que resultou na inserção” de balas nas armas quando, segundo as instruções do ministro Eugénio Laborinho, deveriam ter sido municiadas com rebuçados e chocolates.
Também é falso que João Lourenço tenha visto roubar, tenha participado nos roubos, tenha beneficiado dos roubos. Tudo não passou de “uma gralha técnica que resultou na inserção” errada dos verbos ver, participar e beneficiar.
João Lourenço esbanja para seu proveito próprio (e respectivo séquito bajulador) dinheiro que é tirado do erário público? Esbanja. Se não esbanja, alegaremos que se trata de “uma gralha técnica que resultou na inserção” errada dos verbo esbanjar.
A Angola de João Lourenço é um dos países mais corruptos do mundo e com lugar de destaque mundial a nível da mortalidade infantil? É. No entanto, se não for… alegaremos que se trata de “uma gralha técnica que resultou na inserção” errada da… verdade.
Na Angola de João Lourenço, 68% da população é afectada pela pobreza, a taxa de mortalidade infantil é das mais altas do mundo, apenas 38% da população tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico. Esta é a verdade. Mas se der para o torto, alegaremos que se tratou de “uma gralha técnica que resultou na inserção”… de qualquer coisa.
Na Angola de João Lourenço apenas um quarto da população tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade, 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, há falta de pessoal e carência de medicamentos. É verdade. Mas se der para o torto, alegaremos que se tratou de “uma gralha técnica que resultou na inserção” de dados referentes ao Burkina Faso.
Na Angola de João Lourenço 45% das crianças sofrem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos, que a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos. É verdade. Mas se der para o torto, alegaremos que se tratou de “uma gralha técnica que resultou na inserção” indevida de dados… verdadeiros.
Na Angola de João Lourenço o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder. É verdade. Mas se der para o torto, alegaremos que se tratou de “uma gralha técnica que resultou na inserção” de elementos que não foram visados pela censura da PIDE… ou do MPLA (a escola foi a mesma).
A paciência tem limites (não é gralha)
Recordar-se-á João Lourenço que o seu partido/Estado garantiu que “o Governo iria materializar o estabelecido nos instrumentos jurídicos, nacionais e internacionais, aplicáveis à protecção e à promoção dos direitos inalienáveis da pessoa humana e da criança em particular”?
Como anedota até não esteve mal. Mas a questão das nossas crianças não se coaduna com os histriónicos delírios de um regime esclavagista que as trata como coisas.
O Governo de João Lourenço, tal como o de José Eduardo dos Santos, é signatário da Convenção sobre os Direitos da Criança e por isso Angola adoptou e incorporou na legislação nacional os princípios estabelecidos naquele instrumento jurídico internacional, no que diz respeito à garantia da sobrevivência e ao bem-estar das crianças.
Assinar convenções, o governo assina, não é senhor general João Lourenço? Cumpri-las é que é uma chatice. Por alguma razão, por cada 1.000 nados vivos morrem em Angola 156,9 crianças até aos cinco anos, apresentando por isso uma das mais altas taxas de mortalidade.
O Governo garante que tem adoptado medidas administrativas, legislativas e de outra natureza, com vista à implementação dos direitos da Criança universalmente reconhecidos e plasmados na Constituição da República, sem distinção de sexo, crença religiosa, raça, origem étnica ou social, posição económica, deficiência física, lugar de nascimento ou qualquer condição da criança, dos seus pais ou dos seus representantes legais.
Muito gosta o regime de João Lourenço de gozar com a nossa chipala, fazendo de todos nós um bando de malfeitores matumbos. Como se não soubéssemos que as nossas crianças são geradas com fome, nascem com fome e morrem, pouco depois, com fome. Isto, é claro, enquanto o rei-presidente do reino do MPLA, aterrou nas Astúrias (recordam-se?) a bordo de “um avião de 320 milhões, com um luxo jamais visto na região, e um séquito gigante”.
“Angola registou avanços consideráveis com o estabelecimento de um quadro legal de referência para a promoção e defesa dos direitos da criança em vários domínios, designadamente com a adopção da Lei sobre a Protecção e Desenvolvimento Integral da Criança, que incorpora os princípios da Convenção dos Direitos da Criança e da Carta Africana e os 11 Compromissos para a Criança, que se constituem, de facto, no núcleo de uma agenda nacional para a criança angolana”, lia-se num dos documentos que acompanham João Lourenço nas suas nababas viagens pelo mundo.
O Governo do reino nababo afirma igualmente que a materialização dos Planos de Reconstrução e Desenvolvimento Nacional, associados às Políticas e Programas de Protecção Social, têm favorecido a melhoria das condições de vida da população e, consequentemente, das crianças angolanas.
Será por isso, senhor general e emérito Presidente João Lourenço, que a esperança média de vida à nascença em Angola cifrou-se nos 52,4 anos, apenas à frente da Serra Leoa, com 50,1 anos?
Diz o regime de João Lourenço que, apesar das condições conjunturais difíceis por que passa a economia nacional e internacional, o Governo vai continuar a desenvolver esforços significativos para reconstruir os sistemas e infra-estruturas sociais, para aumentar a oferta, cobertura e qualidade dos serviços de saúde materno-infantil, para a expansão da educação e para a implementação dos programas de vacinação, de água potável e saneamento, a fim de se verificarem progressos substanciais no Índice de Desenvolvimento Humano.
Convenhamos que João Lourenço apenas está a fazer o que sempre fez, embora agora tenha todos os poderes. Ou seja, preocupar-se com os poucos que têm milhões para que tenham mais milhões. Quanto aos milhões que têm pouco ou nada, que aprendam a viver sem… comer.
João Lourenço, o mais alto magistrado do país comprado pelo MPLA, tenta convencer-nos que é diferente, que com ele tudo será diferente, que tem as mãos limpas. Acreditamos. E porque acreditamos tomamos a liberdade de perguntar por onde andou nas últimas décadas o general João Lourenço?
Além disso, os angolanos gostariam de conhecer a declaração de rendimentos de João Lourenço, bem como do seu património, incluindo rendimentos brutos, descrição dos elementos do seu activo patrimonial, existentes no país ou no estrangeiro, designadamente do património imobiliário, de quotas, acções ou outras partes sociais do capital de sociedades civis ou comerciais, carteiras de títulos, contas bancárias a prazo, aplicações financeiras equivalentes.
Gostariam de conhecer a descrição do seu passivo, designadamente em relação ao Estado, a instituições de crédito e a quaisquer empresas, públicas ou privadas, no país ou no estrangeiro.
Gostariam de conhecer a declaração de cargos sociais que exerce ou tenha exercido no país ou no estrangeiro, em empresas, fundações ou associações de direito público.
Isto é o essencial do ponto de vista político, moral e ético. O acessório é tudo o resto. E até agora, tanto quanto é público, João Lourenço só deu a conhecer o… resto.