MPLA transferiu a porrada para Cabinda

Uma manifestação em Cabinda terminou com a detenção de nove pessoas, disse o advogado e activista de direitos humanos, Arão Bula Tempo. Entre os detidos pelo Polícia de Angola encontram-se dois dos seus filhos, adiantou.

A marcha, convocada por um grupo de activistas defensores dos direitos humanos e membros da sociedade civil de Cabinda, não foi autorizada pelo Governo da província, que desta vez invocou as medidas de contenção da pandemia de Covid-19 para justificar a proibição, cumprindo com as ordens baixadas de Luanda pelo MPLA.

Os promotores da manifestação, cujo objectivo era contestar a “degradação social, económica e da saúde pública” decidiram, no entanto, manter a iniciativa por ser “um direito consagrado na Constituição”. Esqueceram-se que se a Constituição em Angola só é para respeitar quando dá jeito, em Cabinda é ainda pior.

Apesar da chuva, os manifestantes “marcharam descalços” até o protesto ser “interrompido pela força repressiva da polícia”, referiu Arão Tempo, indicando que dois dos manifestantes foram “torturados”.

“Mantive contacto com o comandante, disse-lhes que não havia razões constitucionais que permitissem a detenção dos cidadãos indefesos e com direitos consagrados na Constituição”, acrescentou, afirmando ter recebido garantias de que seriam soltos, com a obrigação de pagar uma multa de 15.000 kwanzas (19 euros) no prazo de 72 horas.

Numa carta dirigida ao governador da província de Cabinda, subscrita por 42 pessoas (se é que para o MPLA ser Cabinda é ser pessoa) e divulgada na quarta-feira, os manifestantes referiram que a situação sobre a qual pretendiam protestar “perdura há 45 anos”, sem que o Governo tenha cumprido as suas garantias e promessas de intervenção.

O desemprego, a pobreza profunda, as mortes devido à fome, os constrangimentos ou impedimentos da liberdade de expressão, da cidadania, os julgamentos e condenações injustas e outros direitos fundamentais constam da lista de problemas que levaram ao protesto. O documento exigia igualmente o diálogo “para a pacificação do território de Cabinda”.

Os activistas estavam no Largo 1º de Maio da cidade de Cabinda, e preparavam-se para a manifestação que também visava pedir a libertação dos três activistas políticos detidos desde 28 e 30 de Junho e apelar para a paz em Cabinda. A Polícia Nacional decidiu levá-los para o Serviço de Investigação Criminal (SIC).

Constam da lista dos activistas detidos, entre outros, Alexandre Kuanga Nsito, Alexandre Kasu, e João Alexandre, Mateus Muanda Tempo, Luciano Muanda e Alfredo Valdemiro Ledi.

A cidade de Cabinda despertou esta manhã com um número elevado de efectivos da Polícia de Intervenção Rápida – PIR em todas as rotundas da cidade, e dispostos ao longo da rua que liga o Largo 1º de Maio ao salão Multiuso, onde devia terminar a manifestação. A cidade de Cabinda esteve hoje a ferro-e-fogo, mergulhada num clima de intimidação e de repressão, contrariando o direito de reunião e manifestação, previsto no artigo 47º da Constituição da República de Angola.

Mesmo sob pretexto do famoso Decreto Presidencial na sequência da Covid-19, os direitos e as liberdades fundamentais dos cidadãos de primeira (onde não se incluem Cabindas e Angolanos que não sejam do MPLA) não estão suspensos, nem tão pouco a Constituição angolana estipula discriminação ou desigualdade para Cabinda. Aliás, a emergência nacional mantém “os cidadãos livres e responsáveis, perante si e os demais; não isenta ninguém nem rebaixa ninguém”; e o Presidente da República de Angola, João Lourenço pronunciou-se recentemente sobre os direitos e liberdades fundamentais de quem ele considera serem cidadãos.

O território de Cabinda, anexado por Angola e transformado em sua província (tal como a Indonésia fez em relação a Timor-Leste), é um enclave delimitado pela República Democrática do Congo e pelo Oceano Atlântico, é palco de um conflito armado que a ONU reconhece, mas que o MPLA desconhece.

Em 30 de Agosto de 1999 aconteceu o referendo em Timor-Leste. O resultado desse referendo foi uma natural e estrondosa resposta que os timorenses deram à Indonésia e à comunidade internacional: sim, queriam ser livres, independentes, estar longe da identidade e da subjugação aos torcionários, carrascos e assassinos indonésios. Cabinda continua também à espera de um referendo para que o seu Povo possa dizer o que quer.

Livres do criminoso regime de Suharto – um general que para se impor no país já havia assassinado ao longo de anos dezenas de milhares dos seus compatriotas em todo o território herdado do colonialismo Holandês.

A resposta inequívoca dos timorenses no referendo foi de mais de 78% a favor da independência de Timor-Leste, a favor da libertação de Timor Lorosae do jugo dos invasores.

No dia 28 de Abril de 2011, a SIC-Notícias (Portugal) publicou – tal como muitos outros órgãos de comunicação social – o seguinte texto:

«O apoio de Portugal à realização de um referendo sobre o futuro do enclave angolano de Cabinda é muito importante, inclusive para que esta questão não seja esquecida, defende o jornalista Orlando Castro.

O jornalista abordou a questão do enclave de Cabinda, no livro “Cabinda, Ontem Protectorado, Hoje Colónia, Amanhã Nação”, a ser lançado na sexta-feira, em Lisboa, e no dia 5 de Maio, no Porto.

“O objectivo (do livro) é, de facto, alertar para a necessidade do povo de Cabinda ser ouvido quanto ao que pretende para o futuro da sua terra”, disse à Agência Lusa Orlando Castro.

Ao longo livro, o autor refere que recorreu a tratados estabelecidos entre Cabinda e Portugal antes do 25 de Abril, nomeadamente, o de Simulambuco, assinado em 1885 e que colocou Cabinda sob protectorado português.

“O objectivo do livro é também contribuir para que a questão de Cabinda não caia no esquecimento e que, sobretudo em Portugal, mas também em Angola, se compreenda que Cabinda não é, pelo menos do meu ponto de vista, uma província de Angola”, sublinhou o jornalista.

O livro também analisa, segundo o autor, “o que se passou na altura da independência de Angola (1975), em que Portugal não reconheceu o movimento, nomeadamente a FLEC (Frente de Libertação do Estado/Enclave de Cabinda), que lutava em Cabinda para que este estatuto de protectorado fosse reconhecido.”

“(O livro) traz uma visão crítica às principais personalidades portuguesas e angolanas que têm deixado o assunto cair no esquecimento, tentando passar uma esponja nos acordos que estavam em vigor na altura (da independência de Angola)”, declarou.

Segundo Orlando Castro, Portugal, através dos acordos de Alvor (assinados em 1975) reconheceu a independência angolana e violou acordos internacionais, tirando o direito do povo de Cabinda a ser considerado um território diferente de Angola.

“Portugal, enquanto ex-potência colonial, no caso de Angola, e que assinou os acordos de protectorado, no caso de Cabinda, não deveria esquecer que os direitos do povo de Cabinda não prescrevem e deveria fazer por Cabinda o que fez por Timor-Leste”, acrescentou.

De acordo com Orlando Castro, “Portugal deveria lutar por via diplomática e política para que houvesse um referendo em Cabinda, em que o povo pudesse escolher o seu futuro, eventualmente continuar como província de Angola, uma região autónoma, ou um país independente”.»

Nota: Orlando Castro é o nosso director-adjunto.

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