A LÍNGUA (O PORTUGUÊS) E A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

Investigadores científicos pedem às autoridades que promovam um plano de defesa da língua portuguesa no contexto da Inteligência Artificial, sob risco de a intermediação tecnológica do português ficar nas mãos das grandes tecnológicas.

Num abaixo-assinado que já tem meio milhar de subscritores — disponível em https://www.change.org/p/apelo-sobre-ia-para-a-língua-portuguesa – os autores pedem “às autoridades que desenhem e coloquem em prática um plano de preparação tecnológica da língua portuguesa para a era da Inteligência Artificial, com o apoio informado da comunidade científica especialista nesta área”.

“Para a democratização desta tecnologia, é vital um plano que favoreça o desenvolvimento e o acesso aberto a soluções em código aberto para a tecnologia da língua portuguesa, observando-se as devidas regulamentações”, pode ler-se no abaixo-assinado.

“Muito em breve, a utilização da língua portuguesa como a utilização de qualquer outra língua natural e vai ser feita através de uma intermediação tecnológica permanente”, que inclui transcrições automáticas de conversas telefónicas ou resumos de reuniões, explicou à Lusa António Branco, professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e um dos promotores deste abaixo-assinado.

Esse resumo poderá dar “sugestões de alterar o tom da voz, por exemplo”, explicou António Branco. A isso vai-se somar sistemas de tradução automática permanente no contacto com um estrangeiro.

Hoje, “essa técnica de intermediação tecnológica está concentrada em três ou quatro grandes empresas tecnológicas e, isso sim, é motivo de preocupação, porque cria uma dependência imensa e coloca em causa a autonomia cultural e a cidadania de digital” dos países, alertou.

Noutros países, já existe preocupação na defesa das línguas nacionais, como é o caso a Suécia ou dos Países Baixos ou mesmo da Eslovénia ou da Estónia, que investem em ferramentas de uso público para proteger os respectivos idiomas nacionais.

Em Portugal, no Brasil e nos restantes países de língua portuguesa, há “uma sensação de que ainda não há suficiente a consciência da importância deste assunto junto dos decisores e das autoridades”, acrescentou António Branco.

O abaixo-assinado resultou de um encontro de investigadores em Março na Galiza, denominado Propor, na 16.ª Conferência Internacional sobre o Processamento Computacional do Português.

“Em consequência do progresso da IA, e da Tecnologia da Linguagem em particular, encontramo-nos perante as promessas e os desafios inéditos de uma transformação civilizacional induzida por um choque tecnológico de alcance nunca antes experimentado”, escrevem os autores, recordando que “nenhuma área da actividade humana ficará imune a este choque tecnológico”.

Se a intermediação tecnológica da língua portuguesa “continuar assegurada apenas por um pequeno número de gigantes tecnológicas, essa dependência afunilada induzirá riscos e limitações inéditos à comunicação entre falantes, à cidadania digital e à autonomia cultural”, pode ler-se no manifesto.

Por isso, os autores defendem um plano definido pelos decisores políticos que tire “partido da projecção internacional do português como língua global multicêntrica e da sua convivência com outras línguas no espaço ibero-americano, africano e global, incluindo as línguas indígenas e o galego, assim como os idiomas de fronteira e de intercâmbio”.

A inteligência artificial (IA) é um campo da ciência da computação que desenvolve sistemas e tecnologias que realizam tarefas que, quando executadas por seres humanos, geralmente requerem inteligência. Tal inclui a capacidade de aprender, raciocinar, resolver problemas, compreender o ambiente e tomar decisões.

A IA utiliza algoritmos e modelos matemáticos complexos para criar sistemas que podem processar dados e informações, identificar padrões, aprender com experiências passadas e tomar decisões com base nesses dados.

“É uma importante tecnologia que está a passar por profundas transformações que afectarão a sociedade nas próximas décadas, conhecida globalmente como a quarta revolução industrial”, afirmam os professores do Instituto Superior Técnico, Arlindo Oliveira e Mário Figueiredo, no artigo “Artificial intelligence: historical context and state of the art” (Inteligência artificial: contexto histórico e estado da arte, em português).

De acordo os especialistas, a aplicação da inteligência artificial pode ser agrupada em duas grandes áreas:

Analítica. Associada à organização de informação sobre pessoas, organizações e processos (big data). Esta informação pode ser usada para fazer novas descobertas científicas ou optimizar o processo de design, manufactura, distribuição ou venda, “o que representa uma importante componente de outra área conhecida como indústria 4.0”, explicam.

Automação. Associada à substituição parcial ou total dos humanos em tarefas que exigem uso da inteligência. Esta área ainda tem “um impacto menor do que a analítica, mas crescerá nos próximos anos, à medida que as empresas e as instituições continuem a ser pressionados para se tornarem mais eficientes e reduzirem os custos”, prosseguem.

O conceito de IA começou a ser explorado na década de 1940, durante a Segunda Guerra Mundial, quando um grupo de cientistas começou a desenvolver máquinas capazes de simular o pensamento humano. Em 1950, Alan Turing publicou um artigo intitulado “Computer Machinery and Intelligence”, no qual se propunha a realizar um teste à inteligência das máquinas, chamado “The Imitation Game”. Dois anos depois Arthur Samuel, um cientista da computação, desenvolveu o primeiro programa de damas capaz de aprender o jogo de forma independente.

Porém, o termo “inteligência artificial” só foi utilizado pela primeira vez em 1955 por John McCarthy, um cientista da computação. Nas décadas seguintes o estudo foi progredindo, mas rapidamente se percebeu que os desafios eram maiores do que inicialmente se pensava, pois os programas de IA eram limitados na sua capacidade de lidar com a incerteza e a complexidade do mundo real.

O verdadeiro “boom” da inteligência artificial deu-se na primeira década dos anos 2000, com o desenvolvimento de computadores cada vez mais potentes, acessíveis e com grande quantidade de dados disponíveis (Big-Data). As pesquisas foram-se aprofundando, nomeadamente na área do Machine Learning, Redes Neurais Artificiais e as suas variações. Entre 2011 até 2014 começaram a surgir os assistentes virtuais, como a Siri, e, mais recentemente, o ChatGPT veio revolucionar esta área.

A IA permite que as máquinas aprendam com experiências, se ajustem à entrada de novos dados e realizem tarefas como os seres humanos. Segundo Arlindo Oliveira e Mário Figueiredo, esta área irá expandir-se nos próximos anos, transformando a maneira como vivemos, trabalhamos e interagimos.

A inteligência artificial é importante porque melhora a eficiência e a produtividade. Um dos benefícios mais significativos da inteligência artificial é o potencial de melhorar a eficiência e a produtividade em vários sectores. Por exemplo, na produção, os robôs alimentados por IA podem executar tarefas repetitivas e demoradas, libertando os trabalhadores humanos para se concentrarem em tarefas mais complexas. Da mesma forma, no sector da saúde, a IA pode ajudar a melhorar os resultados dos pacientes, simplificando as tarefas administrativas e permitindo que os profissionais médicos se concentrem na prestação de cuidados personalizados aos seus pacientes.

A IA pode fornecer recomendações personalizadas aos utilizadores. Esta ferramenta é particularmente importante em sectores como o comércio electrónico, marketing digital e entretenimento, onde as recomendações personalizadas podem ajudar a aumentar o envolvimento e a fidelidade do cliente. Por exemplo, plataformas como Amazon e Netflix recorrem a algoritmos de IA para recomendar produtos e conteúdo aos seus utilizadores com base no histórico de navegação e visualizações.

A IA também pode ajudar a tomar melhores decisões através de análises preditivas. Ao analisar grandes quantidades de dados, os algoritmos de IA podem identificar padrões e tendências que os humanos podem não perceber, fornecendo “insights” que podem ajudar na tomada de decisões.

A inteligência artificial pode desempenhar um papel fundamental na melhoria da segurança e protecção. Por exemplo, a tecnologia de reconhecimento facial alimentada por IA está a ser utilizada em espaços públicos e organizações privadas para identificar potenciais ameaças à segurança e impedir o acesso não autorizado.

A Inteligência artificial e Big Data estão intimamente interligadas. Big Data refere-se a grandes quantidades de informações reunidas por diversas fontes (como as redes sociais ou plataformas online) que, geralmente, são complexas e estão desestruturadas, tornando difícil para os seres humanos analisá-las e obter “insights” valiosos.

Os algoritmos de IA, por outro lado, são projectados para processar e analisar grandes volumes de dados de forma eficiente. Recorrem ao “machine learning” e ao “deep learning” para identificar padrões, correlações e tendências. Tal permite que a IA gere “insights” valiosos e faça previsões ou recomendações com base nos dados.

A IA é um campo de estudo vasto, que inclui muitos métodos e tecnologias, dos quais podemos destacar. Utiliza algoritmos para analisar dados, aprender com esses dados e tomar decisões informadas com base nesse estudo prévio.

As redes neurais artificiais processam dados para tomar decisões inspiradas na estrutura e funções do cérebro humano. Recorre a técnicas de “machine Learning” para identificar padrões nos conjuntos de dados e reconhecer a linguagem natural.

O “deep Learning” é um ramo da “machine learning” que estrutura algoritmos em camadas, de modo a criar uma rede neural artificial, que pode aprender e tomar decisões por conta própria.

Exemplos da IA que podemos encontrar no dia-a-dia. A IA já saltou da ficção científica para a realidade e estabeleceu-se no nosso quotidiano.

No smartphone, quando se desbloqueia o dispositivo com identificação facial, usa o corrector ortográfico ou encontra conteúdo de que gosta no “feed” nas redes sociais.

Sempre que assistentes virtuais como a Siri, da Apple, ou a Cortana, da Microsoft, reagem e respondem às questões colocadas pelos utilizadores.

A inteligência artificial permite, por exemplo, fazer recomendações personalizadas com base em comportamentos anteriores.

Nas viagens com GPS, este recorre à IA para indicar o caminho mais rápido em tempo real, evitando acidentes e filas de trânsito.

Na prevenção de ciberataques através do reconhecimento de padrões de funcionamento dos sistemas, é possível combater ataques informáticos.

Ao analisar, por exemplo, os registos de uma fábrica, os sistemas de inteligência artificial conseguem perceber como maximizar a produção. Podem também contribuir para optimizar as vendas ou prever falhas na manutenção.

Na interpretação de exames médicos, muitos sistemas conseguem substituir os profissionais de saúde na análise dos resultados de exames.

O ChatGPT utiliza inteligência artificial para interagir com humanos. Foi criado pela empresa OpenAI no final de 2022 e fornece respostas aos mais diversos tipos de problemas e questões. Funciona de forma semelhante aos assistentes virtuais, como a Alexa e a Siri, com a diferença de que o seu algoritmo fornece respostas mais complexas, e dadas somente em formato de texto.

Esta tecnologia é capaz de resolver questões matemáticas, criar histórias, responder a dúvidas, gerar roteiros de viagens, criar cronogramas e muito mais. O sistema recorre a “machine learning” e tem acesso a um vasto banco de textos publicados na Internet. Através da colecta e organização desses conteúdos, o robô consegue produzir respostas lógicas.

Folha 8 com agências

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