O Ministério do Interior de Angola confirmou a morte de um médico angolano, conduzido pela polícia a uma esquadra, em Luanda, por supostamente circular na via pública sem máscara, obrigatória devido à Covid-19. “Queda aparatosa que provocou ferimentos ligeiros na região da cabeça… Devido ao seu estado grave”? Colegas não acreditam na versão oficial. Certo, dirá um dia destes o ministro das polícias, é que o médico antes de morrer estava… vivo.
Em comunicado de imprensa, o Ministério refere que o incidente ocorreu na terça-feira, e após dirigir-se à esquadra dos Catotes, no Rocha Pinto, foram explicados ao médico os moldes de pagamento da coima e não tendo um terminal de multibanco nos arredores, telefonou a um familiar próximo para proceder ao pagamento.
A nota adianta que “minutos depois, apresentou sinais de fadiga e começou a desfalecer, tendo tido uma queda aparatosa, o que provocou ferimentos ligeiros na região da cabeça”.
“Devido ao seu estado grave, foi levado para o Hospital do Prenda e no trajecto acabou por perecer”, sublinha-se no documento, acrescentando-se que o Serviço de Investigação Criminal interveio, levando a vítima para a morgue do Hospital Josina Machel.
De acordo com as autoridades, a família do falecido confirmou que o médico padecia de hipertensão, porém, por imperativos legais, será efectuada autópsia ao cadáver para que se determine a causa da morte.
Entretanto, o Sindicato Nacional dos Médicos de Angola contraria a versão da polícia, dizendo que o colega foi interpelado por agentes da Polícia Nacional por estar a conduzir na sua viatura particular, sozinho, sem máscara facial.
De acordo com o sindicato, depois da queda o médico foi alegadamente mantido na cela e horas depois foi encontrado morto.
“Só assim que entenderam levar na viatura da polícia o malogrado para o Hospital do Prenda, onde apenas foi confirmada a sua paragem cardiorrespiratória irreversível”, refere o sindicato.
Um grupo de colegas do Hospital Pediátrico David Bernardino, onde trabalhava o falecido, depois de tomar conhecimento da morte deslocou-se à referida morgue e ficou surpreendido porque a gaveta onde se encontrava o corpo estava cheia de sangue.
“O colega apresenta uma ferida incisiva, tipo corte na região occipital o que presumimos ter sido submetido a pancadaria e duros golpes que resultou naquela ferida e abundante sangramento”, realça o sindicato.
Entretanto, fonte do Ministério do Interior avançou que a autópsia, feita hoje na presença da família e de um procurador, concluiu que o médico não foi alvo de qualquer agressão.
O malogrado médico deveria saber, e o ministro do Interior, Eugénio Laborinho, fartou-se de avisar, que a polícia iria reagir de forma adequada ao comportamento dos cidadãos, mas não ia “distribuir chocolates e rebuçados” perante os actos de desobediência.
Eugénio Laborinho, que falava numa conferência de imprensa em Luanda, após a primeira semana de estado de emergência, decretado em Angola para (supostamente) combater a pandemia provocada pelo novo coronavírus, explicou de forma muito clara e assertiva como, aliás, é seu timbre: “Estamos a aplicar multas, estamos a deter pessoas”.
Por alguma razão o ministro que aos 23 anos já era 1º tenente das FAPLA, não teve problemas em que no seu curriculum, apresentado no site do Ministério do Interior, se leia: “Com o vasto currículo, no domínio de defesa e segurança, foi a aposta certa para assumir os desígnios do Ministério do Interior”.
“Temos estado a actuar em conformidade com a lei e as próprias medidas que vamos tomando dependem do grau de intervenção de cada caso e somos criticados [por isso]”, disse o governante, acrescentando: “A polícia não está no terreno para servir rebuçados, nem para dar chocolates, ela vai actuar conforme o comportamento de cada cidadão ou de cada aglomerado”.
Ora, não andar com máscara como é obrigatório pode causar, sobretudo dentro das esquadras, “quedas aparatosas” que podem “provocar ferimentos ligeiros na região da cabeça…” que, contudo, originam um “estado grave” e a morte.
“A Polícia Nacional, deve continuar a garantir a manutenção da ordem e da segurança pública através da melhoria e da ampliação da rede policial em todo o território nacional, aperfeiçoar e alargar o policiamento de proximidade, estreitando-se a relação de confiança com os cidadãos, devolvendo assim, o sentimento de segurança pública”, referiu Eugénio Laborinho.
Mas quando um cidadão não usa máscara tem de ser levado para a esquadra, o único lugar adequado para resolver tão candente problema, e aí há sempre a possibilidade de quedas, de ferimentos ligeiros que evoluem para grave e que terminam na morgue.
Agora, Eugénio Laborinho destaca que as autoridades têm estado a trabalhar no sentido de fazer uma acção pedagógica (certamente na linguagem internacionalmente conhecida por todos e que tem como instrumente basilar o cassetete ou a pistola) e tentar educar de forma a não haver confrontos entre a população e a polícia, mas notou que “a polícia também é filha do povo e precisa de ser acarinhada”.
Folha 8 cm Lusa