Em África é assim. Golpe de Estado militar no Mali

Militares que tomaram o poder no Mali anunciam eleições dentro de “prazo razoável”. Três horas antes, o Presidente do Mali, Ibrahim Boubacar Keita, no poder desde 2013, anunciou a demissão e a de todo o Governo, numa declaração transmitida pela televisão maliana, após ter sido deposto por um golpe militar.

“N ós, as forças patrióticas agrupadas no Comité Nacional para a Salvação do Povo (CNSP), decidimos assumir as nossas responsabilidades perante o povo e perante a história”, disse o porta-voz dos militares e vice-chefe de Estado-Maior da Força Aérea, coronel Ismaël Wagué, numa declaração emitida pela televisão pública ORTM.

“O nosso país […] afunda-se dia após dia no caos, na anarquia e na insegurança, por culpa dos homens encarregados do seu destino”, acusou o oficial, denunciando o “clientelismo político” e “a gestão familiar dos assuntos do Estado”.

“A sociedade civil e os movimentos sociopolíticos são convidados a juntar-se a nós para criar as melhores condições para uma transição política civil conducente a eleições gerais credíveis para o exercício da democracia, através de um roteiro que lançará as bases para um novo Mali”, acrescentou.

O porta-voz garantiu ainda que todos os acordos internacionais do Mali serão respeitados, afirmando que os militares estavam “empenhados no processo de Argel”, o acordo de paz assinado em 2015 entre Bamako e os grupos armados do norte do país.

“A [missão da ONU] Minusma, a operação [anti-extremista francesa] Barkhane, o G5 Sahel [que inclui cinco países da região], a força Takuba [‘task-force’ de forças especiais europeias] continuam a ser nossos parceiros”, acrescentou.

Três horas antes, o Presidente do Mali, Ibrahim Boubacar Keita, no poder desde 2013, anunciou a demissão e a de todo o Governo, numa declaração transmitida pela televisão maliana, após ter sido deposto por um golpe militar.

Keita, que tinha sido detido na companhia do primeiro-ministro Boubou Cissé no final da tarde de terça-feira e levado para o acampamento militar onde se iniciou um motim no início do dia, surgiu por volta da meia-noite na televisão pública ORTM, usando máscara.

Apresentado como “Presidente cessante”, Keita referiu-se depois às “várias manifestações” que têm vindo a exigir a sua partida há vários meses, afirmando que “o pior aconteceu”.

“Se hoje pareceu bem a alguns elementos das nossas forças armadas concluir que tudo devia terminar com a sua intervenção, será que tenho realmente escolha? Não tenho outra escolha senão submeter-me, porque não quero que seja derramado sangue para me manter [no cargo]”, disse.

“É por isso que gostaria neste preciso momento, ao agradecer ao povo do Mali o seu apoio ao longo destes longos anos e o calor do seu afecto, de vos anunciar a minha decisão de deixar as minhas funções, todas as minhas funções, a partir deste momento”, disse. “E com todas as consequências legais: a dissolução da assembleia nacional e do governo”, acrescentou.

Na terça-feira, o ministro da Defesa Nacional português tinha indicado estar a acompanhar com grande preocupação a crise no Mali, onde estão destacados 63 militares da Força Aérea Portuguesa, na sequência da detenção do Presidente e do primeiro-ministro malianos.

“O ministro da Defesa Nacional está a acompanhar a situação no Mali com grande preocupação, mais ainda numa altura em que Portugal tem no território uma Força Nacional Destacada de 63 militares e um avião de transporte C-295”, de acordo com a informação prestada à agência Lusa pelo gabinete de João Gomes Cravinho.

O ministro acentuou “a ilegitimidade da imposição” da força para resolver o conflito e “considera fundamental respeitar a ordem constitucional do país”, adiantou a mesma informação.

“Qualquer mudança que venha a ocorrer no Mali não pode ser imposta pela força das armas”, salientou a fonte do gabinete de João Gomes Cravinho.

Portugal tem desde 1 de Julho uma Força Nacional Destacada no Mali, no âmbito da Missão Multidimensional Integrada para a Estabilização do Mali (Minusma), das Nações Unidas, que inclui 63 militares da Força Aérea Portuguesa e um avião de transporte C-295.

O objectivo da missão portuguesa é assegurar missões de transporte de passageiros e carga, transporte táctico em pistas não preparadas, evacuações médicas, largada de paraquedistas e vigilância aérea e garantir a segurança do campo norueguês de Bifrost, em Bamako, onde estão alojados os militares portugueses.

O Governo francês reagiu de imediato e condenou este golpe de Estado militar. O ministro dos Negócios Estrangeiros mostrou o empenho francês na soberania e democracia do Mali. Também o executivo espanhol se mostrou preocupado com a situação. Bem como os Estados Unidos da América que estão contra qualquer mudança de Governo imposta pelas forças que estão nas ruas.

O secretário-geral da ONU diz estar a acompanhar com profunda preocupação a situação no Mali. António Guterres já condenou o motim militar que levou à detenção do Presidente e do primeiro-ministro e apelou à restauração imediata da ordem constitucional e à libertação dos responsáveis políticos.

A pedido de França e do Níger, o Conselho de Segurança das Nações Unidas vai reunir hoje de urgência para discutir a crise no Mali.

O Mali teve eleições legislativas entre Março e Abril e a vitória foi atribuída ao partido da União para o Mali, do Presidente Keita, contudo, não teve a maioria absoluta necessária para governar sem o apoio de outras forças políticas.

O chefe de Estado contestou a eleição de 31 deputados da oposição e obrigou o Tribunal Constitucional, por si dominado, a pronunciar-se. O Tribunal acabou por deliberar que os deputados teriam de abandonar o cargo e que deveriam ser convocadas novas eleições.

Esta instabilidade, aliada a uma frágil situação económica, a corrupção e a guerra contra grupos armados são os principais factores que podem ter conduzido a esta crise.

O principal opositor de Keita chama-se Mahmoud Dicko, é um imã que tem sido uma figura mobilizadora da oposição ao presidente agora deposto. Estudou na Arábia Saudita, e tem organizado protestos que têm reunido milhares de pessoas nas ruas de Bamako.

Folha 8 com Lusa e RR

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