Antigo primeiro-ministro, Marcolino Moco manifesta-se “desiludido” com o rumo do país na actual governação de João Lourenço. Em exclusivo ao Novo Jornal, critica a metodologia adoptada para o funcionamento das instituições do Estado e a forma como está a ser levado a cabo o processo de combate à corrupção no país.
Por Orlando Castro
Sobre o (suposto e fátuo) combate à corrupção, Marcolino Moco considera que “não passa de uma decepção”, uma vez que o poder político continua a interferir nos tribunais.
“Colocar esta questão do combate à corrupção no topo das prioridades do Executivo é uma perda de tempo. Se todos pertenciam a um mesmo regime de acumulação primitiva de capitais, então muitos dirigentes estariam na mesma condição que Augusto Tomás”, diz Moco, acrescentando que, na era de José Eduardo dos Santos, já se apontava para uma transição pacífica, regularizando-se as instituições.
A dar razão a Marcolino Moco, João Lourenço afirmou que viu roubar, ajudou a roubar, beneficiou do roubo mas – é claro – não é ladrão.
“É inadmissível que o país seja comandado por dois ou três iluminados que nos vão surpreendendo com esta ou aquela prisão seleccionada e exonerações não explicadas”, apontou Marcolino Moco ao Novo Jornal. Tem razão. Esses são os tais iluminados que, como o Folha 8 tem afirmado sobejas vezes, têm o cérebro no intestino (grosso) e que, quando começam a pensar, exalam um cheiro nauseabundo que, contudo, “transporta” os dirigentes do MPLA para as suas origens…
Marcolino Moco lamenta também a interferência política junto dos órgãos de Justiça, tendo tomado como exemplo o acórdão do Tribunal que proíbe a Assembleia Nacional de fiscalizar os actos do Titular do Poder Executivo. Mas se nada disto é novo, se há 45 anos o MPLA continua a considerar que o MPLA é Angola e que Angola é do MPLA, onde está o espanto?
“Os mecanismos são do tipo ocidental. As pessoas esquecem-se de que temos uma realidade própria, um Estado recente e que não podemos copiar, por isso que temos cometido muitos erros”, declarou Marcolino Moco, para quem o combate à corrupção não é “uma questão de justiça, mas de política”.
No dia 12 de Janeiro de 2018, o Presidente da República, João Lourenço, justificou a nomeação (escolha, prémio de consolação, mordaça) dos ex-primeiros-ministros Lopo do Nascimento e Marcolino Moco para administradores da Sonangol por serem uma “referência” no país.
A posição foi assumida pelo chefe de Estado no Palácio Presidencial, em Luanda, durante a cerimónia de posse dos ex-políticos como administradores não executivos da Sonangol, liderada na altura por Carlos Saturnino, depois de João Lourenço ter exonerado (com pompa, fanfarra, foguetes etc.) Isabel dos Santos.
Na ocasião, o chefe de Estado classificou ambos como “figuras de destaque da vida política angolana”, justificando com isso a nomeação que fez e que, convenhamos, mais parece um prémio de consolação, quase uma condecoração a título póstumo político. A velha escola colonialista de António de Oliveira Salazar criou um bom séquito de sipaios.
“Figuras que desempenharam as mais altas funções no aparelho do Estado, são por isso uma referência na sociedade angolana e, a exemplo do que se faz também em outros países, não pretendemos desperdiçar a experiência que têm, a reputação que têm, para continuarem a servir o país noutras áreas, fora da política”, afirmou João Lourenço.
E, assim, se ficou a saber que é um prémio “fora da política”. Uma prateleira, necessariamente dourada, para que nada mais façam do que dar o nome e o prestígio a um governo, mesmo sabendo-se que poderiam ser eventualmente muito mais úteis como reserva moral e ética de um país em que faltam referências de estadistas que pensem pela própria cabeça.
Em declarações aos jornalistas no final da cerimónia, Marcolino Moco, que regressava desta forma à vida pública não política após o afastamento e após anos de contestação ao regime de José Eduardo dos Santos, assumiu que seria um “conselheiro” da administração da petrolífera estatal.
“Conselheiro” é um eufemismo (exactamente isso, uma figura de estilo com que se disfarçam as ideias desagradáveis por meio de expressões mais suaves) para satisfazer o ego de todos aqueles que preferem ser assassinados pelo elogio do que salvos pela crítica.
“A primeira coisa que eu vou querer saber do presidente da Sonangol é porque é que temos esta crise de distribuição do combustível, particularmente no interior do país”, afirmou Marcolino Moco, referindo-se aos sucessivos casos conhecidos publicamente de postos de combustíveis sem gasolina ou gasóleo e querendo, dessa forma, mostrar que não é o que eles esperam que ele seja: um verbo-de-encher.
Em Novembro de 2017, Marcolino Moco assumiu-se surpreendido com a “coragem” do novo Presidente da República, afirmando que as decisões conhecidas visam “criar um mínimo de governabilidade” num poder “atrelado aos pilares de uma casa de família”.
A posição do advogado e histórico militante do MPLA, forte crítico da governação de 38 anos do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, surgiu num artigo divulgado então, pelo próprio.
“É verdade que João Lourenço me surpreende pela coragem e rapidez; mas surpreso andei eu todos estes anos a ver um país a ser montado à volta de uma família única, quando só se ouviam louvores de tribunas e painéis de entidades notáveis”, criticou ainda o advogado que durante 1992 e 1996 foi primeiro-ministro de Angola, na Presidência de José Eduardo dos Santos.
Já Lopo do Nascimento, que foi primeiro-ministro entre 11 de Novembro de 1975 (proclamação da independência) e Dezembro de 1978, além de secretário-geral do MPLA, partido no poder, criticou em 2017, antes das eleições gerais de Agosto, a continuidade de José Eduardo dos Santos na presidência do partido.
“Acho que não será uma boa coisa se ele se mantém como presidente do MPLA, porque gera um poder bicéfalo”, disse Lopo do Nascimento, numa entrevista em Março.
Em todo este processo, Marcolino Moco claudicou, desiludiu, ajoelhou-se e, por isso, teve de rezar junto do altar agora ocupado (apesar da fraude eleitoral que Moco sabe ter existido) por João Lourenço.
Fomos todos enganados. Fomos. No dia 7 de Janeiro de 2017, Paulo de Morais (Professor Universitário, ex-candidato às eleições presidenciais em Portugal e Presidente da Frente Cívica) escrevia aqui no Folha 8:
“É com homens como Marcolino Moco que Angola tem de arrancar para um outro futuro. Só homens amantes mais do seu povo do que do poder ou dinheiro, poderão desviar Angola do percurso suicida em que se encontra esta comunidade colectiva. Angola necessita de uma Perestroika à africana, liderada por um novo Gorbatchov que mude o rumo político deste que é um dos mais belos e ricos países do mundo. Esta mudança de rumo tem de ter lugar sem violência ou guerra, sob a tutela de uma comissão internacional do tipo da “Verdade e Reconciliação “que Mandela instituiu na África do Sul.
Cabe a pessoas com vontade, vigor e perseverança e autoridade política encontrar os caminhos do futuro de Angola. Marcolino Moco, face às posições críticas que vem tomando face ao poder vigente, e a par dos mais desassossegados do MPLA, não pode virar as costas a este desafio.”
Infelizmente, por muito que volte a dizer que “caiu que nem um patinho”, Marcolino Moco virou as costas ao desafio, virou as costas ao Povo.
“Não posso atestar que o partido está a mudar. O que estou a fazer é para que amanhã não seja acusado de que me abriram a janela e eu não aceitei, é só isso. Nesta altura dou o benefício da dúvida ao candidato do partido”, afirmou Marcolino Moco no dia 21 de Agosto de 2017.
Questionado na altura sobre se admitia voltar a trabalhar directamente com o MPLA, e com João Lourenço, num eventual cenário de renovação da governação de Angola, Marcolino Moco não afastou a possibilidade: “Responder liminarmente a essa pergunta não posso. Haverá certamente aproximações, mais conversas. Ele felizmente garantiu-me essa abertura, a iniciativa foi dele, não foi minha. E, das conversas que tivemos, se ninguém as interromper, nós poderemos chegar a uma saída, a uma conclusão”.
Uma aproximação que, insistia Marcolino Moco, surgiu como benefício da dúvida quando o partido estaria em renovação (trocar seis por meia dúzia), com a saída de José Eduardo dos Santos.
“Nunca quiseram saber das minhas críticas, pelo contrário. Recebi ameaças, o isolamento perante muitas pessoas. Agora, a testar o estrago que foi feito, há uma aproximação repentina à minha pessoa. Uma aproximação que eu não posso recusar, numa altura em que o candidato do partido já não é o mesmo”, disse.
Após encontros com João Lourenço que descreveu como “breves mas significativos”, Marcolino Moco conclui com o aviso: “Tenho 64 anos e não passo cheques em branco a ninguém. Voto na nação angolana, que ainda não está completa”.
Alguém (ainda) acredita em Marcolino Moco? Em tempos, muito recentes, escrevemos que Marcolino Moco “é uma das mais prestigiadas figuras de Angola, sobretudo da Angola que todos desejamos e que um dia destes floresça”. Não floresceu. Aceitar um cargo não executivo na Sonangol é sinónimo de que tudo não passou de uma quimera, bonita enquanto durou o sonho.