Angola em tempos de incertezas

O discurso do Presidente da República de Angola, João Lourenço, na abertura da 4ª sessão Legislativa da IV Legislatura não tem credibilidade. A intervenção é pobre para a crise instalada há 45 anos. Na quinta-feira, 15 de Outubro, o Presidente da República destacou os efeitos provocados pela pandemia da Covid-19 na economia e assegurou que seu Governo “vai continuar a apostar na política de desenvolvimento e diversificação económica, bem como na estabilidade macroeconómica”.

Por José Marcos Mavungo (*)

Li ao pormenor o bonito discurso do Chefe de Estado angolano, na Assembleia Nacional, e não vale a pena estar a repetir o mesmo.

No entanto, fiquei estupefacto, quando me apercebi de que, “num período de vacas magras”, o Chefe de Estado angolano não manifestou preocupação em atingir o auge das preocupações angolanas nestes primeiros três anos do seu mandato, e em demolir a pedrada do charco de todas as putrefacções da maldade do regime nestes últimos 45 anos, em especial das instituições da governação e da administração da Justiça concebidas para aos fins de ganho pessoal e partidarista.

Tendo em conta a crise que se vive no país, cujas repercussões na vida socioeconómica das populações deveriam merecer interpelação dos representantes do eleitorado, diria que fiquei desencantado com o este discurso. Desencantado, sobretudo pela atitude de João Lourenço que parecia falar do Estado da Nação para um país amnésico, cheio de gente que não sabe nada, que não vê nada, que não acompanha os exageros da polícia, a situação do desemprego (57% de jovens), a elevada taxa da mortalidade infantil (62,3 mortes/1.000 nascimentos), a pobreza (53% da população atrelada à pobreza multidimensional), a problemática da justiça selectiva e dos valores desviados dos cofres do Estado, o caso Manuel Vicente e da Sonangol, o caso de contratos milionários envolvendo Edeltrudes Costa, o caso dos presos políticos em Cabinda…

Se existisse Lei autorizando a Assembleia Nacional a fiscalizar acções do Executivo, diria que as interrogações suscitadas por estas questões constituiriam a antítese do discurso de João Lourenço na abertura da 4ª sessão Legislativa da IV Legislatura. E, se analisarmos em profundidade a situação em Angola, teriam razão aqueles que sustentam que o “Estado angolano não evolui, está estagnado numa época passada, a da ditadura eduardista que legou ao povo angolano superestruturas estalinistas”.

O discurso de João Lourenço não foi mais do que a leitura do relatório contabilístico preparado por um técnico de contas. A activista social Alexandra Simeão tem razão quando se refere ao discurso como sendo “um balancete” e acrescenta: “Não foi por isso um discurso para um líder. Faltou força, esperança, galvanização…” Como é possível, em contexto de uma crise aguda, assistir a um discurso vazio de ideias, de uma mensagem de reformas coerentes e de um projecto que revitalize a economia angolana e restabeleça a confiança?

Com este tipo de discursos, sempre a repetir o que sempre se disse nestes últimos 45 anos, a apresentar contas, muitas das quais baralhadas e sem nexo, já não se vai conseguir superar os obstáculos e as contradições nesta grande luta que está a abalar as estruturas económicas, sociais e políticas do país.

Já passaram as legislaturas 2017/19 sem que qualquer proposta formal fosse apresentada à Assembleia Nacional para dar resposta a estas questões. Até cá, João Lourenço não percebe que “as mudanças profundas em Angola, não se fazem sem reforma constitucional, sem reforma do Estado”. A maioria parte das criações partidárias e governamentais destes últimos três anos não obedecem a um plano de melhoramento político, mas sim ao egocentrismo do criador.

O novo chefe de Estado angolano, e o seu Executivo têm medo de serem questionados sobre o passivo do partido dos camaradas no poder nestes últimos 45 anos de governação perversa, e, em especial, sobre o passivo destes últimos três anos de governação pós-eduardista. Aliás, João Lourenço e os camaradas, são assim!

O Executivo do medo e da culpa caminha a passos largos para tornar a sociedade angolana ainda mais vítima dos efeitos perversos da má governação do MPLA desde a acessão de Angola à independência. Sempre teve medo de abrir os olhos para a urgência de prestação de contas, e de organizar debates para mudanças substanciais em Angola.

A desilusão é mantida para os círculos intelectuais que ousam questionar o caminho que Angola segue. Quando se olha para o que se tornou a sociedade angolana nestes últimos 45 anos, em que os enormes recursos estão expostos a “propósitos de rapina”, a “conflitos de interesses”, e em que as instituições democráticas saídas há pouco da destruição e da guerra funcionam num meio hostil (posições defensivas e militaristas, criminalização das manifestações…), não podemos dizer que o discurso «tem muito suco» para os problemas do país, contrariamente ao que afirmou o vice-presidente da bancada parlamentar do MPLA, João Pinto nas suas recentes declarações à Voz de América (VOA), no dia 15 de Outubro do corrente.

Tempos de crise, tempos difíceis

Poderíamos tentar apresentar as contas como sendo a expressão das melhorias de Angola; mas não é disso que se trata neste momento, tendo em conta o facto de que a degradação da economia e das condições de vida social atingiram níveis sem precedentes. Além disso, os conflitos de interesses e a confrontação social e política, que se têm acentuado nestes últimos três anos, continuam a impedir a implementação de políticas susceptíveis de conseguir instituições estáveis e de erradicar a pobreza.

Recorde-se, nos idos anos do século passado, entre os anos 50 e 70, Angola era tomado como um território próspero, uma potência industrial, tendo atingido níveis de progresso bastante superiores aos da Metrópole. E, caso a base industrial e administrativa desta herança colonial fosse munida de ingredientes de qualidade, renderia bons frutos.

Hoje, o paradoxo da maldição dos recursos é o maior desafio dos angolanos. O Estado não consegue dar estímulo em tempos de crise. Vive-se o quinto ano de recessão e de crescimento negativo. Por conseguinte, a fome, a doença, a corrupção, a deterioração dos serviços administrativos e o stress da sobrevivência sem precedentes tomaram conta de todos; a cesta básica aumentou de 300% a 400%; a taxa de desemprego não pára de crescer, tendo atingido 32%; e o sistema sanitário e de ensino revelam debilidades funestas.

Como bem o afirmou o deputado pela bancada da UNITA, Raúl Danda, em declarações à Voz de América (VOA), no dia 7 Julho último, “as pessoas estão mesmo a morrer por não terem o que comprar para comer”, acrescentando que “as coisas estão mesmo mal, hoje nas ruas veem-se crianças e adultos a vasculharem os contentores de lixo para encontrarem algo menos podre, para comer”.

Diante desta situação, para o Executivo, o que é necessário é manter o quadro institucional – leis com resquícios ditatoriais, endividar-se ainda mais e esmifrar o Zé Povinho com toda a parafernália de leis, impostos, taxas e taxinhas. E se manifestar insatisfação pela fome, doença e desemprego, que não seja mimado com “rebuçados e chocolates”, mas tratado com coacção e artimanhas saídas de consultórios geridos pela violência policial e por juízes iníquos, que tudo vendem pelos mesmos 30 dinheiros com que Cristo foi entregue aos algozes.

E por via de tal situação, que não permite o funcionamento normal das instituições democráticas e de administração da justiça, é que a grande Angola perdeu ao longo destes 45 anos, ou está a perder, o controle sobre a crise que comodamente se instalou na vida das populações, sem que algum cientista lhe faça frente, para mal de todas as estatísticas que globalmente nos dão como as mais bem comportadas de entre as nações mais próximas.

Entretanto, como depois de casa roubada/incendiada… todas as autoridades do poder central e local destes últimos 45 anos têm vindo a terreiro para esgrimirem meios de defesa em causa própria, lavando as mãos que nem o Pôncio Pilatos, para que tudo continue como dantes no que toca às exigências de reformas susceptíveis de instaurar um verdadeiro Estado de direito democrático, no qual os programas políticos são pensados para promover não só o crescimento económico, mas também a paz dos espíritos e o desenvolvimento social.

No entanto, é difícil hoje olhar-se para Angola como terra de promissão como ocorreu para os Tigres asiáticos como terras em que os sonhos se concretizam. A violência em Angola, as feridas que o sistema colonial deixou abertas e que a classe política dominante optou por não curar (e.g. a questão de Cabinda), os desvarios do regime no pós-independência, as distopias geradas destas vicissitudes históricas resultam em insucessos e conflitos sociais.

Nos dias de hoje, em que o regime «en place» pensa tudo saber sem nenhuma sabedoria, a tal ponto que a sociedade civil e os eleitos do povo não podem fiscalizar as acções do Executivo, já não há milagre económico angolano para ninguém. Assim, se o mal se instalou, Angola pior ficou, ou ficará. Ou seja, não se acabarão as crises, os momentos trabalhosos, os empurrões e chapadões na “tromba” em que os dentes até tocavam piano.

(…) Portanto, “corrigir o que está mal e melhorar o que está bem” não é verdade! Antes da pandemia não se corrigiu o que estava mal nem se melhorou o que estava bem. Após a pandemia continuará a não se corrigir o que está mal e a não se melhorar o que está bem.

(*) Activista dos Direitos Humanos

Nota. Todos os artigos de opinião responsabilizam apenas e só o seu autor, não vinculando o Folha 8.

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2 Thoughts to “Angola em tempos de incertezas”

  1. Gostava de saber interpretar o comentário que o catedrático da Universidade de Bolonha, deixou expresso neste espaço. Infelizmente isso não é possivel dado o elevado grau de eruditismo do seu escrito. Fica a expectativa.

  2. Universidade de Bolonha

    Os vagabundos da comarca dito cujo o curral onde se encontram as cabras mal paridas do mundo porsujal onde metem i bedelho e onde nunca foram chamados é lixo Angola como ter independente não deveria ter algum contato com esses bezerros que nem couves sabem plantar..a Ruropa das bestas nunca existiu.A Rússia o único lugar que a bíblia salvou como língua é a única fronteira que se salvou da cova do covid

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