A investigadora do ISCTE especializada em questões africanas, Elisabete Azevedo-Harman, diz que o Fundo Monetário Internacional (FMI) está empenhado em que a austeridade associada ao programa de assistência financeira em Angola seja compensada com medidas sociais. Os 20 milhões de pobres angolanos devem ter ficado mais animados na sua luta para aprenderem a viver sem… comer.
“A ngola terá o fundo de acção social, no qual serão injectadas verbas de várias estruturas internacionais, e o acordo com o FMI terá também prestações sociais, ou seja, não só a parte da austeridade, mas o FMI está também preocupado em receitar austeridade sem prejudicar a parte social, e nesse contexto há bastante dinheiro para Angola tentar minimizar as receitas de austeridade que precisa de implementar para corrigir a economia”, disse a académica.
A tese de Elisabete Azevedo-Harman, apesar de ser especialista em questões africanas, não leva em conta a falta de honestidade (sobejamente demonstrada ao longo dos últimos 44 anos) das autoridades governamentais no âmbito social, da qual o maior e inequívoco paradigma é poucos terem milhões e muitos milhões terem pouco ou…nada.
Em declarações aos jornalistas à margem da conferência IASIA 2019, sobre os desafios da gestão da administração pública a nível mundial, a investigadora disse que em Angola e Moçambique há 17 Objectivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) que estão relacionados com a administração pública, e salientou que “nuns tem havido avanços, e noutros é muito complicado”.
Entre os ODS onde Angola mais tem avançado, Elisabete Azevedo-Harman destacou a participação das mulheres na vida política e pública, mas destacou que na vida social as mulheres ainda são muito sacrificadas.
“Na mortalidade infantil tem havido avanços muito significativos, na igualdade de género também, e Angola e Moçambique até fazem melhor do que Portugal no Parlamento em termos de representatividade, mas na economia e na vida social não, as mulheres são as grandes sacrificadas em África, fazem tudo”, disse a investigadora residente em Luanda.
Destacando a descentralização como uma das grandes prioridades que une os dois países lusófonos, a investigadora destacou que o modelo que vai vigorar nas eleições moçambicanas de 15 de Outubro é positivo para alavancar o desenvolvimento do país.
Ser do FMI ou querer ser não significa ser dono da verdade
O representante do FMI em Angola, Max Alier, defende a “eliminação dos subsídios” aos combustíveis, água e electricidade no país, porque “beneficiam os mais ricos”, e a implementação de “programas de apoio às pessoas mais vulneráveis”. Com combustíveis, água e electricidade mais caros está-se mesmo ver que os pobres vão viver… melhor!
“A nossa posição nesse sentido é clara, os subsídios aos combustíveis, à água e à electricidade são ineficientes e (…) beneficiam, principalmente, as pessoas mais ricas, porque são as que mais consomem e mais se apropriam dos subsídios”, afirmou Max Alier, em declarações aos jornalistas, em Luanda.
Para o representante do FMI, a eliminação dos subsídios deve decorrer, “ao mesmo tempo, com a implementação de um programa de apoio às famílias mais necessitadas”, por entender que o peso actual “relativo às despesas em subsídios é maior no total das despesas das famílias vulneráveis”.
Falando à margem da nona edição do Fórum Banca, realizado pelo semanário económico Expansão, Max Alier deu conta de que “está já em curso” a implementação de um programa de transferência de renda para o apoio às famílias mais necessitadas, elaborado pelo Governo em parceria com o Banco Mundial (BM).
“A nossa recomendação é: os subsídios são ineficientes, não ajudam, devem ser eliminados, mas deve ser feito implementando-se o Programa de Transferência de Renda para apoio às famílias mais necessitadas”, adiantou.
Max Alier, que no encontro falou sobre “A Intervenção do FMI em África e no Mundo – O que Esperar em Angola”, assinalou a primeira avaliação do Programa de Assistência que o Fundo tem com o país, que permitiu já o segundo desembolso de perto de 250 milhões de dólares (220 milhões de euros).
No quadro do Programa de Assistência Financeira a Angola, com duração de três anos, orçado em 3,7 mil milhões de dólares, o FMI fez em Dezembro de 2018 o primeiro desembolso avaliado em 1.000 milhões de dólares. O segundo aconteceu no decurso deste mês, orçado em 248 milhões de dólares, depois da aprovação da primeira revisão.
Segundo o representante do FMI, o programa “tem tido um começo promissório, com as autoridades a cumprirem a maioria dos compromissos”, manifestando-se “optimista” de que este “vai ajudar Angola a melhorar o quadro macroeconómico e financeiro”.
“Vai fortalecer a situação macroeconómica e financeira”, considerou.
Questionado sobre os aspectos positivos e negativos da implementação do programa em Angola, Max Alier destacou o “grande esforço fiscal, a diminuição da inflação e os avanços do mercado cambial” como “notas positivas”.
O responsável do FMI adiantou que, em 2017, Angola teve um défice orçamental acima de 6% do Produto Interno Bruto e, em 2018, teve um superavit acima de 2%.
“Foi um grande esforço fiscal positivo que era necessário devido ao grande aumento do endividamento público nos últimos anos”, adiantou.
“Também cabe destacar os avanços no mercado cambial em Dezembro de 2017. O diferencial entre o paralelo e o oficial era acima dos 150% e hoje a diferença é só de 30%”, destacou, acrescentando: “Acho que são grandes passos no caminho de normalizar a situação macroeconómica e financeira”.
Em relação às recomendações, Max Alier adiantou que Angola “tem desafios importantíssimos que não serão resolvidos de uma só vez”, como a implementação do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), cuja aplicação está agora prevista para 1 de Outubro, para “alargar” a base tributária do país.
“Angola também tem uma alta dependência da receita petrolífera e é importante para não ter essa vulnerabilidade ampliar, alargar a base da receita para uma menor dependência do sector petrolífero”, defendeu.
Para o representante do FMI em Angola, “a reforma do IVA, por exemplo, está encaminhada nesse sentido, em criar impostos que não dependem do preço do petróleo e, assim, o Governo não depende dessa vulnerabilidade”.
Max Alier, Elisabete Azevedo-Harman ou Dominique Strauss-Kahn?
Em Dezembro de 2009, o então director-geral do FMI, Dominique Strauss-Kahn, fazia um aviso à navegação: “Os problemas acontecem quando os governos dizem à opinião pública que as coisas estão a melhorar enquanto as pessoas perdem os seus empregos”. Os governos, os representantes do FMI ou os (supostos) especialistas…
“Para alguém que vai perder o seu emprego, a crise não acabou. E isso constitui um alto risco”, afirmou o então director-geral do FMI, acrescentando que “isso também pode, em alguns países, tornar-se um risco para a democracia. Não é fácil administrar esta transição, e ela não será simples para os milhões de pessoas que ainda estarão desempregadas no próximo ano”.
“A economia mundial somente se restabelecerá quando o desemprego cair”, disse o responsável do FMI. E se assim é, os angolanos estão ainda mais lixados, por muita que seja a lixívia usada por Elisabete Azevedo-Harman e similares. Aliás continuam à espera dos 500 mil empregos que João Lourenço prometeu.
E, convenhamos, se for possível a João Lourenço garantir que os angolanos conseguem estar uns anos sem comer, Angola não tardará muito a ter o défice em ordem e a beneficiar do pleno emprego. Até agora foram muitos os que se solidarizaram com João Lourenço mas, quando estavam quase, quase, a aprender a viver sem comer… morreram!
Segundo Max Alier e Elisabete Azevedo-Harman, afinal os angolanos não têm nada a temer. Se, por um lado, há muita gente que vive pior (o que parece, segundo o Governo do MPLA, uma boa consolação), por outro, quando a crise passar, uma só refeição já será uma dádiva divina para os que não tinham nenhuma.
Folha 8 com Lusa