Enquanto o Povo lapida,
eles delapidam à grande

O Governo angolano licenciou, nos últimos dez meses, a actividade de exploração de diamantes de apenas 241 cooperativas das 750 solicitações, informou hoje, em Moçâmedes, o ministro dos Recursos Minerais e Petróleos de Angola.

Segundo Diamantino de Azevedo, que discursava na abertura do III Conselho Consultivo Alargado do Ministério dos Recursos Minerais e Petróleos, a decorrer em Moçâmedes, capital da província do Namibe, o licenciamento destas cooperativas decorre da estratégia do Governo para o combate ao garimpo e ao tráfico ilícito de diamantes, no âmbito da denominada “Operação Transparência” levada a cabo desde Setembro de 2018 pelos órgãos de defesa e segurança.

O ministro referiu que as 241 cooperativas estão a ser reorganizadas de acordo com o Regulamento de Funcionamento das Empresas Semi-industriais de Diamante, de Março deste ano.

“Com esta actividade, contamos gerar cerca de sete a 10 mil empregos. Adicionalmente novos postos de trabalho serão criados com a implementação do pólo industrial de lapidação a ser construído em Saurimo (província da Lunda Sul), disse o governante.

Com a construção desta nova fábrica de lapidação, Angola passará a contar com três infra-estruturas do género, existindo já duas outras em Luanda, capital do país.

O Ministério dos Recursos Minerais e Petróleos está a estudar a criação de uma Agência Nacional dos Recursos Minerais (ANRM), a institucionalização e revisão da resolução do Sistema de Certificação do processo Kimberly, de modo a ajustá-lo aos novos desafios para a implementação da nova política de comercialização de diamantes brutos e respectivo regulamento técnico.

Aquele departamento ministerial está também a estudar a restruturação da Endiama e da Ferrangol, para que ambas deixem de ser as concessionárias para os diamantes e ouro e passem a concentrar-se na sua cadeia de valor do negócio, isto é, a prospecção e produção de diamantes, enquanto a Sodiam (Sociedade de Comercialização de Diamantes) deverá transformar-se em Bolsa de Diamantes.

E os angolanos (continuarão) de barriga vazia

A fábrica de lapidação de diamantes na província diamantífera da Lunda Sul é num negócio, segundo contas de Março, de 79,31 milhões de dólares (70,6 milhões de euros). É, com certeza, um enorme contributo para a criação dos novos 500 mil empregos prometidos pelo MPLA e, igualmente, para a redução dos nossos 20 milhões de pobres.

A medida surgiu no âmbito da promoção de esforços para “fomentar a lapidação de diamantes brutos extraídos no país, bem como a sua comercialização para o mercado interno e externo”, lê-se num despacho presidencial de 25 de Março.

Segundo o documento assinado pelo Presidente João Lourenço, verifica-se uma “necessidade imperiosa” para a construção de uma fábrica de lapidação de diamantes em Saurimo, de modo a dinamizar o sector diamantífero.

Angola vende anualmente cerca de 1.000 milhões de euros em diamantes brutos, o segundo principal produto de exportação, depois do petróleo. Como se vê, a estratégia para a diversificação da economia está no bom caminho. Só falta mesmo transformar Benguela na “nossa” Califórnia e fazer chegar o oceano Atlântico ao… Huambo.

Do valor aprovado pelo Executivo (cujo Titular é João Lourenço) para este negócio, 77 milhões de dólares (68,55 milhões de euros) serão utilizados para a adjudicação de contratos para a construção do Polo de Atracção de Investimentos e da fábrica de lapidação de diamantes em Saurimo.

Os restantes 2,31 milhões de dólares (2,06 milhões de euros) serão adjudicados para os serviços de fiscalização da execução das obras.

De acordo com o documento, “todos os actos subsequentes no âmbito do procedimento” – como a nomeação de uma comissão de avaliação, a aprovação de um relatório final e a adjudicação dos contratos – ficarão a cargo da Sociedade de Comercialização de Diamantes de Angola (Sodiam), empresa estatal.

Em Fevereiro de 2019, o presidente do Conselho de Administração da Sodiam, Eugénio Bravo da Rosa, estimou, em declarações à imprensa, que a empresa estatal deverá ter até 300 trabalhadores na fábrica de Saurimo.

Exportar e depois se verá

Angola exportou mais de três milhões de quilates de diamantes nos primeiros quatro meses de 2018, vendas que representaram um encaixe em receitas fiscais, para o Estado, de mais de 18 milhões de euros.

Segundo o relatório do Ministério das Finanças sobre a arrecadação de receitas fiscais diamantíferas, as vendas globais atingiram entre Janeiro e Abril de 2018 os 380 milhões de dólares (325 milhões de euros), com cada quilate a ser vendido a um preço médio de 128,32 dólares.

Só no mês de Abril de 2018, Angola exportou 719.645 quilates de diamantes, quantidade que está em linha com meses anteriores. No total dos quatro primeiros meses de 2018, a quantidade exportada por Angola em diamantes elevava-se já a 3.031.430,29 quilates.

Entre imposto industrial e ‘royalties’ pagos pelas empresas diamantíferas, o Estado recebeu, em receitas fiscais com a venda de diamantes, entre Janeiro e Abril, mais de 5.047 milhões de kwanzas (18 milhões de euros).

Segundo o Governo, com a entrada em operação do maior kimberlito do mundo, na mina do Luaxe, na província da Lunda Sul, e de outros projectos de média e pequena dimensão nas províncias diamantíferas das Lundas Norte e Sul, mas também em Malanje, Bié e no Cuando Cubango, Angola poderá duplicar a actual produção diamantífera anual.

A outra face da riqueza

Em Fevereiro de 2018, a Human Rights Watch disse ser necessário que as multinacionais de joalharia dêem passos para garantir que adquirem ouro e diamantes a fornecedores que respeitem os direitos humanos, sendo que nenhuma das empresas que analisou cumpre totalmente os critérios da organização.

O que terá Angola a ver com isso?

A organização de direitos humanos solicitou a 13 multinacionais do sector da joalharia informação detalhada sobre as suas práticas de verificação de fornecedores, nomeadamente se respeitam os direitos humanos nos locais de mineração, informação que reuniu num relatório então divulgado.

“As 13 companhias escolhidas incluem algumas das maiores e mais conhecidas da indústria da joalharia e da relojoaria, reflectindo ainda os diferentes mercados por geografias”, dizia a HRW no seu relatório.

As empresas seleccionadas foram a Pandora (Dinamarca); Cartier (França); Christ (Alemanha); Kalyan, TBZ Ltd. e Tanishq (Índia); Bulgari (Itália); Chopard e Rolex (Suíça); Boodles (Reino Unido); Harry Winston, Signet e Tiffany (Estados Unidos da América). Destas multinacionais, todas responderam às perguntas da HRW menos a Rolex, a Kalyan e a TBZ.

De acordo com a HRW, “algumas das companhias de joalharia analisadas fizeram esforços significativos para obter o seu ouro e diamantes a partir de fornecedores responsáveis, enquanto outras tomaram medidas muito mais fracas”.

“A Human Rights Watch descobriu que nenhuma das companhias cumpre na totalidade os nossos critérios para um fornecimento responsável. Os problemas principais são: falhas na avaliação de riscos relacionados com direitos humanos” bem como falta de transparência, indicou a organização.

Por exemplo, “nenhuma das empresas que respondeu à HRW consegue rastrear por completo o ouro e os diamantes que compra até às minas de origem, assegurando assim a cadeia de responsabilidade”.

“Uma companhia, a Tiffany, consegue essa cadeia completa de responsabilidade para o ouro, uma vez que compra o seu ouro apenas a uma mina, a Mina de Bingham Canyon, no Utah [Estados Unidos]”, salienta.

Um ranking feito pela ONG norte-americana aponta apenas uma companhia – a Tiffany – como tendo dado passos “muito fortes” para garantir a proveniência segura das suas matérias-primas.

Na resposta à HRW, a Tiffany salientou que não comprava diamantes a Angola ou ao Zimbabué “devido a crescentes riscos de direitos humanos”.

Na categoria das empresas que deram passos “moderados” na verificação do risco de direitos humanos constam a Bulgari, a Pandora, a Cartier e a Signet.

A Boodles, a Christ, a Chopard e a Harry Winston estão no nível “fraco”, enquanto a indiana Tanishq está no “muito fraco”. A Kalyan, a Rolex e a TBZ ficam de fora do quadro por não terem dado resposta.

Estas 13 empresas representam cerca de 10 por cento das vendas mundiais de joalharia, com receitas globais combinadas estimadas em mais de 30 mil milhões de dólares.

A produção anual de diamantes no mundo alcança os 130 milhões de quilates em bruto, com qualidade para gemas ou diamantes de uso industrial. Cerca de 70% têm qualidade para gemas.

Os maiores produtores de diamantes do mundo são a Rússia, o Botswana, o Canadá e a Austrália, e a indústria dos diamantes é dominada por duas companhias mineiras, a Alrosa (da Rússia e que opera em Angola) e a De Beers, que opera no Botsuana, Canadá, Namíbia e África do Sul. As duas companhias representam cerca de metade das vendas de diamantes em bruto em todo o mundo.

Nós por cá…

Angola, como todo o mundo sabe mas que poucos dizem que sabem, é actualmente aquele país que para uma população de quase 30 milhões pessoas tem 20 milhões de pobres, tem um enorme potencial diamantífero nas regiões norte e nordeste do país, com dados que indicam para a existência de um total de recursos em reservas de diamantes superior a mil milhões de quilates.

Esta informação foi divulgada no dia 30 de Junho de 2017 durante a apresentação de um estudo sobre o “Potencial Diamantífero de Angola: Presente e Futuro”, realizado pelos serviços geológicos das diamantíferas russa, Alrosa, e da angolana estatal, Endiama.

No que diz respeito aos kimberlitos, são responsáveis por 950 mil milhões de quilates, enquanto que os aluviões correspondem a mais de 50 mil milhões de quilates.

O director-adjunto da Empresa de Investigação científica na área de pesquisa e prospecção geológica da Alrosa, Victor Ustinov, que apresentou o estudo, referiu que esses dados demonstram que o potencial kimberlítico de Angola é 15 vezes superior ao potencial aluvionar.

“Ao mesmo tempo, podemos dizer que em Angola existem territórios com muito boa probabilidade de descoberta de novos jazigos de diamantes”, disse, acrescentando que a empresa conjunta da Alrosa e Endiama, a Kimang, estava a realizar os seus trabalhos de prospecção geológica numa dessas áreas. O estudo refere que Angola tem territórios com grandes probabilidades de descoberta de diamantes.

Os resultados da pesquisa apontam que os territórios, que abrangem as províncias da Lunda Norte, Lunda Sul, Malange e Bié, apresentam alto potencial diamantífero, e sem probabilidades de existência de diamantes as províncias do Uíge, Zaire, Luanda e Bengo.

Com potencial provável, o estudo indica os territórios integrados pelas províncias do Cuanza Norte, Cuanza Sul, Huambo, Huíla, Benguela, onde poderão ser descobertas reservas kimberlíticas com teor médio de diamantes e reservas aluvionares de média dimensão.

Ainda por esclarecer o seu potencial estavam as províncias Cuando Cubango, Moxico e Namibe, devendo ser realizado trabalhos de investigação científica, defendeu o responsável.

Victor Ustinov sublinhou que uma vez realizados estudos de investigação adicionais é possível aumentar o potencial diamantífero de Angola em pelo menos 50%.

“Com o potencial de 1,5 mil milhões de quilates de diamantes podemos estar seguros que o sector de mineração vai se desenvolver de forma significativa”, disse, indicando trabalhos que devem ser desenvolvidos nesse sentido.

“É necessário desenvolver novos métodos de prospecção que permitam descobrir jazigos kimberlíticos e aluvionares a grandes profundidades, usando métodos de estudos geofísicos, geoquímicos, análises de imagens espaciais e estudos analíticos”, disse.

A finalizar, Victor Ustinov sublinhou que o potencial diamantífero de Angola “é muito alto e nos próximos anos o país será palco de grandes descobertas”.

No final dessa apresentação, em declarações à imprensa, o então ministro da Geologia e Minas de Angola, Francisco Queiroz, disse que a informação apresentada é de grande utilidade para Angola, “não só para efeitos pedagógicos, científicos, como também para o trabalho que se está a realizar de recolha de informação ao nível do Plano Nacional de Geologia (Planageo)”.

Francisco Queiroz disse que Angola estava a trabalhar com as autoridades da Rússia para a recolha geológica em posse russa, trabalhos realizados para integrar na base de dados do Planageo.

Folha 8 com Lusa

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