“Folha 8” é fonte de liberdade e resistência

Vi muitos bons jornais chegarem e fomos testemunhas de como jornalistas e livres-pensadores foram brutalmente assassinados por um sistema que se auto-denominava “democrático” mas era, e ainda é, considerado o maior inimigo da liberdade de imprensa no mundo, por não tolerar hoje, como o fazia no passado, opiniões contrárias.

Por Emanuel Matondo

Foi neste contexto de ideologia intolerante, herdada do legado de Stalin (ex-ditador soviético), considerado por muitos, como um assassino, que o Jornal “Folha 8“ surgiu, resistiu e continua a lutar contra uma pseudo-democracia. Resiste à violência – seja verbal ou marcial – do regime de forma velada ou não, sempre na lógica de intimidação do jornalismo consequente e os dissidentes. No caminho da luta pela liberdade e pelo respeito da humanidade em Angola, desde os (tempos) mais sombrios após o nascimento da imprensa livre, no país, até hoje, muitos caíram, até profissionais da comunicação social, ante a espada dos torturadores e salteadores do regime, mas vimos, também, desaparecer a quase maioria dos jornais verdadeiramente independentes do círculo de poder.

Nesta constelação, e em face de toda a repressão e crise sofridas, o “Folha 8” é um sobrevivente. Sobrevivente que há cerca de 24 anos começou como um pequeno projecto e vai celebrar 25 anos de persistência, teimosia, resiliência, resistência e respeito à mesma linha editorial, em 2019.

O “Folha 8” estabeleceu-se, em Angola, como uma instituição que leva a sério a sua tarefa de quarto poder, exercendo a função de controlo dos agentes públicos do Estado, da corrupção e dos corruptos, institucionalmente instalados no poder. Nessa missão sempre soube criticar os mais poderosos do regime como nenhum outro jornal, denunciando as práticas erradas, nomeadamente, as violações graves das convenções e o desvio de erário público. Mas, também reconhecendo e elogiando, quando houvesse acções de governação positiva.

O jornal “Folha 8” tornou-se um despertador solene no seio da nossa sociedade, advertindo repetidamente sobre as possíveis consequências da concentração de poder, na pessoa de um presidente omnipotente, mas a propaganda do regime, funcionou tão bem que muitos angolanos ficaram cegos e surdos. Mas foi esse órgão, que no meio da bebedeira do boom do petróleo, previu e denunciou, desde cedo, o declínio que se abateria se não houvesse contenção e sentido patriótico.

A campainha deste órgão sempre tocou o alerta sobre a possibilidade duma falência se nada fosse feito para os ladrões, no poder, ainda com o chefe José Eduardo dos Santos, fosse estancado e a oposição de levantasse, para ver o óbvio, mas nada foi feito e a transmissão da cadeira do poder, a um outro, que pese chamar aos outros de “marimbombos” ele também é e personifica o que de melhor define o conceito marimbondo, que é, como disse William Tonet: vendilhões do tempo, ladrões do erário público, batoteiros institucionais e réplica de ditadores, ao concentrarem o poder absoluto.

Só isso justifica o festim nas últimas quatro décadas de ditadura e falência do Estado, em que José Eduardo dos Santos considerado por milhões chefe de quadrilha deixou o poder, face às muitas pressões, mas o “Folha 8” tanto detestado pelos “eduardistas“ ficou e, poderá resistir, às investidas dos novos “marimbombos“, por ser um projecto de resistência, com o papel de fiscalizador público, investigador, tendo ainda a missão de estar contra todo tipo de perversão política em Angola.

Com o surgimento do “Folha 8”, a sociedade angolana conseguiu um forte pilar, imperturbável e incorruptível, na luta pelas liberdades, nomeadamente a liberdade de expressão, garantindo o direito à informação em cumprimento do dever de informar os cidadãos e esclarecer os acontecimentos de interesse público.

Como quarto poder, o “Folha 8” nasceu num ambiente muito hostil, alguns odiavam-no e continuam a fazê-lo, outros, os mais brutos do regime não hesitaram em assaltar com frequência a sua redacção e comunicações telefónicas do seu director, prática que parece continuar.

É aqui que os nossos caminhos se cruzaram com os do “Folha 8”, na defesa de justiça distributiva num Estado que deve ser de direito, onde o medo deveria mudar de campo, empenhando-se como nenhum outro jornal, no papel importante para o esclarecimento de muitas violações de direitos humanos, crimes de guerra e crimes contra a humanidade praticados em Angola. Isso explica muito do permanente ódio, que manifestou José Eduardo dos Santos e membros do seu partido e governo contra o corajoso jornalismo do jornal “Folha 8”.

Aproveito esta oportunidade para homenagear pessoalmente o jornal, especialmente o seu Director Geral, William Tonet, pelos tantos actos heróicos e de mesmo depois de ter sido despojado de todos os seus títulos académicos e profissionais, pela equipa de José Eduardo dos Santos resistiu e resiste, sem se vergar, nem bajular, agora, como muitos queriam, o novo poder de João Lourenço. Só por isso se justifica não ter sido convidado por João Lourenço quando convidou elementos da sociedade civil e jornalismo para irem ao Palácio, quando foi o primeiro presidente da Associação Angolana dos Direitos Humanos, criador da maior e mais representativa associação de cidadania, que congregou políticos de todas franjas ideológicas: o AMC, foi o primeiro mediador do Processo de Paz Angolano, em 1991, para além de ter sido o único jornalista angolano que atravessava as duas linhas de conflito, entre o MPLA e a UNITA, etc.. Eu não posso nem contar quantos [actos heróicos] são, simplesmente, digo: Obrigado “Folha 8“, pelo empenho na defesa dos direitos civis de milhões de angolanos!

Lembro-me de muitos acontecimentos e momentos, neste caminho comum e difícil das últimas duas décadas: por exemplo, um dia, do ano 1999, quando um grupo de cidadãos angolanos expulsos da Europa, na sua chegada em Luanda, foram detidos pelo SINFO, a antiga inteligência interna e, de repente, foram dados como desaparecidos, algo forçado, manipulado, falso. As famílias das vítimas passaram semanas atormentadas, pela sorte dos seus ente-queridos, até que, graças a meticulosa investigação da equipa do “Folha 8”, desvendou o mistério.

Essa investigação, bem como as pressões nacional e internacional, que se seguiram, levaram o então ministro do Interior, naquela altura, Fernando da Piedade Dias dos Santos, a admitir, que os cidadãos em causa, estavam em diversas prisões do regime.

Qual a razão de tamanha arbitrariedade? Os jovens recusaram-se a cumprir o serviço militar obrigatório e abandonaram o país, por que não quiseram ser usados como carne para canhão, numa guerra civil, entre irmãos.

Aqui vale a pena recordar o direito de consciência, mas o desaparecimento forçado de pessoas, segundo as convenções internacionais é um crime contra a humanidade.

Nesta perspectiva, o jornal, com os nossos esforços, aqui fora, ajudou as famílias afectadas a ter a certeza e salvou as vítimas de um grande crime, que estava planeado a ser praticado pelo regime. E esse não foi o único crime grave cometido contra os Angolanos ou outros cidadãos residentes em Angola, que o “Folha 8” apurou.

Se existe uma organização, no país, que nos últimos 24 à 25 anos documentou violações de direitos humanos, abuso de poder, desvio de fundos estatais, corrupção, a violência e desrespeito da dignidade, essa é o jornal “Folha 8”, também o único que dedica páginas inteiras a situação dos direitos humanos em Angola.

Quando em Maio de 2012, os dois activistas Alves Kamulingue e Isaías Cassule foram raptados por ordem superior do déspota José Eduardo dos Santos e directamente depois assassinados por agentes da Polícia Nacional e do Serviço da Informação, foi o “Folha 8”, que nas primeiras horas, nos revelou a pista dos criminosos, sendo o único dos jornais independentes que informava o público com revelações chocantes de o corpo de um dos activistas assassinados ter sido entregue aos jacarés do Rio Dande pelos homens do regime brutal “eduardista“, que odiava o “Folha 8”, como a peste e os seus sucessores, tendo Luís Fernando a cabeça no palácio, na mesma senda e influenciar João Lourenço a estar contra o jornal da liberdade.

Mas a verticalidade e integridade do “Folha 8” não se deixa vergar e resiste às adversidades, como aquela em que o déspota, mandou confiscar todo o material editorial, do jornal, como computadores, impressoras, etc., para não mais trabalhar, mas nessa mesma semana a edição foi publicada, para meses depois, negar-se a receber o material roubado pelo SIC e William Tonet o doar ao gabinete presidencial, que deveria estar carente.

Que jornal poderá aceitaria computadores arbitrariamente confiscados que vêm do laboratório de inteligência de um déspota? “Folha 8”, mesmo não tendo apoio financeiro interno e externo, não aceitou. Rejeitou e vai resistindo com as próprias forças, pese a contínua perseguição, agora liderada por João Lourenço, principalmente, contra o seu fundador William Tonet e seus colaboradores, por não aceitarem bajular.

O método pérfido de perseguição permanente pode ser aferido ainda nos processos judiciais injustos e arbitrários contra William Tonet, mesmo na era de JLo, pois foi com este que chegou aos 116 processos, de tal maneira que o jornalista angolano destacado agora é considerado um recordista mundial entre as vítimas da perseguição contra a liberdade de imprensa.

Todas as medidas de assédio ou a repressão orquestrada durante anos visa(va)m secar financeiramente “Folha 8” e desfazer uma voz mais critica de Angola, uma corrente incorruptível, mas pese isso tudo, foi dos únicos que não foi comprado e apesar de tudo o barco “Folha 8” não se afundou, pelo contrário, foi o regime que se afundou e afunda cada dia mais, estando hoje o país na falência. Mas, graças à determinação dos profissionais deste jornal, o país e a comunidade angolana e internacional, continuam a ter informação privilegiada e actual sobre a realidade do país e seus actores.

Houve momentos duros sim, de acordo com o contexto da repressão, mas desfrutamos também bons momentos com o jornal “Folha 8”, pois esperamos por um futuro melhor, sem ditadura de partido único e sem o regime de manipulação e fraude eleitoral, uma Angola de justiça social, que todos sonhamos desde a hora da luta anti-colonial.

Tenho a certeza que teremos esses momentos felizes numa outra Angola, e com o “Folha 8“, na sua nobre missão, já num verdadeiro Estado de direito, democrático, por esta razão não gostaria de deixar de lembrar alguns casos relevantes, por ele titulado e com imensa repercussão:

a) “Folha 8“ revelou a forma como Silvestre Tulumba Kaposse, empresário do regime, afundou a empresa Transdis, colocando em risco a sobrevivência das famílias dos trabalhadores, que ficaram sem salários, durante muitos meses. Ele nunca foi condenado nem perseguido, por ser amigo pessoal da família Dos Santos e do “testa de ferro” do general Kundi Paihama.

Muitos negócios obscuros de Silvestre Tulumba Kaposse não impediram os bancos investidores estrangeiros, entre outros os bancos alemães, de emprestar biliões de dólares a este empresário, testa de ferro, para financiar os seus mega-projectos com o roubo de terras, no Lubango/Huíla e em Kuroca/Kunene, cuja materialização resultou nos conflitos com as comunidades locais;

b) “Folha 8“revelou as irregularidades e desvio massivo de fundos, no seio da Administração Geral Tributária (AGT) de Angola e que o seu director geral, Silvio Burity chegava a ganhar 100 a 200 mil dólares/mês, irregularmente, mas mesmo provando e o gatuno reconhecendo, o William Tonet é que foi condenado, por um juiz, batoteiro e imoral, se prepara para assumir a CNE (Comissão Nacional Eleitoral);

c) A publicação do meu dossier investigativo, intitulado “Dinheiro sujo à procura de lavandaria”, que apenas o jornal “Folha 8” ousou imprimir em Angola e distribuir, apesar de todas ameaças proferidas. Este dossier, publicado em diversas línguas, revelou em 2011, como a quadrilha Zénu dos Santos, Jean-Claude Bastos e Marcel Krüse, ajudados pelo cérebro da Alemanha Ernst Welteke, o antigo presidente do Banco Federal Alemão (Bundesbank), esse último, como presidente do Banco Quantum, hoje denominado Banco Kwanza, conseguiram montar um esquema secreto sem precedentes de desvio dos fundos públicos e lavagem de activos graças as estruturas entre Angola, Suíça (Zurique, Zoug, Genebra, Lugano) e as Ilhas Virgens Britânicas (Tortola).

Esta minha denúncia foi o prelúdio para o que foi confirmado anos depois, tanto no Panama Papers (2016), como no Paradises Papers (2017) e apesar das ameaças de morte contra mim e contra alguns membros do jornal, e de uma acção judicial movida na Alemanha, contra mim, com os meus colegas pelos protagonistas atrás citados, o “Folha 8” permaneceu firme, com uma coragem civil muito admirável!

Por isso me pergunto, várias vezes, o que seria da história de Angola, sem o jornal “Folha 8”? Seguramente, seria, totalmente, deformada, falsificada, pelos homens do poder actual e mal contada por todos charlatães, no exterior.

Finalmente, assumo, “Folha 8” prestou até hoje, um óptimo serviço à Nação angolana e aos Angolanos, confirmando, ser mais do que um Jornal! Necessitaremos sempre do vosso serviço, na estrutura jornalística e gráfica do mundo, para a materialização do nosso sonho, o sonho de milhões amantes da liberdade de imprensa. Que Deus sempre vos acompanhe!

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