Donos dos diamantes “amordaçam” os sobas

O poder tradicional dos sobas angolanos nas Lundas nada pode fazer contra o das diamantíferas, que expulsam as comunidades locais de terrenos seculares e põem em causa todo o desenvolvimento agrícola das duas regiões. E que diz o Governo? Nada. A razão da força (do dinheiro) continua a derrotar em toda a linha a força da razão (dos direitos).

Os lamentos foram feitos à agência Lusa por duas das principais autoridades tradicionais que reinam em comunidades nas lundas Norte e Sul, em que destacaram a falta de acesso à terra, o incumprimento das promessas das diferentes empresas mineiras no direito à água, luz, educação, saúde e emprego, sendo também frequentes as escaramuças com as “rigorosas” forças de segurança locais e das próprias diamantíferas e a expulsão das suas terras com indemnizações de 300 kwanzas (0,83 euros).

Moçambique Kafula, soba do Bairro Kafula Luele, na Lunda Norte, salientou à Lusa o “muito sofrimento” das populações, criticando as diamantíferas que “gerem” uma das maiores áreas de exploração de diamantes do mundo maior, empresas que se “esquecem” que lá, lado a lado, “também vivem pessoas que estão a morrer à fome”.

“As empresas mineiras violam muito o código mineiro. Nós, lá, estamos a sofrer muito, mas muito mesmo. É muito mesmo. Quando o Governo lhes dá a licença, o alvará, para a exploração de diamantes, não respeitam o povo. O objectivo deles é tirar os diamantes. Enquanto tirarem os diamantes não querem saber do povo. E, se tem lá pessoas, querem bater-lhes”, explicou o soba Moçambique Kafula.

Quando alguém adoece, não há sequer em redor um posto médico que, à partida teria de ser garantido pelas diamantíferas, em redor, queixa-se, lamentando as sucessivas mortes de membros da comunidade local.

E quando protesta, a “segurança” em redor do perímetro das explorações “resolve” o assunto, sublinhou o soba, lembrando que a sua comunidade vai estar, em breve, junto daquela que irá tornar-se a maior mina de diamantes do mundo, a do Luaxe.

Trata-se de um povo maioritariamente agricultor que, face à abundância de diamantes, também garimpa nos vários rios e solos da região, mas que nada pode fazer dado a constante vigilância.

“Já falei várias vezes [com as empresas diamantíferas]: o povo não pode ir acartar água, não pode fazer pesca porque é acusado de ir garimpar. Se sabem que o povo está lá a garimpar porque é que eles metem lá a empresa? Eu sei que aquele é um gatuno, não vou meter lá um pão, se não vai roubar. Mas porque é que eles põem lá as empresas? O povo é garimpeiro e não tem empresa”, explicou.

Segundo o soba Moçambique Kafula, quando os administradores das empresas mineiras se deslocam a Luanda, há a intenção de demonstrar que as promessas são todas cumpridas e que não existem problemas com as comunidades locais, quando o povo “continua a sofrer muito”.

“Na boca eles falam [que sim, que cumprem as promessas], mas não realizam. Vêm aqui [a Luanda] e falam que nós estamos a ajudar. Se você for ao local vê o povo a viver mal. Mas quando chegam aqui, os executivos dizem que nos vão ajudar com isto e aquilo, mas, lá, não ajudam. Se ajudam é 1%. E vêm aqui e dizem que é 100%. Não estão a ajudar o povo. Estamos a sofrer muito. Precisamos da ajuda do Governo que, nas eleições (de agosto de 2017), disse que iria ajudar quando as ganhasse. Qual é o povo que está a ajudar? O povo está a morrer à fome”, frisou.

Por seu lado, o rei da Lunda, José Estêvão Mwatchissengue, soberano do poder tradicional do povo Lunda Tchoqwe, sublinhou à Lusa que o panorama dos seus “súbditos” não é diferente daquele que se vive no Bairro Kafula Luele, em que o pouco é feito nas zonas urbanas e não nas rurais, “onde o povo está à deriva”.

“Prometeram a escola, luz, água e postos de saúde. A saúde nos bairros é precária. Construíram uma escola com quatro ou cinco salas e não há posto médico. A água, o sítio onde a colocaram, tiraram as pessoas das suas lavras e indemnizaram com 300 kwanzas, aquilo que eles acharam que tinham de dar deram. Tiraram-nos daquele lugar e foram colocá-los noutro sítio. No sítio onde os colocaram também estão a ser retirados de novo”, contou à Lusa.

Segundo o rei Mwatchissengue, os sucessivos postos de controlo impedem a grande maioria das pessoas de circular entre as diferentes comunidades.

“Até eu, para ir visitar o Malude, a mina está de um lado, mas eles colocam o controlo para quem vai à vila, onde estão as comunidades. E tem havido choques entre a população e a segurança. Isto não é salutar. Há falta de emprego nas comunidades, de incentivos para a agricultura, de energia, de água, de medicamentos. Alguns bairros não têm postos médicos. Há falta de transportes. Há muitas crianças que estão sem estudar. Há muitas crianças e até alguns adultos sem registo civil”, prosseguiu o soberano lunda.

O cúmulo, explicou, foi atingido no Malude, embora haja outros bairros na mesma situação, quando as populações em redor da zona mineira foram “empurradas” para outra região para poderem prosseguir com as lavras.

“Mas já os estão a obrigar a sair outra vez, porque a empresa descobriu que também ali há diamantes. Não sei onde a população irá fazer agora as suas lavras, feitas com sacrifício, com enxada, para sustento familiar. Não existem máquinas lá para que possam haver algumas cooperativas ou associações agrícolas. Com o esforço que a população faz ainda complicam mais a sua vida dos cidadãos e é muito triste”, disse.

A 11 deste mês, um estudo de uma organização não governamental de Angola, noticiado pela Lusa, criticou o Estado angolano pela “ausência” de responsabilização pelas comunidades que residem nas zonas de exploração diamantíferas, permitindo abusos das empresas de exploração mineira, sobretudo nas Lundas.

O estudo, intitulado “Os Impactos da Exploração Diamantífera sobre as Comunidades Locais”, foi elaborado entre Setembro de 2015 e idêntico mês de 2018, pela Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD), coordenado por Serra Bango, e em que se critica o Estado por se ter “exonerado das suas responsabilidades no cuidado das populações” que vivem à volta das zonas de exploração diamantífera.

“Não têm acesso a água, o sistema de ensino é precário e o de saúde quase nulo. Os jovens vivem desempregados e há um elevado número de meninas com gravidezes precoces”, explicou Serra Bango, salientando que o Estado também “não tem a mínima preocupação” em criar condições para a promoção e inclusão dos jovens.

Questionado então pela Lusa sobre se as principais zonas de exploração mineira nas Lundas são um “Estado dentro do Estado”, Serra Bango reconheceu que “é quase isso”, defendendo que as concessões mineiras são “cidades dentro de uma cidade”, pondo em causa o porquê da existência zonas de exploração se estendem ao longo de 50 quilómetros.

Folha 8 com Lusa

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