Cor da pele não pode ser a carta-branca dos acéfalos

O cônsul-geral de Angola em Lisboa pediu à comunidade angolana que respeite as leis portuguesas e, particularmente aos jovens, para evitarem “arruaças”, apelo que acontece após os recentes distúrbios no bairro da Jamaica. Por sua vez, Dirce Noronha (foto), presidente da Associação de Moradores do Bairro da Jamaica, disse à Renascença que os confrontos do último fim-de-semana naquele bairro “nada têm a ver com o racismo”, apenas “houve uso excessivo de poder por parte dos policiais”.

“T emos uma relação com Portugal a que não podemos fugir e, como angolanos que estamos num país alheio, temos de ter um comportamento que não venha beliscar a nossa imagem. Temos de respeitar as leis do país de acolhimento, ter uma atitude que dignifica a nossa imagem como angolanos”, disse Narciso Espírito Santo.

O representante de Angola falava, em Lisboa, durante um encontro com cerca de três dezenas de representantes de associações e organizações eclesiásticas da comunidade angolana.

O caso das recentes agressões policiais a uma família angolana no Bairro da Jamaica, no Seixal, não constava da ordem de trabalhos da reunião, que estava marcada desde 16 de Janeiro, mas acabou por ocupar a parte inicial do encontro.

Narciso Espírito Santo admitiu que o vídeo das agressões lhe “caiu mal”, mas apelou para a “reflexão” sobre o que não se vê nas imagens divulgadas nas redes sociais.

“O foco foi só nas imagens que vimos, mas antes das imagens o que é que aconteceu? São situações para reflexão”, disse.

O cônsul adiantou que nos acontecimentos dos dias seguintes houve aproveitamento por parte “de pessoas de má-fé” que acabaram por deixar mal a comunidade angolana.

“Tirando o que aconteceu no primeiro dia, nos outros actos que se seguiram penso que nenhum angolano está envolvido”, reforçou, defendendo a necessidade de acautelar este tipo de situações no futuro.

Nesse sentido, o cônsul pediu a colaboração dos líderes associativos e religiosos para fazer “um trabalho de sensibilização da comunidade” para que tenha “uma postura digna e que dignifique a imagem de Angola”.

“Vão ter de pedir à nossa comunidade, principalmente aos jovens, para terem um pouco de calma. É preciso muita calma, ponderação. Se há problemas têm de se resolver dentro dos parâmetros legais, nada de estar a fazer arruaças”, reforçou.

Narciso Espírito Santo lembrou que as relações entre Angola e Portugal já passaram “um período crítico” e que o “ambiente salutar e de irmandade” que está a ser criado agora beneficiará os povos dos dois países.

Presente no encontro, Carlos Gonçalves, secretário-geral da AMANGOLA – Portugal, recordou, por seu lado, que a organização acompanha casos como o do Bairro da Jamaica há 20 anos.

“A atitude da polícia e este tipo de incidências na margem sul não são novas. Esta teve maior exposição por causa do fomento das redes sociais”, disse à agência Lusa.

Assinalou, por outro lado, o sentimento de “profunda indignação” que a situação causou na comunidade “face à desproporção da carga policial diante de pessoas desarmadas”.

Carlos Gonçalves afirmou, por outro lado, confiar “na capacidade da justiça de analisar e interpretar os factos à luz da lei sem que deixem de ser punidos os principais responsáveis”.

Para o dirigente associativo, tratou-se de “uma circunstância específica que tem mais a ver com uma acção e uma reacção do que com aspectos relacionados com racismo e xenofobia”.

Quatro pessoas foram detidas na segunda-feira, no centro de Lisboa, na sequência do apedrejamento de elementos da PSP por participantes numa manifestação em frente ao Ministério da Administração Interna

Este protesto realizou-se um dia depois de incidentes em Vale de Chícharos, conhecido por Bairro da Jamaica, no Seixal, distrito de Setúbal, entre a PSP e moradores e dos quais resultaram feridos cinco civis e um polícia, sem gravidade, tendo sido detida uma pessoa, entretanto libertada.

Desde então, e ao longo de toda a semana têm-se registado em vários concelhos dos distritos de Lisboa e Setúbal incidentes com ataques a esquadras, carros incendiados e caixotes do lixo queimados. A polícia portuguesa não estabelece uma relação entre os incidentes registados no centro de Lisboa e nas restantes zonas.

O Ministério Público abriu um inquérito aos incidentes no bairro da Jamaica e a PSP abriu um inquérito para “averiguação interna” sobre a “intervenção policial e todas as circunstâncias que a rodearam”.

O que diz a Associação de Moradores

Dirce Noronha, presidente da Associação de Moradores do Bairro da Jamaica, disse à Rádio Renascença que os confrontos do último fim-de-semana naquele bairro “nada têm a ver com o racismo”, apenas “houve uso excessivo de poder por parte dos policiais”.

Dirce afasta de todo a possibilidade de os agentes da esquadra da Cruz de Pau, Seixal, terem actuado motivados pela cor da pele. “Eles são polícias, têm regras de conduta, mas são seres humanos. Houve agressões por parte das pessoas e eles reagiram”, reconhece. A agressão em causa, explica, baseou-se no “arremesso de pedras” dos moradores à polícia, acção à qual os agentes reagiram.

Apesar disso, Dirce Noronha não deixa de criticar o uso excessivo de força pelas autoridades. “Até bateram nos pais. Mas não posso pegar nisso e falar de um acto racista. Pode ser o calor do momento. Foram agredidos e agrediram. Dizer que isso foi um acto racial estou contra”, insiste.

Dirce também diz que o que se passou na Avenida da Liberdade na segunda-feira, um dia depois dos confrontos no seu bairro, em nada tem a ver com os moradores do bairro do Seixal. Esses, afirma, “estão fartos do uso do nome do bairro” para justificar actos com os quais não concordam.

“Não foram as pessoas do bairro da Jamaica que marcaram esta manifestação, a família com quem se deu os acontecimentos também já mostrou o se desagrado e não participará”, explica Dirce, justificando que o evento apenas “gera mais discordância”.

“Estamos mesmo contra toda esta violência, e estamos tristes. Está lá sempre o nosso nome, bairro da Jamaica, bairro da Jamaica. A maioria das pessoas aqui são pacificas”, salienta Dirce.

A presidente da Associação de Moradores do Bairro da Jamaica teme que estes eventos prejudiquem o realojamento dos moradores do bairro, um processo que começou há um mês e que terminará em 2022, num investimento global de 15 milhões de euros. “As pessoas pensam assim: ‘Estamos a ajudar para dar uma casa e ainda nos chamam de racistas e tratam mal’”, explica Dirce Noronha.

Dirce termina com um apelo à serenidade. “Não podemos generalizar os comportamentos. Não é por causa de uma situação isolada que podemos chamar racistas.”

Em Angola há quem apele ao confronto

C onfundindo a obra-prima do mestre com a prima do mestre de obras, alguns angolanos advogam a adopção de uma reacção do tipo olho por olho, dente por dente. Têm, com certeza, a esperança de que sejam outros que não eles a ficarem cegos e desdentados.

Júnior Tomás, Afonso Gaspar Rocha, Disakala Ventura, Fanuel E. T. Da Gama, Benedito J. “Dito Dalí”, António Dembo, Luís Paulo, Afonso Matias “Mbanza Hamza”, Dádiva Francisco e Nuno Álvaro Dala, saltaram para a ribalta extremista para “manifestar o nosso mais veemente repúdio pela agressão de que foram alvo cidadãos Angolanos residentes no Bairro da Jamaica, Seixal (Portugal), levada a cabo por agentes da Polícia de Segurança Pública (PSP), a 19 de Janeiro do ano em curso”.

“Expressamos igualmente veemente repúdio às incontáveis manifestações de xenofobia e racismo, feitas por cidadãos portugueses, por escrito e por áudio, contra as vítimas do Bairro da Jamaica e, como tal, contra todos os Angolanos e todas as outras pessoas negras. Quem ataca um Negro, ataca todos os outros Negros”, afirmam. Esquecem-se, convenientemente, de falar dos apelos ao ódio e até à morte feitos no nosso país contra os portugueses.

Dizem que “as inqualificáveis declarações de xenofobia e racismo, proferidas de forma franca por cidadãos portugueses de diversos estratos sociais, constituem na verdade a expressão do que os portugueses em geral pensam e sentem realmente sobre os Negros, sejam Angolanos ou não”.

E então as declarações de xenofobia e racismo, proferidas de forma franca por cidadãos angolanos de diversos estratos sociais, constituem na verdade a expressão do que os angolanos em geral pensam e sentem realmente sobre os brancos, sejam portugueses ou não?

Estes angolanos exigem “que o Estado angolano faça um protesto ao Estado português pela brutalidade de que foram vítimas cidadãos Angolanos residentes no Bairro da Jamaica e pelo generalizado discurso xenófobo e racista que tem sido produzido por cidadãos e cidadãs portugueses”.

Terão tomado igual posição junto do Estado angolano, protestando contra o generalizado discurso xenófobo e racista que tem sido produzido por cidadãos e cidadãs angolanas?

Folha 8 com Lusa

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2 Thoughts to “Cor da pele não pode ser a carta-branca dos acéfalos”

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  2. carlos oliveira

    A policia até podia ter aplicado desproporcionada força sobre as referidas pessoas. Porém, a policia foi previamente agredida. Gostaria de ver como se portaria a policia angolana, especialmente, o SIC se fosse apedrejado por portugueses em Luanda. Também gostaria de ver como reagiria a policia angolana se portugueses residentes em Luanda andassem a destruir propriedade pública ou privada angolana. Por certo que os seus autores não eram vitimas de bastonadas. Ou seriam? Não esqueço o video publicado recentemente em que se via um agente do SIC a balear um presumível bandido em Luanda, à queima roupa.. E talvez por muito menos que destruir automóveis ou contentores. O caso como diz Dirce Noronha não é de cariz racista, mas do foro criminal. Há pretos ordeiros e desordeiros, como há brancos ordeiros e desordeiros. Fico porém curioso sobre a forma de resolução deste assunto, caso ele tivesse ocorrido em Angola, mesmo que os intervenientes fossem angolanos….

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