CFL diz não ter dinheiro e o sindicato “decreta” greve

Os trabalhadores do Caminho-de-Ferro de Luanda (CFL) iniciaram hoje uma greve por tempo indeterminado, para entre várias outras reclamações reivindicar um aumento em 80 por cento do salário. Administração critica a greve e diz que não tem dinheiro.

Em declarações à agência Lusa, o primeiro secretário do Sindicato de Trabalhadores do CFL, José Carlos, disse que a adesão à greve ultrapassou as expectativas, salientando que a paralisação é geral nas províncias de Luanda, Cuanza Norte e Malange, o troço que compreende o caminho ferroviário.

José Carlos referiu que apesar da adesão total, há informações de que os grevistas no Cuanza Norte estão a receber ameaças.

“Mas nós estamos calmos e serenos”, disse o sindicalista, recordando que 19 pontos compõem o caderno reivindicativo.

Segundo José Carlos, o último encontro com a entidade patronal ocorreu na quinta-feira, que se estendeu até de madrugada, mas apenas alguns pontos foram abordados.

Os resultados deste encontro foram dados a conhecer, na sexta-feira, ao colectivo de trabalhadores, que se recusaram a aceitar a resposta da entidade patronal, sobretudo no que se refere ao aumento salarial.

“Esse ponto não foi negociado, porque a empresa diz que não tem dinheiro para aumentar os trabalhadores nem sequer um por cento dos 80 que pedimos, resultado que nos fez manter a greve por tempo indeterminado”, referiu.

Contudo, os serviços mínimos exigidos por lei estão salvaguardados, avançou José Carlos, frisando que estão a ser realizados dois comboios, de manhã e à tarde, em Luanda, da estação do Bungo até Viana, garantindo o transporte a perto de 350 pessoas por viagem.

Além do aumento salarial, os grevistas exigem também a atribuição de subsídios de alimentação, transporte e instalação.

Relativamente aos comboios de carga e de passageiros interprovincial, com viagens bissemanais ficam paralisados na totalidade.

Com cerca de 900 trabalhadores, o CFL realiza por dia 17 viagens de comboio suburbano de passageiros, garantindo o transporte a mais de 6.000 pessoas, ao custo de 500 kwanzas (1,3 euros), em primeira classe, 200 kwanzas (0,55 cêntimos de euros, em segunda classe, e 30 kwanzas (0,08 cêntimos de euros), em terceira classe.

O porta-voz do CFL, Augusto Osório, confirmou a paralisação total dos serviços, salientando que no último encontro, na sexta-feira, ficou acordado com os membros da comissão negociadora de que deveria ser protelado o início da greve, tendo em conta que a maior parte dos pontos do caderno reivindicativo – 18 dos 19 – foram já respondidos favoravelmente pela administração.

De acordo com Augusto Osório, o acordo celebrado na presença dos representantes dos Ministérios dos Transportes e da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social, não foi cumprido pelos sindicalistas, que hoje decidiram pela paralisação dos serviços.

“Verificamos hoje a realização pela manhã de apenas um comboio, que às 06h30 partiu da estação do Bungo e está previsto um no período da tarde, que vai partir da estação do Bungo com destino à estação do entroncamento”, explicou.

Augusto Osório frisou que a exigência fundamental que tem condicionado um acordo total é o aumento de 80 por cento do salário dos trabalhadores, para qual a empresa está sem condições financeiras para responder.

“Os actuais salários são pagos com recurso ao que vem do Orçamento Geral do Estado, através do subsídio operacional, que é fornecido mensalmente pelo Estado. Estamos sem condições de responder positivamente a esta pretensão dos trabalhadores e pensamos que qualquer reivindicação tem que ser feita numa base de racionalidade e de razoabilidade”, referiu.

O porta-voz do CFL garantiu que estão abertos ao diálogo para encontrar a solução para o problema.

“Os trabalhadores têm que ter em conta que face às perdas diárias que vamos ter fruto dessa paralisação, só aqui no transporte suburbano de Luanda, diariamente vamos deixar de transportar cerca de 7.000 passageiros e vamos ter um prejuízo diário de 1.500.000 kwanzas (4.193 euros)”, disse.

“Isso vai significar que todas as outras questões que foram aceites durante as negociações com os trabalhadores poderão de alguma forma fazer com que tenhamos mais dificuldades para superação ou satisfação das exigências que já foram acordadas”, sublinhou.

Uma longa e nobre história

A segunda linha dos CFL, que ligará a capital angolana ao novo aeroporto internacional da capital e cujos trabalhos começaram em Setembro de 2016, estará concluída em Março de 2019, disse no passado dia 17 de Outubro uma fonte da empresa.

Segundo o porta-voz dos CFL, Augusto Osório, citado no órgão oficial do Governo, o Jornal de Angola, os trabalhos em curso, além da própria linha, que parte da estação do Bungo, envolvem a construção de seis novas gares e de novas oficinas, estas situadas em Catete, a nordeste de Luanda.

Augusto Osório indicou que os CFL vão pôr novos comboios para a linha a inaugurar que serão “um pouco diferentes” das já existentes.

“As novas locomotivas terão uma configuração diferente das actuais, por serem modernas, ligeiras e velozes e transportam um maior número de pessoas”, referiu.

O programa de modernização dos CFL visa melhorar algumas oficinas gerais no bairro do Cazenga, na colocação de novos equipamentos e outros materiais que vão beneficiar e optimizar o sector.

Sobre a conclusão das obras, Augusto Osório lamentou o facto de a construtora não estar a cumprir com o prazo previamente estabelecido, por também se ter ressentido da crise económica e financeira que o país atravessa. “Se tudo correr bem, penso que até Março de 2019 ficam concluídas as obras”, afirmou.

O novo aeroporto internacional de Luanda, conhecido pela sigla NAIL, situa-se em Viana, 40 quilómetros a sudeste da capital, estando previsto que, se os prazos forem cumpridos, que esteja operacional em 2020.

O NAIL constituirá um dos maiores aeroportos de África, com capacidade para 15 milhões de passageiros/ano, um volume de mercadorias de 50 mil toneladas/ano e ocupando uma área de 1.324 hectares.

Tem duas pistas duplas e está dimensionado para receber aeronaves do tipo B747 e A380 – actualmente o maior avião comercial. Contempla ainda a construção de raiz de uma cidade aeroportuária que cobrirá uma área de construção de 75 quilómetros quadrados.

Por outro lado, o programa de modernização dos Caminhos-de-Ferro, sob responsabilidade do Ministério dos Transportes, tem o acompanhamento do CFL, enquanto beneficiário, salientou Augusto Osório.

O porta-voz do CFL disse, por outro lado, que na capital os que mais fazem uso regular do Caminho-de-Ferro de Luanda são maioritariamente funcionários públicos e privados, estudantes, comerciantes e, sobretudo, pessoas que fazem o transporte de mercadoria de Luanda para os outros municípios e vice-versa.

Nos serviços de médio e longo curso, como a ligação de Luanda a Malanje, Ndalatando, Dondo e para o resto do interior do país, são normalmente transportados bens industriais, entre produtos do campo e outros ligados à pesca e à caça.

Augusto Osório reconheceu que, actualmente, os CFL são uma empresa deficitária, pois não tem contribuído, “como devia ser”, para os cofres do Estado, alertando para a necessidade de a empresa necessitar de mais investimentos.

Segundo o porta-voz, os CFL têm enfrentado “um grande desafio”, sobretudo com os acidentes que se têm registado ao longo da linha férrea. Explicou que mesmo com a construção de um muro de vedação para evitar acidentes, infelizmente, o espaço tem sido invadido, criando grandes constrangimentos.

Augusto Osório indicou que, em média, por semana, estão a ser registados entre três a quatro atropelamentos, o que lamentou, assegurando, porém, que a colisão entre comboios e automóveis diminuiu consideravelmente.

130 anos ao serviço de Angola

Aos 130 anos de serviço, depois de troços amputados durante décadas pela guerra civil, o CFL serve hoje, anualmente, mais de 4 milhões de passageiros.

A actual linha liga Luanda à província de Malange, num percurso de 428 quilómetros reabilitado em 2011, após o fim da guerra civil, mas tudo começou em 1881, durante a ocupação colonial por Portugal. Viviam então em Luanda 15.000 pessoas, entre os quais cerca de três mil portugueses.

O primeiro troço do comboio, como recorda o livro “Uma história viva” lançado agora pela Administração do CFL, foi inaugurado a 31 de Outubro de 1888, através do então Caminho de Ferro de Ambaca, ligando Luanda à Funda, num percurso de 45 quilómetros.

A primeira estação, no Bungo, junto à marginal de Luanda, ainda mantém hoje a traça original e chegou a permitir a ligação à zona mais nobre da capital: a cidade alta.

Desconhecida das gerações mais novas, essa linha cruzava o centro da cidade, ligando ainda à então Câmara Municipal de Luanda, com dois comboios diários, até ser desactivada em 1958, “quando a expansão urbanística tomou conta da cidade”, recorda o livro publicado pelo CFL para assinalar os 127 anos.

Poucas memórias dessa linha ainda perduram pela zona antiga de Luanda, como o que sobra da traça arquitectónica da então estação na Maianga, ainda com a inscrição “Cidade Alta” numa das paredes. Sem carris por perto, está agora transformada numa loja, mas passa despercebida pelo quotidiano de Luanda.

Recordações plasmadas no livro e que resultou da coordenação de Francisco Henriques, Tomás Leiria Pinto e Augusto Osório, como a da ponte da barroca precisamente no troço que ligava à cidade alta.

“Foi nessa ponte que o genial burlão Alves dos Reis ofereceu [atravessando-a de comboio] um espectáculo inolvidável aos luandenses. Com base num diploma falsificado que o confirmava como engenheiro de máquinas, conseguiu ser admitido para o posto de director do Caminho de Ferro de Ambaca”, recorda o livro.

“Do período colonial, para além do inegável mérito da introdução do caminho-de-ferro em Angola, aliada a uma marcante capacidade de planeamento, engenharia e decisão, ficará a visão integradora dos portos e respectivas linhas de caminho-de-ferro, numa abordagem premonitória da importância da logística moderna e dos actuais corredores de desenvolvimento”, destacou em 2015 o presidente do Conselho de Administração do CFL, Celso Rosas, na apresentação do livro.

O comboio chegaria de Luanda a Malange, no interior norte de Angola, em 1909 (interrompido devido à guerra civil entre 1991 e 2011), para assegurar o transporte de passageiros e garantir o escoamento até ao porto da capital – e depois a exportação – da produção agrícola local, nomeadamente o café, mas também do ferro e manganés.

Editado pelo CFL e com uma nota de abertura feita por Adriano Moreira, enquanto antigo ministro do Ultramar durante o Estado Novo, em Portugal, o livro reúne informação sobre os dois períodos do comboio de Luanda – colonial, entre 1881 e 1975, e contemporâneo, entre 1975 e 2015 -, e apresenta ainda fotografias e anexos dessa evolução histórica.

O lançamento do livro contou com a apresentação do então ministro dos Transportes, que sublinhou os novos desafios que o comboio enfrenta na capital, desde logo a prevista duplicação de uma parte da via, desde a estação do Bungo, ou a nova linha que vai ligar o centro ao futuro aeroporto internacional em construção nos arredores de Luanda.

“Com seis novas estações, a última das quais dentro do próprio aeroporto”, apontou Augusto da Silva Tomás, garantindo que também estava em curso a aquisição de novo material circulante.

Os CFL transportaram em 2014 quase 3,5 milhões de passageiros, já depois da reabilitação por empresas chinesas, registo que em 1973 era de 946.066.

Folha 8 com Lusa

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