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O Presidente angolano, João Lourenço, está “agastado” (malditos marimbondos) com a crise de combustíveis em Angola, disse hoje fonte oficial, indicando que o assunto vai ser debatido na Presidência da República. Será caso para exonerar Isabel dos Santos da Sonangol? Ah! Pois é. Ela já lá não está…

Sem adiantar pormenores, a fonte salientou que a falta de combustíveis, que está a afectar todo o país desde a passada sexta-feira, vai gradualmente paralisando todos os sectores produtivos em Angola e está a originar graves problemas de energia, sobretudo nas províncias do interior, dependentes do combustível para fornecer electricidade.

Num comunicado divulgado no sábado, o único até agora emitido pela Sonangol EP, principal distribuidora de combustível angolana, justificou a escassez de gasolina e de gasóleo com dificuldades no pagamento dos produtos refinados importados em moeda estrangeira, prometendo que, em breve, a situação estaria ultrapassada.

A falta de combustíveis em Angola, acrescentou a fonte, foi, aliás, assunto abordado ontem por João Lourenço num encontro que decorreu no Palácio Presidencial, na Cidade Alta, em Luanda, em que exigiu um “relatório pormenorizado” sobre a situação, que irá ser entregue hoje.

No encontro estiveram presentes os ministros angolanos dos Recursos Minerais e Petróleos, da Energia e Águas, e das Finanças, bem como o governador do Banco Nacional de Angola e o presidente do Conselho de Administração da companhia petrolífera angolana Sonangol, entidades encarregadas de elaborar o relatório.

A falta de combustíveis em Angola, que começaram a rarear na passada sexta-feira, levou ao disparar dos preços do litro de gasolina e gasóleo um pouco por todo ao país, atingindo, nalguns casos quase o quádruplo.

Em Luanda, grande parte dos postos de combustíveis das diferentes empresas de abastecimento estava encerrada, enquanto as abertas contam com grandes filas de automóveis ligeiros, veículos de transporte de mercadorias, táxis, motociclos e jovens com dezenas e dezenas de bidões que, depois de o adquirirem ao preço oficial, vão vendê-lo mais caro nos bairros periféricos.

Sábado, no comunicado, a Sonangol EP, garantiu que a situação será ultrapassada em breve, havendo a perspectiva de regularização até quarta-feira.

No documento, a empresa assumiu dificuldades no acesso às divisas para a cobertura dos custos com a importação de produtos refinados, uma vez que efectua o pagamento em divisas para venda no mercado nacional em kwanzas.

Outro factor apontado pela Sonangol está relacionado com a elevada dívida dos principais clientes do segmento industrial, que, refere a empresa, consome cerca de 40% da totalidade do combustível, e cuja falta de pagamento condiciona também a disponibilidade de kwanzas para a aquisição de moeda estrangeira.

Não obstante a situação, a Sonangol assegurou “total e permanente empenho” na regularização dos mercados, garantindo ter já efectuado o pagamento aos fornecedores de produtos importados, estando, desde sábado, em processo de descarga de “quantidades suficientes para repor as condições de abastecimento”.

No entanto, apenas uma percentagem reduzida dos milhares de postos de combustíveis existentes em Angola está a receber combustível, com as centrais eléctricas nas províncias do centro e sul do país a encurtarem os períodos de distribuição de energia eléctrica, admitindo o risco de “total apagão”.

Milhões para, diz-se, importar combustível

Angola gastou mais de 4.000 milhões de dólares durante um ano para importar combustíveis refinados, segundo uma autorização para o negócio, envolvendo o grupo da petrolífera estatal Sonangol.

Em causa está o despacho presidencial n.º 61/18, de 24 de Maio, em que o Presidente João Lourenço autoriza a abertura do procedimento de contratação simplificada para o fornecimento de derivados do petróleo, nomeadamente gasolina, gasóleo e gasóleo de marinha, à Sonangol Logística.

O contrato é referente ao período de 1 de Abril de 2018 a 31 de Março de 2019 e “autoriza a realização de despesa inerente aos contratos a celebrar” no valor global de 4.030.734.000 dólares (3.430 milhões de euros).

A Sonangol anunciou a 16 de Março de 2018 a contratação de duas empresas internacionais de ‘trading’ e refinação para fornecimento de combustíveis, o que representou o fim do monopólio da Trafigura.

De acordo com informação disponibilizada pela Sonangol, o concurso público para este efeito foi lançado a 17 de Janeiro de 2018, com o convite dirigido a 20 das maiores empresas internacionais do sector, das quais 11 apresentaram propostas.

Após um processo de negociação, que decorreu desde 1 de Fevereiro, e na sequência de uma “avaliação de economicidade das propostas”, foram contratadas as empresas Glencore Energy UK, para fornecimento de gasóleo e de gasóleo de marinha, e da Totsa Total Oil Trading, para fornecer gasolina.

“Importa realçar que, com os resultados alcançados no concurso realizado, o país e a Sonangol beneficiarão de uma redução considerável nos montantes a despender com a importação de produtos refinados nos próximos 12 meses”, referiu na altura a petrolífera.

A Sonangol anunciou a 30 de Janeiro ter convidado as “maiores empresas” internacionais de ‘trading’ e refinação para participarem no concurso público para fornecimento de gasolina e gasóleo para abastecimento do mercado interno.

Este concurso visou a aquisição de 1,2 milhões de toneladas de gasolina, 2,1 milhões de toneladas de gasóleo e 480 mil toneladas de gasóleo de marinha.

“O tipo de procedimento de contratação adoptado derivou da urgência em garantir-se um fornecimento atempado a partir do 2º trimestre de 2018, sem constrangimentos para o mercado interno”, lê-se no comunicado emitido anteriormente pela Sonangol.

Angola foi o maior produtor africano de petróleo em 2016, com cerca de 1,7 milhões de barris de crude por dia, mas a reduzida capacidade de refinação continua a obrigar o país a importar, naquele ano, uma parte significativa das necessidades em gasóleo e gasolina.

Só de gasóleo, a Sonangol teve de importar 2.352.671 toneladas durante todo o ano, uma quebra homóloga de 23%, enquanto as compras de gasolina no exterior do país chegaram a 1.030.070 toneladas, uma redução de 17%.

Produzir petróleo e comprar gasolina

“A ngola claramente precisa de reduzir a sua dependência de produtos petrolíferos importados, mas mandar o crude para o estrangeiro para ser refinado pode ser dispendioso,” defendeu em Março de 2017 a Economist Intelligence Unit.

“Angola claramente precisa de reduzir a sua dependência de produtos petrolíferos importados, mas mandar o crude para o estrangeiro para ser refinado pode ser dispendioso e, apesar de dar ao país alguma garantia de segurança, cingir-se aos preços das importações, pode ser uma estratégia economicamente mais salutar”, diziam os peritos da unidade de análise da revista britânica The Economist.

Numa nota de análise ao despacho do ministro dos Petróleos, José Maria Botelho de Vasconcelos, com vista à contratação de uma empresa de consultoria que teria especificamente a missão de elaborar um “estudo de viabilidade técnico-económico de processamento de petróleo bruto angolano numa refinaria fora do país”, os técnicos da Economist concordam que todas as opções deveriam ser exploradas.

Angola é o maior produtor de petróleo em África, mas a capacidade de refinação nacional é insuficiente, cingindo-se a actividade à refinaria de Luanda, o que obriga à importação de grande parte dos produtos refinados que consome.

A solução de recorrer a uma refinaria estrangeira tem sido defendida por alguns especialistas como hipótese mais acessível, face aos custos avultados de construção e manutenção de uma refinaria de raiz em Angola.

“Angola está compreensivelmente ansiosa por estudar todas as opções antes de se comprometer com projectos de construção de muitos milhares de milhões de dólares que podem vir a ser até mais caros de manter a longo prazo”, dizem, apresentando dúvidas sobre a viabilidade económica de enviar o petróleo para ser refinado no estrangeiro.

As dúvidas dos técnicos, quer sobre o envio de petróleo para ser refinado para o estrangeiro, quer sobre a capacidade para a construção de refinarias em Angola, surgiram na altura em que Angola apostava em estudar a viabilidade de refinar os cerca de 1,7 milhões de barris que bombeia diariamente, mas aprovava ao mesmo tempo um despacho viabilizando o contrato de investimento privado dos grupos Rail Standard Service e Fortland Consulting Company, ambos da Rússia, com o objectivo de construir e operar uma refinaria petroquímica na província do Namibe.

Os investidores russos pretendiam construir uma refinaria na província do Namibe, um mega projecto que previa ainda uma linha férrea a unir as centenárias linhas de Benguela e de Moçâmedes, num investimento global superior a 11 mil milhões de euros.

A notícia do investimento surgia numa altura em que a construção da refinaria de Benguela fora suspensa pela Sonangol e que o Governo estava a reavaliar o projecto da refinaria no Soyo.

Construída em 1955, a refinaria de Luanda tem uma capacidade actual para tratar 65.000 barris de petróleo por dia, operando a cerca de 70% da sua capacidade e com custos de produção superior à gasolina e gasóleo importados, segundo um relatório sobre os subsídios do Estado angolano ao preço dos combustíveis, elaborado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) em 2014.

Crude tem um intenso cheiro chinês

Recorde-se a este propósito que um consórcio de empresas angolanas e chinesas revelou no dia 8 de Julho de 2015 que iria investir 12,4 mil milhões de euros na construção de uma refinaria na província do Bengo.

A refinaria, denominada “Prince de Kinkakala”, instalada no município do Ambriz, teria capacidade de refinação de 400 mil barris de derivados de petróleo por dia, integrando o consórcio a Sonangol, com uma quota de 40%.

Os restantes 60% do capital social do consórcio promotor seriam detidos pela empresa privada angolana do sector petrolífero GPM Internacional Services e por um grupo de empresas chinesas.

Até há pouco tempo a importação de combustíveis, nomeadamente gasóleo e gasolina, era praticamente dominada pela Trafigura, uma multinacional suíça. Através da sua subsidiária Puma Energy, que actua em Angola, a Trafigura é sócia do trio presidencial composto pelos generais Manuel Hélder Vieira Dias “Kopelipa”, Leopoldino Fragoso do Nascimento e Manuel Vicente, bem como da própria Sonangol.

Folha 8 com Lusa

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