Seca na árvore das patacas pôs portugueses em fuga

Pelo menos um terço dos trabalhadores portugueses expatriados em Angola regressou a Portugal no pico da crise económica que assola Angola desde 2014, altura em que baixaram significativamente os preços do crude nos mercados internacionais.

A constatação foi feita à agência Lusa por responsáveis oficiais de Portugal e de Angola em vésperas da primeira visita de um primeiro-ministro português, a de António Costa, desde a efectuada em 2007 pelo então chefe do Governo de Lisboa, José Sócrates, que admitiram, porém, haver uma expectativa de regresso.

Números oficiais não há, reconheceram as fontes dos dois países, que pediram para não serem identificadas, pelo que se trata de uma mera estimativa, “por baixo”, uma vez que foram muitas as micro, pequenas e médias empresas que, face ao diminuto volume de negócios, acabaram por não resistir à crise, fechar portas e regressar a Portugal.

Por outro lado, as empresas portuguesas sofreram com o atraso no pagamento pelo Estado angolano, nalguns casos desde 2013/2014 e pela dificuldade, mais tarde, em transferir os lucros para as “casas-mãe” em Portugal, “questão sensível” que fonte diplomática angolana vê como “reflexo natural” da crise económica em Angola.

A dívida às empresas portuguesas, face à ausência de números oficiais, situa-se “na casa das centenas de milhões de euros”, situação que afecta também, e sobretudo, as empresas portuguesas ligadas à construção civil que, embora continuem com projectos e obras, viram o ritmo interrompido, sendo visível, por exemplo, em Luanda, obras paradas que em nada embelezam a cidade.

Este é um dos temas que as três fontes contactadas pela Lusa insistiram em considerá-la como “a questão sensível” que será analisada durante a visita do primeiro-ministro português, segunda e terça-feira a Angola.

As fontes assumiram, por outro lado, que o regresso de expatriados a Portugal “foi significativo, mas longe de uma debandada”, mas reconheceram que, exemplo simples, a área da restauração em Luanda sofre com a ausência de clientes portugueses, que outrora enchiam os restaurantes.

Fonte diplomática angolana salientou a vontade política de Luanda em solucionar a questão dos atrasados, destacando o posicionamento do Banco Nacional de Angola (BNA), cuja actuação, reivindicou, se tem pautado por um maior rigor e transparência nas operações financeiras, tendo como “luz ao fundo do túnel” obter a “certificação de dívida”, passo “determinante” na resolução da situação.

Antes, acrescentou, terá de ser feita a “conciliação de contas”, pois a grande maioria dos contratos foi feita em dólares e euros – o kwanza depreciou-se, só este ano, em cerca de 45% -, processo já em curso entre o Governo angolano e as empresas afectadas.

O problema agravou-se com o fim do pagamento dos salários em divisas, situação que, admitiram as fontes, foi “tenuemente resolvida” com a introdução do estatuto de “residente fiscal”, que obrigou os expatriados a recebem na moeda local, pouco ou nada convertível nos mercados cambiais internacionais, deixando de ser atractivo trabalhar em Angola.

Resolvida foi a questão da dívida de Angola à transportadora aérea portuguesa, a TAP, resolução, porém, que foi enquadrada noutro processo, o que afectou todas as companhias aéreas estrangeiras com ligações a Luanda.

Segundo apurou a Lusa, grande parte da dívida à TAP, estimada em 100 milhões de euros, já foi liquidada.

Dados oficiais apontam para cerca de 130.000 cidadãos portugueses e luso-angolanos inscritos no Consulado de Portugal em Luanda, número que, mais uma vez, não reflecte a realidade.

A esfera de luso-angolanos é “maior” que a de portugueses que circulam por toda Angola e há também muitos cidadãos lusos que não estão inscritos na secção consular, razão pela qual as estatísticas são, quase sempre, meras estimativas.

As tentativas do BNA

No passado dia 29 de Junho, o governador do Banco Nacional de Angola (BNA) disse que o país tinha cerca de 3.000 milhões de dólares (2.570 milhões de euros) em transferências cambiais em atraso no final de 2017, mas que tem vindo a regularizar.

Este levantamento foi anunciado por José de Lima Massano durante a intervenção de encerramento do VIII Fórum Banca, promovido pelo semanário angolano Expansão, adiantando que o BNA está “em fase adiantada de resolução dos pendentes cambiais de anos anteriores”.

Contudo, José de Lima Massano não quantificou o valor actualmente pendente de transferência para o estrangeiro.

Em causa estão pagamentos em atraso ao exterior, em divisas, destinados à importação de matéria-prima, aquisições diversas, repatriamento de fundos ou transferência de salários de trabalhadores expatriados.

Desde o início do ano que a venda de divisas pelo BNA é feita em regime de leilão aos bancos comercias, nos quais podem participar apenas os bancos comerciais e que servem para formar a taxa de câmbio oficial do kwanza face ao euro.

Na altura o governador do BNA anunciou uma segunda fase do Novo Quadro Operacional do Mercado Cambial, que tem como objectivo “aumentar o número de ofertantes de moeda estrangeira”, para além do próprio banco central.

“Bem como termos um maior dinamismo no mercado cambial, particularmente, no apuramento da taxa de câmbio”, explicou, acrescentando que o Tesouro Nacional, as operadoras petrolíferas e os exportadores não petrolíferos são as entidades “que estão em condições de participar do lado da oferta”, de divisas.

“Esta etapa será implementada também de modo faseado, pelo que num primeiro momento teremos os exportadores não petrolíferos até Setembro e, posteriormente, a reentrada das operadoras petrolíferas”, disse ainda o governador do BNA.

No que se refere ao apuramento da taxa de câmbio, José de Lima Massano avançou a intenção de o banco central passar a “captar os movimentos diários de compra e venda de divisas que ocorrem no mercado” e assim “deixar de ser o câmbio formado unicamente com a realização de leilões semanais” organizados pelo BNA.

De promessas está o inferno cheio

Recorde-se que em Maio passado o BNA anunciou um plano para regularizar até Junho as transferências em atraso, para pagamento de bens e serviços ao exterior, licenciadas antes de 2018.

O banco central angolano referiu que a “disponibilidade limitada de recursos em moeda estrangeira nos últimos anos” levou à “acumulação de operações de importação de mercadoria e serviços a aguardar cobertura cambial e pagamento aos fornecedores estrangeiros”.

“Com o objectivo de regularizar esta situação e com base em informação recebida dos bancos comerciais, o BNA procedeu à análise dos atrasados com data de licenciamento anterior a 2018 e estabeleceu um cronograma para a sua regularização, que será operacionalizado através de vendas directas de moeda estrangeira nos meses de Maio e Junho do ano em curso”, lê-se numa informação divulgada pelo BNA.

O BNA acrescenta que “dado que as disponibilidades cambiais permanecem limitadas”, é recomendado aos agentes económicos “que não assumam novas responsabilidades cambiais sem consulta e garantia prévia, por parte dos bancos comerciais, da capacidade de cobertura cambial”.

O objectivo é “priorizar a aquisição de bens e serviços locais sempre que possível, concorrendo assim para a estabilidade da economia e para a preservação do valor da moeda nacional”, aponta o banco central.

O BNA anunciou a 16 de Abril ter regularizado as transferências de salários de expatriados que estavam pendentes, mas recomendou cautela às empresas angolanas, face à redução da disponibilidade cambial do país e à correcção de preços.

Segundo informação do banco central, o BNA vendeu à banca comercial naquele mês 38,3 milhões de euros em divisas, exclusivamente “para a cobertura de salários de trabalhadores expatriados do sector não exportador”.

Concluiu-se “o processo de regularização do pagamento de salários que aguardavam por cobertura cambial na banca comercial” e está em curso uma “estratégia de redução do número de operações cambiais pendentes de execução”, acrescentou o banco central.

A falta de divisas nos bancos comerciais – que conseguem apenas recorrer aos leilões semanais realizados pelo BNA – tem vindo a dificultar as importações angolanas, mas também a transferência de salários de trabalhadores expatriados, que reclamam vários meses de atraso, recebendo em kwanzas.

As dificuldades no repatriamento de salários de expatriados arrastam-se desde 2015 e, em Julho do ano seguinte, o então secretário de Estado da Internacionalização de Portugal, Jorge Costa Oliveira, chegou a reunir-se com o governador do BNA, em Luanda, mostrando-se convicto que os vários meses de atraso – totalizando à data cerca de 160 milhões de euros – poderiam começar a ser resolvidos até final desse ano.

“Temos uma especial preocupação em relação à situação que atinge muitos trabalhadores e expatriados portugueses que aqui estão, alguns dos quais têm atrasos nas transferências cambiais de muitos meses e que começam a reflectir-se em termos significativos no orçamento familiar dessas pessoas”, admitiu, na ocasião, o governante português.

Durante a mesma visita a Luanda, Jorge Costa Oliveira anunciou que o Governo português estava a estudar o lançamento de uma linha de crédito para permitir regularizar os então 160 milhões de euros de salários que há vários meses os trabalhadores portugueses em Angola não conseguiam repatriar.

Folha 8 com Lusa

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