Protecção Civil para quê?

A protecção civil angolana vai receber este ano praticamente metade do valor atribuído no Orçamento Geral do Estado (OGE) de 2017, de acordo com a proposta do Governo que reserva para este fim, em 2018, pouco mais de 1.792 milhões de kwanzas (8,8 milhões de euros) dos cofres do Estado, o equivalente a 0,02% de toda a despesa pública.

Trata-se de um corte de 42% face ao OGE de 2017, que previa um financiamento de 3.092 milhões de kwanzas (15,2 milhões de euros), equivalente a 0,04% da total da despesa do ano.

Só a época das chuvas de 2015/2016 provocou em Angola 270 mortos e 321 feridos, de acordo com o Serviço Nacional de Protecção Civil e Bombeiros, que assegura apoio e coordenação das operações de socorro.

Chuvas intensas, inundações ou desabamentos de terras ou quedas de raios (42 mortos na última época chuvosa) são as maiores preocupações dos serviços de protecção civil espalhados por todo o país.

Em contrapartida, o OGE para 2018 prevê aumentar em 46% a dotação com os bombeiros, para 871 milhões de kwanzas (4,2 milhões de euros), tendo em conta o Orçamento do ano anterior.

Com o país, o segundo maior produtor de petróleo em África, ainda a tentar recuperar da crise financeira, económica e cambial que se arrasta desde finais de 2014, também a categoria dos Serviços Policiais sofrem um corte este ano, de quase 4%, passando a ter uma dotação total de 367 mil milhões de kwanzas (1.800 milhões de euros).

A proposta de lei do OGE para 2018, o primeiro do executivo liderado por João Lourenço, prevê um crescimento económico de 4,9%.

As contas do Estado para este ano prevêem um défice de 697,4 mil milhões de kwanzas (3.500 milhões de euros), equivalente a 2,9% do Produto Interno Bruto (PIB), traduzindo-se no quinto ano consecutivo de “buraco” nas contas nacionais.

O documento estima despesas e receitas de 9,658 biliões de kwanzas (48.300 milhões de euros) e um crescimento económico de 4,9% do PIB.

A votação final global da proposta está prevista para 15 de Fevereiro, no Parlamento, conforme previsto na legislação, dada a realização de eleições gerais em Agosto de 2017.

O défice estimado de 2,9% é o quinto consecutivo, depois dos 5,3% do PIB previstos no OGE para 2017, de 7% em 2016, 3,3% em 2015 e de 6,6% em 2014, quando se iniciou a crise das receitas petrolíferas.

Angola prevê gastar em 2018 mais de 975 mil milhões de kwanzas (4.900 milhões de euros) em Defesa e Segurança, equivalente a 21,27% de todas as despesas do Estado, ligeiramente abaixo do orçamentado para 2017.

No OGE de 2017, o último apresentado por José Eduardo dos Santos, enquanto Presidente da República e chefe do Governo, o valor inscrito na rubrica de Defesa, Segurança e Ordem Pública, que inclui militares, polícias, serviços prisionais, tribunais e bombeiros, foi de 1,012 biliões de kwanzas (5.000 milhões de euros), o equivalente a 20% de todas as despesas.

O Estado prevê ainda endividar-se em 5,254 biliões de kwanzas (26.300 milhões de euros), no ano de 2018, o equivalente a 22% PIB estimado pelo Governo.

Promessas feitas (não) são para cumprir

No contexto das promessas eleitorais, o regime/MPLA apresentou quase todos os dias novas realizações, sejam pediatrias, fábricas, estradas, postos de trabalho, fontenários ou até mesmo o paraíso. Para João Lourenço vencer (para além da batota eleitoral) valeu tudo.

Reconheça-se que foi um método eficaz porque um povo faminto (20 milhões de pobres) não escolhe… obedece.

Assim, o Estado vai investir – prometeu – mais de 10 milhões de euros na criação de uma empresa pública para produzir calçados e uniformes militares.

A constituição da Empresa Fabril de Calçados e Uniformes – Empresa Pública (EP) foi aprovada em reunião de Conselho de Ministros a 7 de Junho e o decreto presidencial com a sua formalização publicado em Julho de 2017.

O documento refere a “necessidade de se reduzir os custos de importação de uniformes e calçados militares” para justificar a criação desta fábrica estatal, mas também a “importância estratégica” que representa essa produção, sobretudo para os efectivos militares.

A empresa terá sede na zona industrial do Cazenga, arredores de Luanda, e poderá ainda estabelecer filiais ou sucursais noutros pontos do país ou mesmo representações no exterior do país, conforme previsto no seu estatuto orgânico.

A sua criação implica um capital estatutário inicial, público, de 1.920 milhões de kwanzas (10,1 milhões de euros), entre capital fixo e circulante, ficando sob tutela do Ministério da Defesa Nacional.

Apesar de ter por como “objecto principal a confecção de calçados e uniformes militares”, a empresa poderá exercer outras actividades comerciais “desde que não prejudiquem a prossecução do seu objecto principal”.

Os três ramos das Forças Armadas Angolanas integram actualmente mais de 100.000 militares, somando-se ainda as forças de segurança, bombeiros e protecção civil.

Recorde-se que em 2015 foi noticiado que Angola aprovou a compra de fardamento e outro equipamento militar no valor de 44,6 milhões de dólares (quase 40 milhões de euros) a uma empresa chinesa.

Segundo um despacho do Presidente angolano autorizando a compra, o negócio envolvia a China Xinxing and Export Corporation, que segundo informação da própria empresa conta com 180.000 trabalhadores e mais de 50 subsidiárias da área militar, como fábricas de vestuário, calçado e protecção individual.

A empresa chinesa refere ter negócios com 40 países africanos, para onde vende anualmente mais de 100 milhões de dólares (88,9 milhões de euros) em equipamentos.

Mas há mais. É só escolher

Duas construtoras de origem portuguesa foram escolhidas pelo Governo anterior para construir, em Luanda, por mais de 200 milhões de euros, duas unidades sanitárias pediátricas, segundo despachos presidenciais de final de Junho.

Uma dessas obras envolve a construção e apetrechamento do Instituto Hematológico Pediátrico de Luanda, entregue à Mota-Engil Angola pelo valor de 38,5 milhões de dólares (33,7 milhões de euros).

Igualmente a contratar pelo Ministério da Saúde, conforme previsto num segundo despacho assinado pelo então Presidente José Eduardo dos Santos, a construtora Casais Angola vai construir e apetrechar a primeira fase do Hospital Geral de Pediatria de Luanda, neste caso um negócio no valor de 194,1 milhões de dólares (170 milhões de euros).

Em ambos os despachos é invocada a necessidade de “se desenvolver e assegurar a funcionalidade do Serviço Nacional de Saúde em todo o território”, através da construção e apetrechamento de novas unidades sanitárias “para garantir uma assistência diferenciada à população”.

O Governo angolano previa gastar em 2017 mais de 310,7 mil milhões de kwanzas (1,6 mil milhões de euros) com o sector da Saúde, o que corresponde a um peso de 4,21% de toda a despesa pública, liderada pela Defesa, com 535,1 mil milhões de kwanzas (2,8 mil milhões de euros), equivalente a 7,24% do total.

Apoio estrangeiro na protecção civil

Recorde-se que, em Julho do ano passado, Angola calculou em 464,5 milhões de dólares (407,8 milhões de euros) as suas necessidades de recuperação sobre os efeitos e impactos causados pela prolongada seca, que afectou, nos últimos cinco anos, mais de um milhão de pessoas.

Os dados constam de um relatório sobre a seca em Angola entre 2012-2016 e de Avaliação das Necessidades Pós Desastre (PDNA, sigla em inglês), elaborado pela Comissão Nacional de Protecção Civil, com apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), União Europeia e Banco Mundial.

A seca afectou sobretudo o sul do país, com mais impacto para as províncias do Cunene, Huíla e Namibe, onde actualmente existem 1.139.064 pessoas afectadas, segundo os últimos números fornecidos pelo Governo de Angola ao PNDA.

O relatório divide em quatro categorias as necessidades: reconstrução de activos físicos; retoma da produção, funcionamento dos serviços e acesso a bens e serviços; restabelecimento da governação e dos processos de tomada de decisão e resolução das vulnerabilidades e riscos.

O orçamento proposto de 464,5 milhões de dólares elege os sectores agrícola e hídrico como os mais necessitados, com 189 milhões de dólares (165,9 milhões de euros) e 97 milhões de dólares (85,1 milhões de euros), respectivamente.

“As necessidades de recuperação incluem medidas a curto prazo (seis meses a um ano), médio prazo (1 a 2 anos) e longo prazo (2 a 4 anos)”, refere o documento.

A curto e médio prazo, o Governo aponta medidas como a reabilitação da produção agrícola e pecuária, das fontes de água para aumentar a sua disponibilidade de consumo humano e animal, apoio aos centros de nutrição para o tratamento da subnutrição, o fomento dos programas de alimentação escolar e a promoção de actividades alternativas de geração de receitas.

Já as necessidades de recuperação a longo prazo incluem medidas para a redução do risco e impacto da seca no sul de Angola, através de uma melhor gestão dos recursos naturais, como a reflorestação, introdução de técnicas de recolha de água, sistema de irrigação comunitária, entre outras.

O Governo estimou em perdas e danos para as três províncias mais afectadas pela seca em Angola um total de 749 milhões de dólares (657,6 milhões de euros).

Os sectores da agricultura, pecuária e pesca são “os de longe os mais afectados”, como descreve o relatório, salientando que as perdas nas três províncias foram calculadas com base na quebra da produção de cereais e outras culturas, de leite e de carne, enquanto os danos foram calculados baseados nas mortes reportadas de animais no Namibe (110.000), na Huíla (150.000) e Cunene (240.000), num total de 500.000 animais mortos.

Para o sector da água, saneamento básico e higiene calcula-se que o total de danos se situe nos 52,5 milhões de dólares (46 milhões de euros), que tem em consideração os 80 por cento de poços actualmente inoperantes, a necessitar de parcial ou total reparação.

A nível do sector da agricultura, pecuária e pesca, as maiores perdas registaram-se na área da segurança alimentar, estimada em 82 milhões de dólares (71,9 milhões de euros), representando 18 por cento do total das perdas.

“O sector da nutrição também registou perdas significativas avaliadas em 32,8 milhões de dólares (28,7 milhões de euros)”, refere o relatório, esclarecendo que estas perdas reflectem os custos adicionais nos quais o Governo angolano e a comunidade internacional incorreram para reduzirem a insegurança alimentar e a subnutrição nas populações atingidas pela seca nas três províncias.

À semelhança de grande parte da África Austral, Angola tem vivido uma seca desde a campanha agrícola de 2011/2012, marcada por uma combinação de falta de chuvas, distribuição irregular da precipitação e períodos de seca, que tem afectado sobretudo a zona sul do país.

Folha 8 com Lusa

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One Thought to “Protecção Civil para quê?”

  1. Manuel da Piedade

    Todas as áreas que o OGE pretende reforçar é importante, porque tudo é para o benefício de todos.

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