Há muitos anos, o empresário português (já falecido) Belmiro de Azevedo afirmou que “um subalterno tem o dever de questionar uma ordem do chefe e, se for o caso, dizer-lhe que não é suficientemente competente”. Esta tese poderia ser aplicada ao MPLA/Governo? Afinal o Povo angolano tem razão, mas não tem força. O que acontecerá quando esse mesmo Povo tiver força e estiver nas tintas para a razão?
Por Orlando Castro e William Tonet
Se calhar essa foi uma das regras que originou o êxito, a credibilidade e o prestígio deste empresário português. Belmiro de Azevedo sabia que um chefe não é só o que manda – é sobretudo o que dá o exemplo. Sabia que a crítica não significa desobediência. Sabia que tinha de se rodear de massa crítica, pois para dizer sempre que “sim” bastava-lhe a sua própria sombra.
O Governo do João Lourenço, bem como a sua nova equipa na liderança do MPLA, está cheio de “sombras”. E está este como esteve o de José Eduardo dos Santos. E não basta falar e prometer (como é pródigo JLo) combater também a bajulação. São “sombras” que vivem religiosamente à custa das bênçãos, das cunhas, e dos padrinhos que, por regra, chegaram a chefes do Estado-Maior sem saber ler nem escrever. Muito menos sem saberem pensar.
Com um país assim, onde são (quase) sempre os mesmos a ter acesso ao poder, sendo todos os outros relegados para fora de jogo, só há duas possibilidades: ter ideias e capacidade crítica e ser marginalizado, ou ser sombra e dizer sempre amém ao líder, seja ele qual for.
Ao escolher (tanto para o governo como para a direcção do MPLA) pessoas simpáticas, honestas, mas irrelevantes no que à capacidade crítica respeita, João Lourenço apenas alterou – temporariamente – a percepção pública de que iria acabar com os sucessivos escândalos de corrupção, roubalheira, violação de direitos humanos etc..
Tal como fazia o anterior “feiticeiro”, João Lourenço confundiu em muitas das suas escolhas a bajulação com a solidariedade, a competência com a curvatura vertebral, a girafa com a gira fã.
Com raras e presumivelmente efémeras excepções, os novos (outros nem tanto) dirigentes do MPLA e do Governo são “militantes do dinheiro” que, com maestria de todas as sombras, vão dizer tudo o que o Chefe quer ouvir, nem que seja o mais elementar disparate.
As sombras disseminaram-se no aparelho do partido no poder, descaracterizando-o, umas vezes à pala de uma suposta competência académica, outras do poder económico, indispensável para a prossecução da acção política partidária.
O passado… repete-se
E nesta cavalgada “gabinetal” não se vão coibir de açambarcar acções da exclusiva esfera do executivo, como a realização de obras públicas, para exibir fidelidade canina e capacidade de realização.
É a idolatria do game (jogo, mas que poderia ser conjugação do verbo gamar), nunca interpretada pelo líder, obcecado em dar corda aos tsunamis de exonerações, nomeações de domesticadores de elefante de papel e, como já se viu, inauguração de obras descartáveis, cuja responsabilização, pela sobrefacturação e má qualidade técnica, lhe serão imputadas, num futuro próximo.
João Lourenço precisa de despertar para a realidade, sob pena de afundar (ainda mais) o país e o projecto ideológico que alimentou a esperança de milhões, mas está a ser, mas continua a ser, lentamente assassinado. E pelo que se vai vendo nas escolhas do duplo Presidente, vamos continuar a ter o MPLA como a maior central de corrupção e emprego, face à partidarização das instituições do Estado.
O MPLA continua a precisar de higienizar as hostes internas, expurgar a erva daninha (não basta trocar a erva por capim), aproximando-se dos restantes actores da política indígena, para gizar a arquitectura de um Pacto de Regime, capaz de esbater o recalcamento que campeia nos corações dos adversários políticos e partidários, muitos dos quais, pela feroz discriminação e exclusão, advogam uma retaliação com base na Lei de Talião: “olho por olho, dente por dente”…
Pelos vistos ninguém percebeu que, no seio do próprio MPLA, está a crescer um blindado exército silencioso, capitaneado, por aqueles que não têm as mãos manchadas pelos milhões e milhões de dólares de sangue, delapidados aos ex-bancos; CAP (Caixa Agro Pecuária), cuja falência criminosa, tal como a do BES-A (Banco Espírito Santo Angola), passou impune, por estarem “partidariamente” identificados os beneficiários, então estão na política graciosamente, como palhaços políticos, que se aprestam a aceitar tudo.
Hoje por hoje, o João da esquina e a esquina do João, não se confundem, face à libertação das mentes, que a pobreza e discriminação impulsionaram nos vários povos, sedentos de justiça e responsabilização os gatunos, corruptos e assassinos, que desfilam impunidade nos corredores do poder.
Falemos entre irmãos, assumamos os nossos erros, penitenciemo-nos em nome da concórdia, da irmandade, da fraternidade e da conciliação, para devolvermos a harmonia e construirmos, todos juntos, com o respeito na diferença de opiniões, uma nova Angola. Uma Angola Reconciliada!
Mutos acreditaram, em parte também nós, que João Lourenço iria – ao contrário de José Eduardo dos Santos – apostar na força da razão e não (como é hábito desde 1975) na razão da força. A formação do governo e a sua actuação durante um ano mostra-nos uma mão cheia de nada. A ascensão de João Lourenço à liderança total, plena e unipessoal do MPLA revelou uma política em que as ideias de poder valem tudo e em que o poder das ideias nada vale.
E é pena. Afinal o Povo tem razão, mas não tem força. O que acontecerá quando esse mesmo Povo tiver força e estiver nas tintas para a razão?