O Governo do MPLA, quase 43 depois de ter o país nas suas mãos, propõe-se agora – com o brilhantismo propagandístico que lhe é conhecido – reduzir o índice de pobreza extrema em Angola de 36,6% da população para 25%, equivalente a cerca de três milhões de pessoas, até 2022, investindo anualmente mais de 160 milhões de euros.
A promessa (como centenas de outras) consta do pomposo Programa Integrado de Desenvolvimento Local e Combate à Pobreza, aprovado este mês por decreto assinado pelo Presidente João Lourenço, e que, entre outros objectivos específicos, prevê reduzir os níveis de pobreza extrema a nível rural e urbano, “elevando o padrão de vida dos cidadãos em situação de pobreza extrema através de transferências sociais”, que poderão ser “em dinheiro ou espécie”.
Por pobreza extrema, na definição internacional, entende-se a pessoa que vive com menos de um dólar por dia. E, na verdade que não é a do MPLA, são 20 milhões os angolanos nessa situação.
O Governo estipula igualmente o objectivo de, até 2022, assegurar o aumento do rendimento médio mensal por pessoas e de fazer o registo gradual dos beneficiários da acção social na base de dados da vulnerabilidade. Entre outras medidas, conta-se ainda a promoção do acesso dos cidadãos, “particularmente os mais vulneráveis”, à propriedade e aos factores de produção, como terras, capital, equipamentos e conhecimentos.
“O executivo define como prioridade para o quinquénio 2018-2022 baixar o impacto da pobreza extrema de 36,6% para 25%, correspondendo a cerca de três milhões de cidadãos nessa condição”, lê-se no documento. Em concreto, o programa do Governo prevê planos de intervenção municipal, a vários níveis, que vão custar, por cada um dos 164 municípios, cerca de 300 milhões de kwanzas (1 milhão de euros) anuais.
A descentralização da governação “requer a dotação dos fundos necessários à execução das acções delineadas e de suporte à sua operação local. Caberá às autoridades municipais a gestão dos recursos (físicos, financeiros e humanos) e a sua alocação às acções de desenvolvimento local e combate à pobreza”, aponta o documento.
O primeiro eixo do programa consiste na Ampliação e Promoção dos Serviços Básicos, através de programas como Merenda Escolar, Cuidados Primários de Saúde, Água para Todos, de habitação e infra-estruturas sociais ou de gestão e manutenção das infra-estruturas e vias de comunicação.
O segundo eixo, relativo à Agricultura Familiar e Empreendedorismo, prevê o fomento da produção agro-pecuária, de Equipamentos para Fomento de Micro Empreendimentos e da Operacionalização das Ações de Micro Fomento, enquanto o terceiro eixo é da Comunicação Social, Mobilização e Concertação Social, e o quarto eixo relativo a Serviços e Geração de Trabalho e Renda.
O quinto eixo é relativo à Consolidação do Processo de Reintegração dos ex-Militares e o sexto e último eixo de intervenção prende-se com o Reforço da Desconcentração e Descentralização Administrativa.
Exemplos e pobres não faltam
O Programa Municipal Integrado de Desenvolvimento Rural e Combate à Pobreza (PMIDRCP) na província do Namibe, implementado desde 2010, ficou sem dinheiro nos últimos cinco anos, situação que comprometeu a sua execução. Isto mesmo foi dito no dia 2 Abril de… 2018 pelo governador da província, Carlos da Rocha Cruz.
O programa, que desde o início da sua implementação beneficiou os cinco municípios da região, incidiu sobre os cuidados primários de saúde, educação, merenda escolar e água para todos.
Entretanto, Carlos da Rocha Cruz disse que o Plano Integrado de Desenvolvimento Local e Combate à Pobreza do Executivo, que substitui o programa integrado, no quinquénio 2018/2022, visa alcançar a redução da pobreza de 36% para 25%, neste período. Como se vê, a propaganda chegou a horas…
Segundo o governador, o Plano Integrado de Desenvolvimento (aprovado este mês mas já divulgado) vai abranger, nesse quinquénio, aproximadamente três milhões de angolanos, com base nas linhas de governação do Executivo, priorizando a conclusão do processo de desmobilização de 41.182 ex-militares e a integração de outros, na ordem de 80.537 cidadãos.
Carlos da Rocha Cruz referiu ainda que com a alteração do programa integrado para o plano integrado e sob tutela do Ministério da Acção Social, Família e Promoção da Mulher estão criadas as bases para o cumprimento dos objectivos gerais do plano, que consiste em contribuir para a eliminação da pobreza extrema, com maior envolvimento dos beneficiários na solução dos problemas identificados e a promoção do desenvolvimento económico local.
O governador realçou ser importante também a intervenção da municipalização dos serviços de acção social para potenciar o acesso às pessoas em situação de pobreza e vulnerabilidade, promovendo o aumento da proximidade dos serviços aos cidadãos.
Carlos da Rocha Cruz falava na abertura do seminário provincial de disseminação e orientação metodológica do plano integrado de desenvolvimento local e combate à pobreza na província do Namibe.
O evento contiu com a participação do secretário de Estado para Acção Social do Ministério da Acção Social, Família e Promoção da Mulher, Lúcio de Amaral, técnicos do sector, administradores municipais e membros do governo local.
Ajudas da União Europeia
A União Europeia disponibilizou 65 milhões de euros para desenvolver em três províncias do sul de Angola, afectadas pela seca, um projecto para o reforço da segurança alimentar e nutricional, que deverá arrancar em 2018.
Bem disse em 1 de Setembro de 2014 o chefe da diplomacia de Angola. Georges Chikoti, recorde-se, afirmou ser necessário “reflectir-se” sobre o futuro da parceria entre o grupo África, Caraíbas e Pacífico e a União Europeia, assim como a abertura a outros entendimentos. Por outras palavras, ou a Europa deixava de chatear com essas questão dos direitos humanos, ou acabava-se a mama.
Antes, no dia 6 de Abril de 2014, Georges Chikoti disse, em Bruxelas, que um dos grandes pontos em que Europa e África divergem é a questão do Tribunal Penal Internacional, cuja acção é, para muitos líderes, “nebulosa” e levanta ainda fortes dúvidas. Tinha e tem toda a razão. E se o MPLA continuar no poder, onde está há 42 anos, assim vai continuar.
Regressando ao país real, o tal dos 20 milhões de pobres, as províncias beneficiárias da ajuda europeia são o Cunene, Huíla e Namibe, regiões que nos últimos cinco anos consecutivos registaram períodos de seca severa, que afectou mais de um milhão de pessoas com prejuízos económicos na ordem dos 656,8 milhões de euros, segundo dados do Governo angolano.
A apresentação oficial do projecto de Fortalecimento da Resiliência e da Segurança Alimentar e Nutricional (FRESAN) em Angola, a ser executado nos próximos cinco anos, na cidade de Moçâmedes, capital da província do Namibe, teve lugar a 27 de Junho de 2017.
Segundo a gestora do projecto junto da União Europeia em Angola, Susana Martins, o principal objectivo era contribuir para a redução da fome e da pobreza nas camadas mais vulneráveis dessas três regiões, garantir a segurança alimentar e nutricional, com o reforço da agricultura familiar e sustentável.
Susana Martins, citada pela agência noticiosa angolana, Angop, referiu que o projecto está dividido em várias componentes, nomeadamente a introdução de metodologias de formação nas diversas comunidades abrangidas, nas escolas de campos agrícolas e agro-pastoris, bem como de equipamentos e práticas de agricultura que vão facilitar o trabalho e aumentar a produção.
Com este projecto pretende-se ainda dinamizar o sistema de reservas alimentar, sensibilizar para a melhoria nutricional através da educação alimentar, reabilitar infra-estruturas para captação e conservação de água para irrigação, consumo humano e animal.
As acções vão estar igualmente viradas para apoiar a resiliência dos agricultores e produtores familiares, com a divulgação de técnicas de multiplicação e promoção de bancos de sementes, conservação e uso sustentável dos solos e pastos.
A seca tem aumentado o número de casos de subnutrição, nos últimos cinco anos, nas províncias do Cunene, Huíla e Namibe.
O Cunene, a província mais afectada pela seca, entre 2011/2012 passou de um total de 1.357 casos de subnutrição registados, para 9.999, em 2015, segundo dados do relatório de Avaliação das Necessidades Pós-Desastre (PDNA, na sigla em inglês), que analisou a seca em Angola no período entre 2012-2016.
A história é sempre a mesma
Em Fevereiro de 2016 as Nações Unidas doaram a Angola 8,2 milhões de dólares para executar um projecto de combate às alterações climáticas na província do… Cunene, que enfrentava há vários anos uma seca severa. Como gestor de um país “pobre”, o MPLA agradeceu.
A então ministra do Ambiente, Fátima Jardim, e o Coordenador residente das Nações Unidas em Angola, Pier Paolo Balladelli, assinaram no dia 11 de Fevereiro de 2016 o Memorando de execução do Projecto de Resiliência às Alterações Climáticas na Bacia Hidrográfica do Rio Cuvelai.
O projecto, a ser – dizia-se – desenvolvido até 2019, visava ajudar – se as verbas não se perdessem pelo caminho – a reduzir as vulnerabilidades decorrentes de alterações climáticas, que afectam os habitantes naquela zona, através de investimentos direccionados e o desenvolvimento das suas capacidades.
Concretamente, o projecto vai (ou iria) promover a instalação de um sistema de alerta rápido, o reforço da capacidade do serviço de hidro-meteorologia local, que vão (ou iam) monitorizar as condições metrológicas extremas e as alterações climáticas na Bacia do Rio Cuvelai.
Em declarações à imprensa no final da cerimónia, Fátima Jardim disse que o projecto estava (ou está) inserido no Plano de Adaptação de Angola, uma obrigação da Convenção-quadro da ONU para as alterações climáticas.
Fátima Jardim agradeceu às Nações Unidas a rápida resposta ao apelo de Angola, esperando a continuidade de ajudas, sobretudo dos países desenvolvidos, para “contribuições importantes” como esta feita pela ONU para a província do Cunene e o sul de Angola, há vários anos assolados por uma seca severa.
“Apresentamos esse projecto às Nações Unidas, que é um projecto que se enfoca hoje para a província do Cunene, mas que temos a intensão de abrir à parte sul do país, porque é a parte que de uma forma mais adversa e notória sofre riscos climáticos”, referiu a ministra.
A então titular da pasta do Ambiente sublinhou a importância de se educar as comunidades no Cunene, onde a desflorestação é “muito agressiva”, para serem corrigidas “algumas práticas incorrectas cometidas até agora”.
Segundo Fátima Jardim, o Plano de Adaptação de Angola está orçado em mais de 10 mil milhões de dólares, e tem inúmeros projectos nas áreas da agricultura, da educação das comunidades, entre outras, que continuarão a ser apresentados à comunidade internacional.
Por sua vez, Pier Paolo Balladelli salientou que o projecto além de trabalhar na mitigação climática vai igualmente diminuir a pobreza.
“Os camponeses que vão ser parte alvo deste projecto sobre a Bacia do Rio Cuvelai vão ter muito mais capacidade de resiliência, porque vão ter mais informações sobre como ele tem que se adequar para ter cultivações mais rentáveis nesse tipo de problemas que temos pela mudança climática”, adiantou.
Pier Paolo Balladelli, igualmente representante em Angola do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), elogiou (não é mentira, elogiou mesmo) a vontade e capacidade de o Governo angolano “trabalhar conjuntamente com os outros países a nível mundial para se adaptar à mudança climática através de projectos-pilotos como este”.
Folha 8 com Lusa