O Presidente angolano, João Lourenço, anunciou hoje que executivo vai preparar as condições legais e técnicas para realizar as primeiras eleições autárquicas em Angola antes das eleições gerais de 2022, em data a “negociar” com os partidos. Será? Quem acredita pode pôr o dedo no ar e… sentar-se.
O anúncio foi feito por João Lourenço, em Benguela (a, recorde-se, província que prometeu seria a Califórnia de Angola), no discurso de abertura da primeira reunião do novo Conselho de Governação Local, órgão consultivo do Presidente da República para as questões da administração local, reunindo vários ministros e os 18 governadores provinciais.
“O Executivo vai preparar as condições para que as eleições autárquicas sejam realizadas antes das eleições gerais de 2022, em data a negociar entre as formações políticas com assento parlamentar e o concurso da sociedade civil organizada”, afirmou o chefe de Estado.
João Lourenço sublinhou que 2018 e 2019 serão anos “decisivos” na preparação das eleições autárquicas, mas desde já adverte que face à novidade que representará a implementação do poder autárquico, ao grande número de municípios (360) e à necessidade de recursos humanos, capacidades técnicas e financeiras, as eleições podem não ser em todo o país, em simultâneo.
“Parece-nos mais avisado, seguro e prudente, adoptar o princípio do gradualismo na implantação das primeiras autarquias locais no país”, disse João Lourenço, sublinhando ser necessário esperar pela discussão no Parlamento e pelo debate na sociedade civil para definir um modelo definitivo.
Independente desde 1975, Angola nunca realizou eleições autárquicas, sendo o actual poder local de nomeação da administração central, um “caso inédito” a nível da Comunidade dos País de Língua Portuguesa (CPLP) e da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), como o próprio Presidente reconheceu hoje, justificado com o prolongado conflito armado que se viveu no país e que, acrescente-se, terminou em 2002.
Por isso, admitiu, o país vive hoje uma “excessiva concentração e centralização dos poderes”.
“Um quadro que em nada nos dignifica”, reconheceu João Lourenço.
De mentira em mentira até à mentira final
Sobre este assunto, em 2016 o então vice-Presidente da República, Manuel Vicente, dizia que o processo de preparação para a prometida concretização de autarquias locais em Angola estava em curso e poderia estar concluído até 2021. Agora João Lourenço fala de 2022…
Manuel Vicente discursava na abertura do IV Fórum dos Municípios e Cidades de Angola, uma organização do Ministério da Administração do Território, subordinado ao tema “Finanças Locais como Instrumento de Desenvolvimento Económico”.
Angola ainda não realizou as primeiras eleições autárquicas no país, perante as críticas da oposição, face à demora e ausência datas concretas. É claro que, também nesta matéria, a Oposição (“lato sensu”) julga que Angola é aquilo que não é: um Estado de Direito Democrático.
Sobre o assunto, Manuel Vicente afirmou que o executivo aprovou o Plano Nacional Estratégico da Administração do Território (PLANEAT), que previa o apoio à implementação das autarquias locais no país, através da criação de instrumentos técnicos de apoio, que incluem meios técnicos, humanos e financeiros e a institucionalização das autarquias locais.
“Deste modo, penso que o financiamento do poder local é uma pedra angular para o verdadeiro poder local autónomo do Estado ou do Governo central”, disse Manuel Vicente, sublinhando que o futuro do desenvolvimento de Angola passa também por aquilo que for feito em matéria local, nos domínios económico, social e cultural.
“Na realidade, a descentralização e desconcentração administrativas deverão constituir o elemento fundamental da nossa acção política e administrativa, a fim de conseguirmos atingir os patamares do desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional”, afirmou.
“Este processo exige que sejam adoptadas medidas de transparência e harmonização de competências, poderes, responsabilidades e recursos do Governo central para as entidades locais, que representam os interesses específicos das populações”, frisou Manuel Vicente, acrescentando que o processo de descentralização constitui um aprofundamento da democracia, permitindo que determinadas necessidades colectivas sejam resolvidas de forma mais próxima das populações.
Manuel Vicente admitiu que é necessário os municípios serem dotados “de vida, na verdadeira acepção da palavra”, para a solução dos seus problemas e satisfação das necessidades das populações.
“Nesse sentido, temos de alocar recursos adequados e proporcionais aos mesmos, para que os órgãos locais desempenhem com propriedade as suas competências”, disse Manuel Vicente.
Em 2015, como muito bem sabe João Lourenço, o Governo disse que a realização das primeiras eleições autárquicas em Angola iria ser antecedida, já nesse ano (2015), pela elaboração de um diagnóstico sobre os recursos humanos do actual poder local e por uma delimitação territorial.
A informação constava da resolução final da Assembleia Nacional com o plano de tarefas essenciais para realizar as próximas eleições gerais, em 2017, e as primeiras autárquicas, ainda sem data, proposta pelo MPLA, no poder desde 1975, e que incorporou propostas dos partidos da oposição.
No caso das autárquicas, esta resolução – além de passos para o registo eleitoral – previa a realização de um diagnóstico exaustivo sobre o estado actual dos recursos humanos, financeiros e infra-estruturas necessárias às autarquias locais, a concluir “até Agosto de 2015”.
No segundo semestre de 2015 seria realizada a delimitação territorial, “definindo correctamente os limites territoriais de cada circunscrição autárquica e outros elementos necessários”, lê-se na referida resolução, aprovada no Parlamento por unanimidade e publicada a 17 de Junho de 2015.
Neste último processo seriam definidos limites geográficos das circunscrições administrativas e autárquicas, fixados marcos geodésicos e placas identificativas dos limites territoriais, definida e clarificada a toponímia, além de atribuídos números de polícia a cada circunscrição territorial.
Igualmente nesse segundo semestre (2015), o Governo deveria avaliar o potencial de arrecadação de receitas pelos futuros municípios e adaptar a estrutura e funções do Orçamento Geral do Estado e a da Administração Fiscal para o efeito, além de fazer o levantamento do património imobiliário da administração local actual e decidir “sobre o património a transferir para as autarquias locais”.
A última das tarefas definida nesta resolução previa a promoção da discussão e adopção da legislação de suporte à realização das primeiras autárquicas, até Março de 2016, e sem referir datas, concluía pela necessidade de “promoção de condições efectivas para convocação das Eleições Autárquicas”.
Já em 2014 a Oposição insistia que havia condições para que as eleições autárquicas fossem realizadas antes de 2017 e rejeitava os argumentos do presidente José Eduardo dos Santos que disse que provavelmente só em 2017 haveria condições para tal.
A UNITA, por exemplo, pensava que se houvesse vontade por parte do Presidente da República as autarquias poderiam ser uma realidade em 2015.
Com efeito, o então líder da bancada parlamentar do partido do Galo Negro, Raúl Danda, considerava que as razões avançadas por Eduardo dos Santos, como obstáculos, para a implementação das autarquias no país não faziam qualquer sentido.
“Como é que há dinheiro para se dar ao Banco Espírito Santo de Angola, 5.7 bilhões de dólares, do erário publico para generais que envergonham o país ao irem gastar lá fora, compram casas lá fora, onde encontram milhões de euros dentro de casa, milhões de euros e dólares para irem jogar batota lá fora, para se praticar tráfico de seres humanos e prostituição internacional e não há dinheiro para se realizar as autarquias? Só pode ser brincadeira”, disse.
Folha 8 com Lusa