Aí está a (tão) propalada “Operação Regeneração”

A petrolífera angolana Sonangol apresenta hoje em Luanda a sua versão da “Operação Regeneração”, precisamente três meses após o Presidente João Lourenço ter aprovado a reestruturação para a ajustar à nova organização do sector dos petróleos em Angola. Saturninamente falando, chama-se “Programa de Regeneração”.

A cerimónia de lançamento do “programa” decorre no Instituto Superior Politécnico de Tecnologias e Ciências (ISPTEC), em Talatona, na zona de Luanda Sul, e conta com a presença do Presidente do Conselho de Administração da Sonangol, Carlos Saturnino.

A 15 de Agosto último, João Lourenço decretou a criação da Agência Nacional de Petróleos e Gás (ANPG), pondo assim termo ao monopólio da empresa petrolífera do Estado/MPLA, cujo objectivo passa a focar-se (em tese) unicamente no sector dos hidrocarbonetos.

A decisão foi anunciada conjuntamente pelos ministros dos Recursos Minerais e Petróleos, Diamantino Azevedo, e das Finanças, Archer Mangueira, ao apresentarem os resultados do Grupo de Reestruturação do Sector dos Petróleos, criado a 21 de Dezembro de 2017, através de um decreto do Presidente angolano.

Onze dias mais tarde, a 26 de Agosto, João Lourenço aprovou o programa de reestruturação da petrolífera estatal, explicando que a medida se destina também a encontrar soluções capazes de contribuírem para a sustentabilidade da indústria petrolífera em Angola, centrando-a no seu foco principal.

Segundo o documento, o programa visa tornar a Sonangol “mais competitiva e rentável”, com foco na cadeia primária de valor, observando os padrões internacionais de Qualidade, Saúde, Segurança e Meio Ambiente, contribuir para melhoria do desempenho do sector petrolífero em Angola e impulsionar e intensificar a actividade para substituição de reservas e aumento da produção de hidrocarbonetos, a médio e longo prazos.

O programa tem também por objectivo promover a prospecção, pesquisa, desenvolvimento e produção de gás natural, com vista a garantir a disponibilidade para utilização interna e exportação, bem como aumentar a quota de produção interna de petróleo bruto, reforçando o papel da Sonangol Pesquisa e Produção, tornando-a mais eficiente.

Por outro lado, o Governo pretende ainda fomentar e incentivar o desenvolvimento de uma indústria nacional “robusta de suporte ao sector petrolífero”, aumentar a capacidade interna de produção de refinados, para reduzir a dependência das importações.

Consolidar a integração dos negócios de refinação, transporte, armazenagem e comercialização de produtos refinados, com foco promoção da eficiência e na liberalização do mercado de combustíveis, e optimizar o desenvolvimento organizacional de capital humano e tecnológico para incremento da produtividade da Sonangol são os restantes dois outros objectivos.

A nova agência irá proceder à transferência de activos da Sonangol para a ANPG durante o primeiro dos três períodos de implementação – preparação da transição (até Dezembro deste ano), transição (de Janeiro a Junho de 2019, e optimização e transição (de Julho de 2019 a Dezembro de 2020).

Na mesma altura, em Agosto, e num outro decreto, João Lourenço determinou também criação de uma Comissão Interministerial de Acompanhamento do Repatriamento da Organização do Sector Petrolífero, coordenada pelo ministro dos Recurso Minerais e Petróleos angolano, Diamantino Azevedo.

No decreto, João Lourenço indica que a comissão vigorará até 31 de Dezembro de 2020 e que deve apresentar relatórios trimestrais das actividades desenvolvidas ao Presidente da República.

Ainda na altura do anúncio da criação da nova agência, o Governo explicou que objectivo principal do modelo proposto é acabar com o conflito de interesses existente na indústria angolana, de forma a torná-la “mais transparente e eficiente”.

“A reestruturação da Sonangol passa pela redução da sua exposição aos negócios não nucleares no âmbito da reestruturação também do sector, que define claramente a separação das linhas de negócio do grupo, devendo focar a acção nas actividades do sector petrolífero, pesquisa, produção, refinação e distribuição”, salientou então o ministro da Economia angolano, Archer Mangueira.

A Sonangol sempre operou à margem da lei (ou dentro da suprema lei do regime: quero, posso e mando), foi criada e responde directamente apenas às mais altas figuras políticas de Angola. A empresa foi, de facto, criada inicialmente (e assim se manteve ao longo de décadas) para conseguir financiar o MPLA, tornando-se a mais importante empresa nacional, controlada directamente pelos principais responsáveis políticos (do MPLA) e fugindo ao controlo das autoridades externas, já que as internas são todas do… MPLA.

Exonerar rimou (e rima) com privatizar

Como estaria Angola a reagir à crise económica e financeira se a Sonangol tivesse sido privatizada e, por isso, deixasse de estar sob a alçada (mesmo que incorrecta) do Estado/MPLA? Seria possível, se esta empresa estratégica fosse de privados, amortecer o impacto da crise, garantindo algum poder negocial, nomeadamente a nível de empréstimos?

Privatizar uma empresa estratégica como a Sonangol será como privatizar as Forças Armadas, perdendo um dos principais factores da nossa independência económica e financeira, no caso.

Só por ingenuidade, sejamos optimistas, se poderá pensar que os nossos principais responsáveis políticos, a começar pelo Presidente da República, alinharão nesta estratégia ultraliberal e, por isso, suicida. Privatizar a Sonangol (como parece ser o fim a médio prazo) é passar o nosso centro de decisão económico para estranhos e, inclusive, para fora do próprio país.

No caso de uma empresa, da empresa das empresas, é seguir a estratégia dos que, do ponto de vista estritamente da rentabilidade comercial, e por isso apátrida, preparam as empresas com a única finalidade de as alienar, criando mais-valias, nada preocupados com quem é o comprador, para onde vai o centro de decisão, que consequências tratará para a economia nacional, para o seu tecido social, para a independência do próprio país.

A crise económica e financeira que Angola atravessa há alguns anos, não só exige como justifica que o Estado mantenha em seu poder empresas e entidades que são estratégicas e inalienáveis. Está a funcionar mal? Ponham-se a funcionar bem. Tem altos custos? Tem. Mas são custos que não podem implicar a venda da nossa identidade. E essa identidade só se mantém se, por exemplo, a Sonangol continuar a ser do Estado, continuar (ou voltar) a ser uma empresa âncora.

Angola precisa de travar esta intenção antes que seja demasiado tarde. Não se trata de uma empresa como muitas outras que o Estado quer, e bem, privatizar. A Sonangol é… Angola. E Angola não está à venda (embora às vezes pareça) nem em fase de privatização.

Recorde-se que o Governo está a analisar um projecto de privatização parcial da petrolífera estatal Sonangol, mas só depois de Junho de 2019, segundo o ministro dos Recursos Minerais e Petróleo, Diamantino Azevedo.

De acordo com Diamantino Azevedo, o projecto em causa insere-se no quadro do “Programa de Regeneração” (ou, como está na moda, “Operação Regeneração”) da empresa.

O ministro declarou que, enquanto se passa a função de concessionária da Sonangol para a ANPG, a petrolífera tem em curso o “Programa de Regeneração”, de forma a focar-se apenas nos “negócios nucleares”, constituídos pelos fluxos ascendente e descendente da cadeia produtiva de petróleo (pesquisa, exploração, produção, refinação e distribuição).

O processo, adiantou, vai levar à privatização de algumas empresas não nucleares do grupo e, no futuro, à privatização parcial da Sonangol por dispersão bolsista, um processo ligado às boas práticas dessa indústria. “É o que se passa hoje com as grandes companhias petrolíferas mundiais”, afirmou.

Folha 8 com Lusa

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