“Em boa hora, o MPLA organizou este Seminário para capacitar os nossos militantes e os nossos representantes na Assembleia Nacional a prevenir e combater todo o tipo de crimes que tenham sido ou possam vir a ser cometidos por titulares de cargos públicos.
Subordinado ao lema do combate contra a corrupção, o nepotismo, o branqueamento de capitais e outros males, este encontro pode assim caracterizar e condenar aqueles actos ilícitos que atentam contra a dignidade e a credibilidade do Estado e incriminam quem é suposto representá-lo junto do povo, quer seja deputado, membro do Executivo ou mesmo gestor de empresa pública.
No termo de uma discussão aberta e descomplexada, houve um largo consenso sobre a correcta interpretação dos conceitos em causa que, aliás, são universais, pelo menos, nos chamados Estados democráticos e de direito como o nosso.
Para levar adiante o combate contra esses males que ainda enfermam a nossa sociedade, era de facto essencial estabelecer primeiro uma plataforma de entendimento que nos fizesse agir a todos, Partido e Estado, na mesma direcção e com o mesmo firme propósito.
Louvamos o mérito da iniciativa, mas consideramos que peca apenas por ser tardia se tivermos em conta que o país vive em paz há 15 anos, em plena fase de reconstrução nacional no quadro de uma economia de mercado, e que foi precisamente nesse período que estes fenómenos perniciosos e condenáveis nasceram, cresceram, se enraizaram e ameaçavam se perpetuar, sem que se tivesse enfrentado com a determinação e coragem que se impunham.
A Direcção do MPLA, como órgão colegial, assume colectivamente a responsabilidade do que se passou, e que se deveu a nossa inacção e de cujas consequências está hoje o país a pagar.
Apesar disso, pelas suas tradições, pelos valores que defende, às vezes desviado por pessoas, pelo apoio indefectível que sempre encontrou junto do povo angolano, o MPLA é efectivamente o Partido mais bem preparado para realizar este difícil combate.
Temos consciência de que essa não é uma tarefa fácil, porque vai encontrar pela frente interesses profundamente enraizados e pôr eventualmente em causa agentes públicos que colocam os seus interesses pessoais e de família acima do interesse público.
Foi importante ter sido recordado aqui pelo Presidente do nosso Partido que o programa de reformas do anterior Governo, financiado pelo sector do petróleo, foi gravemente afectado pela quebra dos preços desse produto no mercado internacional, tendo baixado substancialmente as Reservas Internacionais Líquidas no primeiro semestre do corrente ano, situação que se arrastou até a tomada de posse do novo Executivo.
Essa é mais uma razão para deixarmos de depender de um único produto de exportação, até porque não é crível que o petróleo volte alguma vez a atingir os elevados preços que alcançou no passado.
Assim, só a decisiva diversificação da nossa economia nos permitirá seguir adiante com as reformas necessárias, reduzir os desequilíbrios macroeconómicos, acelerar o crescimento e atingir o desenvolvimento pleno e sustentável.
O Programa de Desenvolvimento Económico 2017-2022 aponta os caminhos possíveis, mas tem de passar a haver maior exigência de qualidade na formação dos profissionais da educação, da saúde e da assistência social e uma atenção redobrada aos problemas dessas áreas.
É neste contexto que se impõe um cuidado extremo com a aplicação dos fundos públicos destinados a corrigir os desvios, erros e insuficiências desses serviços, pois eles afectam directamente o bem-estar e podem mesmo pôr em risco a própria vida dos que deles dependem.
Que a realização deste seminário seja entendida como um sinal claro da vontade política e determinação do MPLA em levar a cabo uma verdadeira cruzada de luta contra a corrupção, o nepotismo, o compadrio em todas as esferas da nossa sociedade e a todos os níveis até algum dia podermos declarar o nosso país livre destes males, a exemplo de quando se declara livre de uma epidemia que a todos ameaça, porque a semelhança e comparação desses dois factos nos parece adequada.
Estes males serão combatidos se contarmos com a participação de todos na moralização da nossa sociedade. Contamos com todos os Partidos Políticos, as Igrejas, as Organizações Não-Governamentais, as associações sócio-profissionais, as organizações juvenis e femininas, as universidades na promoção de programas de educação com relação a necessidade do respeito e da preservação do bem público por todos os cidadãos.
Por sua vez, esperamos que desta vez finalmente, e ao cabo de muitos anos de indefinição, o Parlamento exerça de facto a sua função fiscalizadora do Executivo, nos termos previstos na Constituição e na Lei.
Do Executivo se espera que desempenhe um importante papel nesta luta contra a corrupção e outros males já referidos atrás. Que haja transparência na adjudicação das grandes empreitadas de obras públicas, barragens hidroeléctricas, portos, aeroportos e outras, que se respeite a necessidade da realização de concursos públicos, que a privatização total ou parcial de empresas públicas, a exemplo do que vai acontecer em breve com a Angola Telecom ou com a quarta licença de telefonia móvel, seja feita de forma transparente, através de concurso público ou através da venda de acções na Bolsa ou Bolsas de valores, se reunirem os requisitos para tal.
É, pois, indispensável começar por abalar o sentimento de impunidade que leva os praticantes de actos ilícitos a considerarem-se a salvo de qualquer acção das autoridades constituídas ou de qualquer eventual punição.
A legislação existente no país sobre essa matéria, desde que materializada na prática, constitui uma base suficiente para se dar início a uma cruzada mobilizadora da causa pública, sem prejuízo da adopção de outras medidas no futuro.
Do mais alto Magistrado da Nação, enquanto Presidente da República e Titular do Poder Executivo, usando dos poderes e faculdades que a Constituição, a lei e o mandato do povo lhe conferem, espera-se que assuma a liderança desta luta que sabemos ser feroz, prolongada, mas da qual sairemos vencedores, porque ele não está sozinho. “Somos milhões e contra milhões ninguém combate, e quem tentar será derrotado”, como dizia Agostinho Neto.
Gostaria de retomar aqui uma promessa eleitoral, que pode ser materializada uma vez que hoje somos Governo. O país necessita de capitais para se desenvolver, para realizar investimento público em projectos geradores de riqueza, mas sobretudo geradores de emprego para os angolanos, para os nossos jovens.
Temos vindo a trabalhar na remoção dos factores inibidores do investimento privado estrangeiro, como a morosidade na concessão dos vistos, a burocracia dos serviços públicos que têm a responsabilidade de aprovar os projectos até a sua implementação, a corrupção de que estamos a falar neste seminário e outros para atrair os investidores estrangeiros para Angola.
As perspectivas são boas e encorajadoras se tivermos em conta que muitas intenções de investimento têm surgido para diferentes ramos da economia com destaque para mais de 15 ofertas de refinarias de petróleo após a tomada de posse do novo Conselho de Administração da SONANGOL, mas pretendemos que os angolanos detentores de verdadeiras fortunas no estrangeiro sejam os primeiros a vir investir no seu próprio país se são mesmo verdadeiros patriotas.
O Executivo vai no início do ano estabelecer um período de graça durante o qual todos aqueles cidadãos angolanos que repatriarem capitais do estrangeiro para Angola e os investirem na economia, em empresas geradoras de bens, de serviços e de emprego, não serão molestados, não serão interrogados das razões de terem tido o dinheiro lá fora, não serão processados judicialmente.
Mas, findo esse prazo, o Estado angolano sente-se no direito de o considerar dinheiro de Angola e dos angolanos e como tal agir junto das autoridades dos países de domicílio, para tê-lo de volta em sua posse.
O Executivo encoraja as entidades competentes na luta contra a corrupção e branqueamento de capitais, como a Unidade de Informação Financeira, os Serviços de Investigação Criminal, a Procuradoria Geral da República e os Tribunais competentes, através da melhor formação e capacitação de seus quadros, bem como de melhor oferta de condições de trabalho e meios técnicos para o cumprimento do dever que cada um a seu nível tem perante a Nação.
Uma forma de o fazer é obter uma resposta clara, fundamentada e oportuna por parte da Administração Pública e erradicar do seio das nossas fileiras e das nossas instituições aqueles que comprovadamente praticam crimes que lesam o interesse público.
Temos de ser nós a fazer o nosso dever e a cumprir o nosso papel, não deixando que por desleixo ou por descaso, se avolumem crimes que não podem continuar a ser tratados como inerentes à crise.
Devemos defender a transparência em todos os actos públicos, evitar as situações susceptíveis de potenciais conflitos de interesses e usar com legitimidade a investigação séria dos comportamentos suspeitos e a punição exemplar dos infractores.
Que não se confunda a luta contra a corrupção e outros comportamentos conexos, com a perseguição aos ricos ou a famílias abastadas.
Esta é a arma utilizada para confundir e desencorajar os que têm a missão de materializar as orientações do Partido. Em todas as sociedades de economia de mercado há ricos e eles são bem-vindos desde que suas fortunas sejam realizadas de forma lícita, aceitando a sã concorrência e consequentemente combatendo os monopólios.
Os ricos são bem-vindos se produzirem bens e serviços, gerarem emprego e contribuírem com os impostos para que o Estado possa ir retirando do limiar da pobreza um número cada vez maior de cidadãos e se amplie e fortaleça a classe média do país.
Ao realizar este Seminário, o MPLA veio demonstrar que continua coerente com os seus princípios e que não teme aprofundar temas delicados, desde que da análise e discussão das suas premissas resultem soluções favoráveis aos interesses mais legítimos do povo angolano.
Acreditamos que este debate continuará a nível da sociedade civil, não para julgar alguém, mas para contribuir com subsídios seus, nem sempre completa e claramente identificados por nós, MPLA, mas que podem vir a ser de grande utilidade nesta luta que é de todos nós.
Nessa medida, foram de grande importância as conclusões a que chegamos e espero que daqui para a frente possamos todos agir em conformidade e dar um combate sem tréguas aos males da nossa sociedade que afectam a nossa economia e o bem-estar dos nossos cidadãos.
Estamos de acordo que é necessário um clima de estabilidade política e social e que nem tudo pode ser feito num dia e de forma radical, mas sabemos também que as expectativas dos cidadãos são elevadas e não podem continuar a ser defraudadas.
Não podemos adiar por muito mais tempo a tomada das medidas necessárias para “melhorar o que está bem e corrigir o que está mal”. O próprio Comité Central do nosso Partido, no seu último comunicado público, nos pede celeridade na implementação das medidas que visam alcançar a estabilidade macroeconómica, relançar a economia e mitigar os problemas sociais mais prementes.
De facto, só unidos e determinados poderemos ter esperança de ir minimizando os enormes prejuízos que a corrupção, o nepotismo, o branqueamento de capitais e outros males equivalentes têm até aqui causado a nossa economia, bloqueando ou atrasando o bem-estar e o progresso social do nosso povo e o desenvolvimento harmonioso e sustentável do país.”
Nota: As palavras voam mas os escritos são eternos. Discurso do Presidente da República de Angola e vice-presidente do MPLA, João Lourenço, no encerramento do seminário sobre “Os desafios do combate à corrupção, ao nepotismo e ao branqueamento de capitais”, organizado pelo Grupo Parlamentar do MPLA. Luanda, 13 de Dezembro de 2017.