Fim do servil reinado do (Cachim)bombo do regime

O antigo bastonário da Ordem dos Advogados (sobretudo dos do regime) de Angola disse hoje ter deixado o cargo com sentimento de dever cumprido, mas que os problemas na justiça angolana “são sérios” e necessitam “de um empenho cada vez maior do Estado”. Dever cumprido? Talvez, se para isso se considerar apenas os ditames do regime.

Hermenegildo Cachimbombo, que exerceu o cargo desde 2012, discursava na cerimónia de tomada de posse do seu substituto, Luís Paulo Monteiro, candidato único, eleito com 526 votos dos 664 advogados participantes no processo de eleição.

“Os problemas aqui e acolá são sérios, necessitam de um empenho cada vez maior do Estado, com a comparticipação necessária dos advogados, que durante esses anos demonstraram que fazem advocacia, não só como um instrumento de ganho dos proventos necessários para o sustento próprio da família, mas também para permitir que o direito constitucional de acesso à justiça, na perspectiva do direito à defesa, seja efectivamente consagrado”, disse Hermenegildo Cachimbombo.

O causídico destacou entre as conquistas destes cinco anos de mandato o papel que a Ordem desempenhou, “e certamente continuará a desempenhar”, no sentido de materializar a actividade de fiscalização da constitucionalidade dos diversos diplomas legais que vão sendo publicados.

Paremos um pouco para – apesar de tudo – rir com profundas gargalhadas. Parece mas não é anedota. Foi mesmo Hermenegildo Cachimbombo que com esta piada (“no sentido de materializar a actividade de fiscalização da constitucionalidade dos diversos diplomas legais que vão sendo publicados”) se candidata aos primeiros lugares do “ranking” do anedotário nacional.

“Devo, só a título exemplificativo, referenciar a Lei Contra o Financiamento de Terrorismo e Branqueamento de Capitais, as Leis das Associações Públicas e Privadas e, mais recentemente, a Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal”, frisou.

Relativamente aos aspectos internos da ordem, Hermenegildo Cachimbombo referenciou a descentralização dos órgãos decisores da OAA, com a institucionalização do conselho interprovincial da Huíla, Cunene e Namibe, o conselho provincial do Huambo, e a criação do conselho interprovincial da Lunda Norte, Lunda Sul e Moxico, bem como a institucionalização das delegações do Cuanza Norte e Cuando Cubango.

Convenientemente esqueceu-se de referir o seu triste e acéfalo papel, enquanto bastonário, de vir pública e descaradamente mentir no diferendo com William Tonet, ao invés de aceitar o repto para um debate em sede de Academia, sobre ciência jurídica, liberdade e gestão da coisa pública. Mas isso valeu-lhe uma promoção como vogal do Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público, condição incompatível com as sua funções, por ter “vendido” os colegas, como se fosse um agente da Segurança de Estado e não representante de uma classe profissional.

No final de 2012, William Tonet denunciou o facto de o seu processo individual ter sido “surripiado” da Ordem dos Advogados de Angola (OAA) e entregue na Procuradoria-Geral da República, em clara violação dos Estatutos e da competência conferida do bastonário, Hermenegildo Cachimbombo.

Na altura, uma maioria de advogados fez ouvidos de moco. Em Janeiro de 2013 o advogado David Mendes foi confrontado com peças suas, assinadas e constantes do processo de William Tonet, que deveria repousar, exclusivamente, na Ordem de Advogados. E onde estavam essas peças? Exactamente – sem que tivesse havido qualquer decisão judicial – na PGR.

Um novo bastonário

Entretanto o novo bastonário, Luís Paulo Monteiro, eleito com 88% dos votos, diz que a melhoria da advocacia em Angola é a sua prioridade, começando pela implementação de um exame nacional naquele organismo para quem queira exercer a profissão.

Segundo o bastonário, a ordem vai criar um sistema de avaliação de estágio e pré-estágio, para quem se pretenda candidatar à advocacia, tendo em conta que o cumprimento escrupuloso das regras éticas e deontológicas são, ao lado do segredo profissional, o alicerce do exercício da profissão de advogado.

“Por via disso, pretendemos também expandir para a sociedade quais são efectivamente os direitos, as garantias, as imunidades e as prorrogativas dos advogados. Consta da Constituição, da lei, todavia, há muito desconhecimento, quer por parte dos funcionários públicos, quer por parte dos próprios funcionários ligados ao poder judiciário”, disse Luís Paulo Monteiro, sublinhando que esta será uma das apostas a empreender de imediato.

A defesa das prerrogativas dos advogados, a criação de um sistema de previdência social para os advogados, na componente social, e a continuidade da expansão da ordem para todo o país são outras das prioridades do seu mandato.

O bastonário considerou ainda insuficiente o número de advogados existentes no país, apesar da tendência de crescimento, salientando que Angola conta actualmente com 1.947 advogados e 3.333 advogados estagiários inscritos na ordem.

No seu discurso de tomada de posse, Luís Paulo Monteiro referiu que a advocacia é actualmente a maior profissão forense do país, tudo indicando que continuará a sê-lo no futuro, por haver “mais advogados do que juízes, procuradores e estudantes do INEJ (Instituto Nacional de Estudos Judiciários) todos juntos, mais advogados do que funcionários dos tribunais e o número de advogados tende a crescer”.

“O número não é suficiente, se nós tivermos em conta padrões internacionais, Angola precisaria no mínimo de 8.000 advogados”, disse.

Na sua intervenção, Luís Paulo Monteiro, que foi candidato da única lista concorrente às eleições, agradeceu a presença dos que pretenderam formar listas alternativas, mas que “em boa hora desistiram e telefonaram a felicitar pela eleição”.

Luís Paulo Monteiro, com 22 anos de actividade como advogado, obteve 526 votos a favor e 48 contra, ao que se acrescentou três votos nulos e 23 em branco, num total de 664 causídicos participantes.

“Com satisfação, assistimos à postura elevada dos que pensam diferente de nós. Durante a campanha não houve ataques pessoais, ataques difamatórios e mesquinhices, usuais nas campanhas eleitorais associativas”, disse.

Para Luís Paulo Monteiro, a ordem deve crescer, não só para resolver os problemas interpessoais dos seus associados, mas defender os cidadãos mais vulneráveis e desfavorecidos.

“Impõe-se que a advocacia mais experiente transmita os valores ético-profissionais mais nobres aos mais novos, só assim os choques corporativos a que vimos assistindo tenderão a desaparecer, tenderão a desagravar”, afirmou.

Folha 8 com Lusa

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