O Presidente angolano, há 38 anos no poder sem nunca ter sido nominalmente eleito, classificou hoje o seu último mandato presidencial como estável “política e socialmente”, apesar da crise económica, uma oportunidade boa para o país se libertar da dependência excessiva do petróleo.
Por Orlando Castro
José Eduardo dos Santos, Presidente de Angola desde 1979 e líder do MPLA, partido no poder há 42 anos (desde a independência), não concorre directamente (fá-lo indirectamente através de uma das suas marionetas, João Lourenço) às eleições gerais de 23 de Agosto e fez o comentário no discurso que proferiu na última reunião do seu domesticado, servil e bajulador Conselho de Ministros.
O chefe de Estado lembrou que “em tempo oportuno” foi accionada uma estratégia para fazer face à crise, com vista a se iniciar “um novo ciclo económico de estabilidade, não dependente do petróleo, como principal fonte de receita fiscal e de exportações do país”. Principal e quase única, diga-se.
Segundo José Eduardo dos Santos, o processo de diversificação económica tem como foco, o aumento da produção interna, a redução das importações, o fornecimento do tecido empresarial nacional, a promoção e criação de emprego, bem como a diversificação das fontes de receitas fiscais e de divisas.
Para além de dizer o que está escrito em qualquer manual de economia, esqueceu-se de referir que há dezenas de anos ou, pelo menos, desde 2002 (com o fim da guerra civil) deveria ter apostado nessa diversificação que agora ainda está na fase embrionária.
A capacidade de rapidamente se encontrar soluções para ultrapassar os problemas mais prementes e da adaptação às contingências objectivas dos contextos internos e externos foi um dos traços fundamentais, que caracterizaram o mandato do actual Governo, considerou José Eduardo dos Santos num (mais um) manifesto atentado à inteligência dos angolanos, não tanto à dos seus acólitos que consideram tudo o que diz como um acto divino e que, além disso, só pensam o que o chefe pensa.
O apoio “inestimável” dos membros do executivo foi realçado pelo chefe de Estado angolano, na superação e vitória dos múltiplos obstáculos que surgiram nos últimos cinco anos. O que José Eduardo dos Santos chama de apoio “inestimável” não possa de manifestações caninas de um exacerbado culto do chefe, tal como acontece noutras relevantes democracias do mundo, casos da Coreia do Norte e da Guiné Equatorial.
“Foi porque vocês souberam colocar à disposição do país as vossas capacidades, aptidões, conhecimentos e vontade de triunfar, assumindo com responsabilidade e sentido de Estado, os deveres de que estão incumbidos pela lei e pela Constituição da República”, disse o Presidente.
Se Angola não fosse – por exemplo – um dos países mais corruptos do mundo, não fosse o país com o maior índice de mortalidade infantil e não tivesse 20 milhões de pobres (para além da mulher mais rica de África, por sinal sua filha), até daria para rir com esta anedota contada por Eduardo dos Santos.
Para José Eduardo dos Santos, o processo eleitoral de 23 de Agosto constitui a prova de que “as sementes lançadas à terra estão a germinar e de que o povo angolano vai, de certeza, colher bons frutos, a médio prazo”, referiu.
Ditador há 38 anos, corrupto há quase 40
O MPLA está no poder desde 1975 e por lá vai ficar. Com o poder absoluto que tem nas mãos (é também o presidente do MPLA e chefe do Governo), José Eduardo dos Santos foi/é um dos ditadores ou, na melhor das hipóteses, um presidente autocrático, há mais tempo em exercício.
Nada, mesmo nada, abona do ponto de vista democrático, humano e civilizacional a seu favor. Sabe todo o mundo, mas sobretudo e mais uma vez África, que se o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente. É o caso em Angola.
Só em ditadura, mesmo que legitimada pelos votos comprados a um povo que quase sempre pensa com a barriga (vazia) e não com a cabeça, é possível estar tantos anos no poder. Em qualquer estado de direito democrático tal não seria possível.
Aliás, e Angola não foge infelizmente à regra, África é um alfobre constante e habitual de conflitos armados porque a falta de democraticidade obriga a que a alternância política seja conquistada pela linguagem das armas. Há obviamente outras razões, mas quando se julga que eleições são só por si sinónimo de democracia está-se a caminhar para a ditadura.
Com Eduardo dos Santos passou-se exactamente isso. A guerra legitimou tudo o que se consegue imaginar de mau. Permitiu ao actual presidente perpetuar-se no poder, tal como como permitiu que a UNITA dissesse que essa era (e pelo que se vai vendo até parece que tinha razão) a única via para mudar de dono do país.
É claro que, é sempre assim nas ditaduras, o povo foi sempre e continua a ser (as eleições não alteraram a génese da ditadura, apenas a maquilharam) carne para canhão.
Por outro lado, a típica hipocrisia das grandes potências ocidentais, nomeadamente EUA e União Europeia, ajudou a dotar José Eduardo dos Santos com o rótulo de grande estadista. Rótulo que não corresponde ao produto. Essa opção estratégica de norte-americanos e europeus tem, reconheça-se, razão de ser sobretudo no âmbito económico.
É muito mais fácil negociar com um regime ditatorial do que com um que seja democrático. É muito mais fácil negociar com alguém que, à partida, se sabe que irá estar na cadeira do poder durante toda a vida, do que com alguém que pode ao fim de um par de anos ser substituído pela livre escolha popular.
É, como acontece com José Eduardo dos Santos, muito mais fácil negociar com o líder de um clã que representa quase 100 por cento do Produto Interno Bruto, do que com alguém que não seja dono do país mas apenas, como acontece nas democracias, representante temporário do povo soberano.
Bem visível no caso angolano é o facto de, como em qualquer outra ditadura, quanto mais se tem mais se quer ter, seja no país ou noutro qualquer sítio. Por muito pequeno que seja o ditador, o que não é o caso de José Eduardo dos Santo, a História mostra-nos que tem sempre apreciável fortuna espalhada pelo mundo, seja em bens imobiliários (como era tradição) ou mais modernamente nos paraísos fiscais.
Reconheça-se, entretanto, a estatura política de José Eduardo dos Santos, visível sobretudo a partir do momento em que deixou de poder contar com Jonas Savimbi como bode expiatório para tudo o que de mal se passava em Angola.
Desde 2002, o presidente de Angola tem conseguido fingir que democratiza o país e, mais do que isso, conseguiu (embora não por mérito seu mas, isso sim, por demérito da UNITA) domesticar completamente todos aqueles que lhe poderiam fazer frente.
Ninguém acredita que, até pelo facto de o país ter estado em guerra dezenas de anos, José Eduardo dos Santos tenha as mãos limpas de sangue. Aliás, nenhuma ditador com 38 anos de permanência seguida no poder, tem as mãos limpas.
Mas essa também não é uma preocupação. Quando se tem milhões, pouco importa como estão as mãos. Aliás, esses milhões servem também para branquear, para limpar, para transplantar, para comprar (quase) tudo e (quase) todos.
Tudo isto é possível com alguma facilidade quando se é dono de um país rico e, dessa forma, se consegue tudo o que se quer. E quando aparecem pessoas que não estão à venda mas incomodam e ameaçam o trono, há sempre forma de as fazer chocar com uma bala.
Acresce, e nisso os angolanos não são diferentes de qualquer outro povo, que continua válida a tese de que “se não consegues vencê-los junta-te a eles”. Não admira por isso que José Eduardo dos Santos tenha enquanto detentor do poder cada vez mais fiéis seguidores, sejam militares, políticos, empresários e até (supostos) jornalistas.
É claro que, enquanto isso, o Povo continua a ser gerado com fome, a nascer com fome, e a morrer pouco depois… com fome. E a fome, a miséria, as doenças, as assimetrias sociais são chagas imputáveis ao Poder. E quem está no poder há 38 anos é sempre o mesmo, José Eduardo dos Santos.
Até um dia, como é óbvio. E esse dia não é 23 de Agosto de 2017. Aí vão apenas mudar algumas moscas. Esse dia será quando José Eduardo dos Santos for julgado pelos crimes cometidos e quando Angola for o que nunca conseguiu ser nestes 42 anos: uma democracia e um Estado Direito e, a partir daí, decidir o que fazer com este ditador.
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